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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.1 São Paulo  2009

     

     

    DENILSON CORDEIRO

     

    OFERTA

     

    A Certeza, de substantivos, proverbiais e notórios predicados, tendo se formado na melhor tradição helênica, bacharelou-se há algumas centenas de anos na efervescência do badalado movimento cultural da Antiguidade; durante a graduação fez parte de variados grupos de estudos internacionalmente prestigiosos, hoje chamados multidisciplinares ou interdisciplinares ou transdisciplinares; logo pós-graduou-se em lógica, sem contudo levar adiante a promissora carreira na área; por indicação de um amigo filósofo alemão, passou a lecionar numa das Faculdades da Razão, onde reencontrou amigos da época de formação: o Bem, jurista de renome, hoje reponsável pelo maior conglomerado jurídico dos EUA; e o Belo, que foi obrigado a se exilar primeiro na França e hoje é marchand no mundo artístico-empresarial californiano e, eventualmente, consultor da Coordenadora geral da faculdade: a professora doutora Verdade, à qual, dizendo cobras e lagartos, apelidaram maldosamente de a Absoluta. Mas, hoje sabemos, trata-se de despeito pela pecha coronolesca a ela atribuída.

    Cumpre ressaltar que tendo tido bolsa-sanduíche na Alemanha, Certeza obteve considerável distinção nos seminários dos quais participou, sobretudo no sapientíssimo círculo de estudos do Espírito, o que a levou à glamorosa rivière do Saber Absoluto, no passado, espécie de posto nove de Ipanema; hoje, devido à desenfreada e irresponsável especulação imobiliário-filosófica vai se assemelhando aos lugares-comuns.

    Certeza tem ainda proficiência em vários idiomas, exceção feita àqueles de certo tronco obscuro das indo-européias: o esoterismo, o inglês americano do Pentágono e o dialeto arrevesado dos financistas. O primeiro por desinteresse, o segundo por desgosto e o terceiro por incompatibilidade de gênios.

    Certeza foi ouvinte esporádica nos cursos da Harvard School of Business, mas, por força de causa maior, acabou reprovada por faltas e considerada persona non grata.

    Por uma certa inadequação congênita, foi ainda expulsa de diversos sistemas filosóficos, chegando a considerar a possibilidade de mudar de departamento, o que acabou não se efetivando.

    Com a repressão política, passou uma temporada no Cepal, no Chile, mas logo, através da irmã de Nietzsche, que morava no Paraguai, conseguiu uma bolsa de estudos para Frankfurt. Lá fez duas importantes amizades: Cohen-Bendit e a Dialética, àquela altura, "solta nas ruas". Certeza e Dialética passaram a morar juntas, numa quitinete, mas com o acirramento dos embates, Dialética acabou na prisão, onde conheceu um garboso militante comunista chamado Materialismo, um "homem concreto", como se dizia. Certeza viveu na Amargurastrasse até meados da década de 70.

    A essa altura, não se identificava mais com nenhuma nacionalidade, o que a levou a vagamundear até ser tomada pela urgência e necessidade de fundar uma ONG. Porém, há dois meses a empresa quebrou por falta de causas e apoio financeiro (lembramos que ela foi reprovada nos exames básicos deste idioma) e agora, por intervenção de um amigo parlamentar, encaminha este curriculum vitae detalhado para oferecer os seus préstimos, a sua experiência e empenho para as atividades desta conceituada instituição. Precisa, no entanto, ainda salientar que, no caso de contratação, não pode emitir nota fiscal, pois tem o nome sujo na praça; tanto melhor será se dispuser dos benefícios sociais: ticket, vale-transporte, assistência médica e décimo terceiro salário.

    Sem mais, agradece a atenção, atesta e dá fé.

     

    Denilson Cordeiro é paulistano da zona leste. Palmeirense bissexto. Ex-jogador de futebol, ex-feirante, ex-balconista, ex-bancário e ex-publicitário. Doutor em filosofia pela USP e professor na Facamp.