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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.2 São Paulo  2009

     

     

     

    MUDANÇAS CLIMÁTICAS

    Sucesso de novo acordo depende de envolvimento de nações mais ricas

     

    Doze anos e a constatação de um aquecimento atmosférico em franca aceleração separam Kyoto, no Japão, da capital dinamarquesa Copenhagen. Em 1997, representantes de 189 países se reuniram na cidade japonesa para elaborar uma carta de compromissos com o objetivo de diminuir as emissões dos gases causadores do efeito estufa. Foram estabelecidas metas de redução e um mercado de créditos de carbono através do qual países industrializados financiam tecnologias limpas em nações em desenvolvimento como forma de compensar sua produção de dióxido de carbono (CO2), o principal gás estufa. Tanto o protocolo como o mercado de carbono fracassaram na tentativa de mitigar o aquecimento do planeta, segundo o economista José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo (USP). Em dezembro deste ano, na Dinamarca, os países voltarão a se reunir para debater e estabelecer novos compromissos. Especialistas apostam que, dessa vez, a história será diferente.

     

     

    A principal esperança repousa na guinada de postura do principal ator mundial nessa questão, os Estados Unidos. "Eles ainda são o maior poluidor mundial e a maior potência geopolítica do mundo e, por não terem assinado o protocolo, atrasaram também as negociações pós-Kyoto", comenta o cientista político Sérgio Abranches, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Barack Obama, recém-empossado presidente dos EUA, deu indícios positivos de que sua nação poderá assumir uma face mais amistosa em relação aos problemas climáticos. Outra peça chave nas novas negociações, aponta Abranches, é a China, que tende a ser mais colaborativa, a despeito de sua posição irredutível do passado. "Com a China mais cooperativa, vai ficar difícil para a Índia e o Brasil também não mudarem de posição", avalia, referindo-se ao fato de o documento de Kyoto isentar os países em desenvolvimento de assumirem compromissos de redução de suas emissões de gases estufa.

    Muito mais persuasivo do que as mudanças de posição das grandes potências é o fato de os países viverem os efeitos deletérios das mudanças do clima. A Austrália é um caso típico. Inicialmente não signatária de Kyoto, o país assinou o protocolo depois da mudança de seu governo e, principalmente, porque se viu assolada por catástrofes naturais cada vez mais violentas. "Hoje a Austrália sofre com um incêndio gigantesco de um lado e com enchentes na outra costa. Dois extremos climáticos provocados pelo aumento da temperatura", exemplifica o cientista político.

    Há, também, desde a década de 1990, um crescente esforço de reunir dados consistentes que associem o aquecimento global à ação humana. "Em 1997, ano da Convenção de Kyoto, havia apenas dois relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas] sobre o assunto", lembra o secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, Fábio Feldmann. A falta de mais estudos, à época, deixou espaço para questionamentos sobre as origens do aquecimento global, os quais foram usados como pretexto para que o então governo norte-americano de George W. Bush não aderisse ao protocolo de Kyoto. Hoje, subterfúgios assim dificilmente funcionariam, pois, apesar de não ser consenso na comunidade científica, grande parte dela está convencida de que a ação humana é mesmo responsável por tornar o planeta mais quente. "O problema é muito mais grave do que se imaginava", explica Feldmann, "a situação atual ultrapassa os cenários mais pessimistas previstos pelo IPCC, o que exige medidas urgentes se quisermos mitigar o aquecimento".

    NOVA ECONOMIA As expectativas em relação à reunião de Copenhagen são altas. Sérgio Abranches acredita que as metas de emissões devem continuar, ser atualizadas e ampliadas para outros países, mas o cerne da questão – o seu cumprimento – vai se atrelar gradualmente à parte mais sensível das nações: os seus cofres. "Com o tempo, a Organização Mundial do Comércio deverá absorver o acordo", prevê, "com isso, poderá adotar sanções específicas como sobretaxas para países que não cumprirem metas ou para produtos antiecológicos, por exemplo". Na mesma direção, José Eli da Veiga, da USP, defende a necessidade de um mecanismo que encareça as emissões de carbono. "Sem medidas de caráter econômico, não haverá controle, nem punição". Já Fábio Feldmann está otimista que Copenhagen poderá ser a semente de um novo sistema econômico baseado em uma produção sustentável. "Nos próximos 30 anos, vamos assistir a um processo de mudança do sistema produtivo que, aos poucos, vai se 'descarbonizar', diminuir o consumo de combustíveis fósseis e aumentar consideravelmente os níveis de eficiência energética", vislumbra o especialista.

    Ainda é cedo para comemorar possíveis resultados do futuro acordo climático, abranda Veiga. Ele enfatiza que, apesar de reunir os 192 países integrantes da ONU, a Convenção de Clima reunirá apenas uma pequena parte dos responsáveis pelo maior volume de emissões de poluentes. Os grandes poluidores estão concentrados principalmente no G20, grupo das 7 nações mais ricas do mundo, além de outras 13 emergentes, entre elas o Brasil, que também figura entre os grandes emissores de carbono por causa das queimadas em suas florestas. O economista lembra que o futuro climático do mundo está, fundamentalmente, nas mãos dessas poucas nações. "O G20 já era responsável por 80% das emissões de gases estufa, essa participação está aumentando e, em pouco tempo, eles serão responsáveis por quase 100% das emissões desses gases no planeta", alerta. Por isso, um bom prognóstico da conferência de Copenhagen poderá ser tirado da reunião desses países, que ocorrerá agora em abril. "Devemos observar os encontros do G20 que ocorrerão até dezembro", aconselha Veiga, "se disserem que os problemas do clima não cabem na pauta, será um mau sinal." Mesmo a atual crise financeira não deverá encobrir os problemas climáticos, segundo acredita Sérgio Abranches. "A Conferência das Partes tomará medidas para daqui a alguns anos, quando a crise financeira deverá estar superada", analisa. Mesmo porque, se a tormenta econômica tomar o espaço do aquecimento global nas mesas de discussões dos países ricos, boa parte do planeta deverá se afogar, não em dívidas, mas em água salgada.

     

    Fábio Reynol