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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.1 São Paulo  2009

     

    CINEMA

    AS SETE VIDAS DO SUPER-8

     

     

     

    VHS, Betamax, Super VHS, Betacam, Mini-DV e HDTV. Os formatos tecnológicos do audiovisual eletrônico evoluíram muito nos últimos 30 anos. Mas em meio a toda essa variedade de padrões e formatos, analógicos ou digitais, uma bitola cinematográfica muito popular, surgida nos anos 1960, ainda encontra usuários apaixonados. Competições internacionais como o Straight8 (http://www.straight8.net/straight8b.htm) mantêm vivo o culto ao Super-8. Criado por dois cineastas radicados em Londres, o Straight8 funciona de forma bastante simples: quem se registra recebe um cartucho numerado de Super-8 virgem, para filmar o tema que quiser, sem edição fora da câmera. O material filmado deve ser então remetido aos organizadores do Straight8, e o filme pode acabar sendo exibido em festivais como o de Cannes, onde o diretor poderá ver pela primeira vez sua obra finalizada. Fashion? Pois bem: o tempo passa, mas o Super-8 não perde o charme.

    Lançado pela Kodak em 1965, o Super-8 é uma evolução da película 8mm, com uma superfície maior de imagem. Nos anos 1960 e 1970, fez muito sucesso entre cineastas amadores e como formato de audiovisual doméstico, precursor do VHS nos anos 1980, e do mini-DV na década seguinte. Festivais de Super-8 multiplicaram-se pelo país e o formato foi muito utilizado por artistas experimentalistas do mundo todo. Versão miniaturizada do cinema standard (35mm), o Super-8 se beneficiava de uma câmera portátil de baixo custo e fácil de usar. Por outro lado, também demandava revelação e montagem do material filmado. Hoje, o Super-8 é praticamente desconhecido do grande público. Mas alguns cineastas não abrem mão dessa bitola.

    Campinas, no interior paulista, foi e continua sendo reduto de apaixonados por Super-8. O fotógrafo e cineasta Henrique de Oliveira Jr., hoje com 87 anos, lembra que entre 1970 e 1982 era realizado anualmente o Festival de Cinema Super-8 na cidade, exibindo filmes do Brasil inteiro. Diretor de Bailado (1980) e Tabela (1977), juntamente com o grupo Equipe Pesquisa 8, ganhou vários prêmios e conserva em sua casa equipamentos Super-8 funcionando perfeitamente. Para quem como ele o Super-8 foi uma verdadeira escola de cinema, "nada substitui o contato com a película". Ele considera, ainda, que o vídeo não supera a qualidade de imagem do Super-8.

     

     

    UNDERGROUND Lucas Vega, um dos organizadores do Festival de Cinema Super-8 de Campinas desde 1997, comenta que o Super-8 foi lançado num momento de mudanças sociais e movimentos como a contracultura e a Tropicália. Superoitista "de carteirinha", ele observa que artistas plásticos, músicos e até engenheiros começaram a fazer filmes em casa, utilizando todo o sistema de venda e revelação montado para satisfazer o mercado doméstico de Super-8: "é um cinema pra lá de marginal". Vega acrescenta que, "tecnicamente, o Super-8 tinha uma dimensão muito humana, muito ligada ao teatro, pois por ser um filme reversível (que não tem negativo), ele não tem cópias – é muito caro fazer uma cópia em Super-8. Assim, o filme só pode ser projetado em um lugar de cada vez, o que contraria a dimensão contemporânea de reprodutibilidade técnica".

    FEIÇÃO CASEIRA Rubens Machado, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador de cinema Super-8, reconhece três características peculiares da bitola: "o Super-8 facilita, em primeiro lugar, a produção pobre, sem recursos, mais elementar no custeio e mais autônoma, o que o leva para mais perto de manifestações de expressão mais espontânea, como a música, a literatura. Em segundo lugar, tem um lado meio "brinquedo", de jogo lúdico, é um eletrodoméstico de fácil manuseio. Em terceiro lugar, o Super-8 tem ainda outro lado meio 'coisa de família', de sociabilidade privada, com os rituais mais soltos", descreve. Nestes três aspectos ele guarda um inesperado parentesco com certas tendências históricas do cinema brasileiro, como se exagerasse inclinações naturais do nosso fazer cinematográfico mais inelutável, tradicional. Talvez algo muito próximo do que conclamava o cineasta Rogério Sganzerla, no final dos anos 1960, quando dizia que precisávamos nos dedicar a fazer 'filmecos' subdesenvolvidos".

    Em São Paulo, o artista plástico Marcos Bertoni tem uma relação de afeto especial em relação à película e ao filme projetado na tela. Fascinado com as imagens de mestres como Serguei Eisenstein ou Jean-Luc Godard manipulando películas, Bertoni começou a rodar Super-8 com 18 anos, tentando fazer um remake de Cleópatra. Para ele, o contato manual com a película é algo mágico. Tanto que lançou o "movimento Dogma 2002", uma paródia do Dogma dinamarquês em que tudo é permitido, menos filmar. O cineasta passa a trabalhar essencialmente com a reciclagem, misturando trechos de filmes em Super-8, originais ou cópias, e dublando-os, no intuito de criar uma nova obra. Trata-se de uma radicalização da citação ou colagem, em filmes sempre paródicos e debochados. A brincadeira de Bertoni rendeu filmes criativos e inspirados que arrebataram prêmios, como Dr. Eckardt (2002, 18 min.), vencedor do prêmio de Melhor Roteiro, Montagem e Edição de Som em Super-8 no 31º Festival de Gramado, também em 2003.

    "É por este 'brincar de fazer cinema', que o Super-8 convoca, mais que qualquer outra modalidade. É uma caricatura do cinema na medida em que, além da sua ritualização mais espontânea, amplia todos os 'defeitos técnicos' próprios do específico fílmico, responsáveis, por exemplo, pela fotogenia, e pela sensação que temos ao ver um filme. Daí o interesse persistente pela "simpática bitola", para usar a expressão de Edgard Navarro, entre cineastas experimentais.

    SERVIÇO São poucos os laboratórios que ainda prestam serviços de Super-8. A Kodak fornece o Kodachrome positivo Super-8, utilizando um serviço de remessa incluído no preço do filme. Alguns laboratórios de grande porte revelam negativo, mas em circunstâncias especiais. Na Califórnia, a empresa Pro8mm comercializa, processa e faz a telecinagem de filme Super-8, e no Reino Unido, a Super-8 Transfers presta serviços de telecine para superoitistas. Para quem tem interesse em se aventurar pelo Super-8 no Brasil, a compra de material e revelação dos filmes podem ser feitas na AGF Laboratórios e nos Estúdios Mega, em São Paulo, ou através de sites europeus e norte-americanos especializados, tais como www.k14movie.com, www.yalefilm.video.com e www.super8sound.com.

     

    Alfredo Luiz Suppia