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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.2 São Paulo  2009

     

     

     

    RESENHA

    O neoliberalismo como ideologia

     

     

    O fim do liberalismo foi anunciado muitas vezes nos últimos anos. Primeiro, no final dos anos 1990, após a crise nos países asiáticos e, pouco depois, em 2001, quando estourou a bolha da internet e novo susto abalou as certezas econômicas globais. Porém, o sistema acabou se refazendo e a fórmula gestada nos anos 1970 e 1980 – cujo cerne é o tripé Estado mínimo, financeirização e desregulação do mercado – continuou sendo aplicada e, por vezes, imposta. Estamos agora em meio a uma nova crise, dessa vez parecendo mais profunda que as anteriores.

    Embora o livro original em inglês tenha sido escrito em 2005, bem antes do atual colapso, Neoliberalismo: história e implicações oferece pistas interessantes para se entender a força e longevidade desse modelo que, a despeito de seus efeitos perversos, em especial nos países pobres, continua vigente. A chave é entendê-lo não apenas como um receituário econômico, mas como um fenômeno mais complexo e que envolve a produção de uma ideologia.

    Para contar a breve, porém intensa, trajetória de ascensão do neoliberalismo, o autor David Harvey, professor de antropologia da Universidade da Cidade de Nova Iorque – autor de A condição pós-moderna – faz uma análise que é, ao mesmo tempo, econômica, cultural e histórica. Assim, identifica o que seriam as "sofisticadas estratégias implementadas pela classe de elite a fim de restaurar, melhorar ou construir um poder de classe avassalador". A perspectiva marxista de luta de classes atravessa e sustenta a obra, cujo ponto forte está justamente em não tomar o neoliberalismo como uma saída natural à estagnação econômica dos anos 1970, mas sim um movimento consciente, capitaneado por um grupo específico, em direção à adoção de soluções determinadas.

    Harvey aponta como primeiro indício da virada neoliberal nos EUA, o memorando do juiz da Suprema Corte, Lewis Powell (1971). Nele, Powell afirma que os ataques ao sistema de livre mercado tinham ido longe demais e que era preciso mobilizar os recursos dos negócios do país contra "aqueles que o destruiriam". A Câmara de Comércio deveria, assim, lançar um ataque às principais instituições a fim de mudar como as pessoas pensam "sobre as corporações, o direito, a cultura e o indivíduo".

    Desse modo, Harvey mostra como se construiu um consenso cultural em torno das trocas de mercado, como uma ética em si, capaz de servir de guia a toda ação humana, sustentada na ideia de que o bem social é maximizado caso também se maximize o alcance e a frequência das transações do mercado.

    O pensamento liberal de esquerda, em particular, teria sido pego no impasse entre justiça social, sua preocupação principal, e as liberdades individuais, tema que é caro a esse pensamento. Embora as duas ideias não sejam necessariamente excludentes, "a busca da justiça social pressupõe solidariedades sociais e a propensão a submeter vontades, necessidades e desejos à causa de uma luta mais geral". Segundo Harvey, "a preocupação neoliberal com o indivíduo põe em segundo plano toda preocupação democrática social com a igualdade, a democracia e as solidariedades sociais". Dessa forma, mesmo os críticos estariam sendo levados a aceitar as proposições básicas daquilo que combatem.

    A obra faz também uma detida análise do Estado neoliberal e, em especial, de processos econômicos ocorridos em países como Argentina, Suécia e China.

     

    Rafael Evangelista