SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.61 issue3 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.3 São Paulo  2009

     

     

     

    SAÚVAS

    Avanços no conhecimento não impedem dificuldades no controle das cortadeiras

     

    O trabalho intenso e incansável dos cientistas brasileiros reproduz uma das características do comportamento de um dos seus objetos de estudo: as formigas. Mário Autuori (1906-1982), o biólogo paulista e pesquisador do Instituto Biológico por 37 anos, inaugurou o primeiro número da Ciência & Cultura, em 1949, com suas ricas contribuições sobre a biologia das saúvas, consideradas, até hoje, uma importante praga da agricultura, pecuária e silvicultura nacional. Ele acreditava que o controle dessas formigas cortadeiras tinha "como falha principal, o desconhecimento da estrutura do sauveiro e da biologia da saúva". "Apesar do grande volume de pesquisas com as saúvas, pouco avanço ocorreu no controle", lamenta Luiz Carlos Forti, do Departamento de Produção Vegetal-Defesa Fitossanitária da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

    Os esforços para entender a biologia dessas formigas cortadeiras, para combatê-las, são compreensíveis. Esse verdadeiro exército é capaz de provocar perdas de 14% de Pinus (pinheiros) e eucaliptos por hectare. "Quando as plantas são novas os prejuízos podem chegar a 100%", informa Forti. Quem nunca teve seus belos arbustos ou heras completamente desnudados da noite para o dia, pelo trabalho intenso e ruidoso das operárias, e ficou absolutamente espantado com a capacidade desses insetos sociais? Para estimar essas perdas, os biólogos utilizam o fator de conversão, cálculo proposto por Autuori, que divide o peso do material cortado pelo peso de lixo produzido pelas colônias. Recentemente, em artigo para a Revista da Árvore (Vol.31, n.1, 2007) uma equipe da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG, concluiu que a taxa de conversão não varia com as diferentes qualidades do substrato cortado, reforçando a utilidade do índice, muito embora Autuori não tenha considerado a taxa de decomposição da matéria orgânica nas câmaras de lixo.

     

     

    Atualmente, o método mais eficaz é o controle químico, com substâncias como o fipronil, deltametrina e sulfluramida, muito embora não seja o desejado, em função dos danos a outras espécies, ao solo e a fontes de água. "O controle químico está passando por um período de reavaliação; a busca por substâncias químicas menos impactantes está bastante intensa", afirma o professor da Unesp. Há pesquisas com parasitas, predadores, produtos naturais e feromônios que levantam boas perspectivas, porém, nada ainda em escala comercial.

    TRABALHO MINUCIOSO E PERSISTENTE A força do trabalho desses insetos sociais se traduz nas características de sua colônia. Um sauveiro desenvolvido pode chegar a abrigar milhões de operárias para apenas uma rainha, num esforço que acumula, em superfície, até 100 metros quadrados de terra solta (retirada para a construção da colônia).

    E é num trabalho semelhante ao realizado por arqueólogos, guardadas as devidas proporções, que Forti e sua equipe revelam a estrutura de um sauveiro e suas intricadas câmaras e "corredores", por onde operárias levam os fragmentos de folhas cortados para cultivo do fungo (da família Lepiotaceae) do qual se alimentam. A partir dos olheiros (aberturas na superfície), a equipe derrama, em seu interior, cimento que preenche as câmaras antes de endurecer e esculpir a estrutura arquitetônica das Atta, gênero das saúvas que somam, nas Américas, 14 espécies, das quais 9 ocorrem no Brasil.

     

     

    Com semelhante afinco científico, Mário Antuori dedicou-se em acompanhar formigas fêmeas aladas que saíam em revoada de ninhos com mais de três anos de idade, entre os meses de setembro e dezembro, para fundar sua colônia logo depois de cruzar com os machos (que logo morrem) e abandonar suas asas. Em um belo artigo, que envolve tanto biólogos como curiosos da natureza, "Investigações sobre a biologia da saúva", o autor ainda é capaz de nos surpreender sobre as relações existentes entre as diferentes castas do gênero Atta.

    Em uma descrição experimental clássica de biologia, Autuori ajudou a desvendar a estrutura do sauveiro, desde o início da colonização de um local, passando pela alimentação, crescimento da população, até o aparecimento e multiplicação dos olhos. O trabalho foi realizado na área do Instituto Biológico e, posteriormente, alguns ninhos jovens foram transferidos para o laboratório, onde eram acompanhados por meio de paredes de vidro, a exemplo da estrutura usada por museus de ciência para espiarmos o movimento de um formigueiro.

    E foi nesse cenário que Autuori e sua equipe observaram, com ineditismo, a existência de dois tipos de ovos postos pela rainha, antes mesmo do formigueiro ter capacidade de cultivar o fungo em quantidade para abastecer as larvas, fato até então não relatado na literatura. "(...) a içá [rainha] põe duas sortes de 'ovos': o ovo normal, que dá nascimento às larvas e outro, que nós chamamos de 'ovos de alimentação'. Esse é bem maior que o ovo normal, muito frágil, de consistência extremamente mole e, com eles, a içá alimenta as larvas e as primeiras formigas operárias da colônia inicial", descreve em seu artigo da Ciência & Cultura de 1949.

     

     

    Acompanhar o surgimento dos olheiros também rendeu novas descobertas, como o fato de o segundo surgir após um ano de idade e, a partir desse momento, a atividade se acelera, de tal modo, que, em apenas um mês, surgem outros 8. O conhecimento até então disponível considerava que poucos olheiros seriam sinônimo de sauveiro jovem, com alguns meses de idade.

    Os trabalhos mais recentes têm ido na direção de entender as estratégias de forrageamento das formigas cortadeiras indicando: grande plasticidade em lidar com as mudanças do meio ambiente; a evolução da relação de simbiose e a variedade entre espécies do gênero Atta e o fungo que cultivam; a divisão de trabalho, com indicações de que ela pode variar não apenas segundo a casta, mas também idade e tamanho entre as operárias, formas que otimizam a eficiência da colônia; além de interações positivas com plantas, estimulando novas brotações. Os genomas das formigas, inclusive saúvas, começam a ser sequenciados e as conclusões mostram que eles são menores que os tamanhos encontrados na maioria dos genomas de outros insetos.

    A complexidade e organização social das saúvas apontam para a necessidade de que muitos outros estudos serão necessários para, no futuro, assegurar alguma trégua à produção agrícola. Para o deputado Moacir Micheletto (PMDB/PR), coordenador político da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso, o Brasil tem prejuízo anual estimado de U$ 6,7 bilhões em madeira de plantações florestais de pinheiro e eucalipto, por conta do ataque de cortadeiras.

     

    Germana Barata