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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.3 São Paulo  2009

     

     

     

    BIBLIOTECAS CIENTÍFICAS

    O que mudou na demanda pela informação?

     

    No início de 1949, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apresentava no primeiro número da Ciência & Cultura um texto sobre o manifesto encaminhado ao então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, em defesa das bibliotecas científicas do estado. Uma circular do governador havia restringido a aquisição de novos periódicos científicos a casos de exceção com justificativa. Mais de cinco décadas depois, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) publicou na versão eletrônica do Jornal da Ciência, da SBPC, um manifesto em defesa de sua biblioteca. O motivo do desagravo era o corte de assinaturas entre 1998 e 2002 e a não aquisição de novos títulos em 2003. Apesar da semelhança desses dois casos, muita coisa mudou ao longo da história em relação ao consumo da informação em ciência.

    Há 60 anos, a própria comunidade científica do país estava apenas começando a estruturar suas entidades representativas. Até então, apenas a Academia Brasileira de Ciências, fundada em 1916, congregava pesquisadores a nível nacional — e em sua fase inicial, apenas aqueles das chamadas ciências duras. A SPBC, por exemplo, tinha apenas um ano de existência ao criar a Ciência & Cultura, na qual divulgou aquele manifesto. Naquele período, também surgiam instituições de pesquisa voltadas para o desenvolvimento científico do país, como o CBPF, fundado em 1949. Dois anos depois, seriam criados o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E, em 1954, surgiu o Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD).

     

     

    "Nas décadas de 1950 e 1960, a ciência dependia tremendamente de obras de referência, de mecanismos que consolidassem a dispersão, reagrupassem o semelhante, de acordo com cada área do saber. Daí a necessidade de centros de documentação, como o IBBD, que oferecessem serviços gerais de referência, tradução de artigos, preparação de resumos e abstracts, intercâmbio nacional e internacional de publicações, reprografia e edição, controle e gerenciamento de normas técnicas e patentes", diz Nanci Oddone, do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que atualmente faz pós-doutorado em infociência pela Universidade de Kent, no Reino Unido. "Naquele período, entretanto, a ciência nacional era eminentemente 'consumidora' de documentação científica, pois a produção nacional ainda era incipiente", completa. Para se ter uma ideia, no início dos anos 1980, os artigos científicos do Brasil representavam menos de 0,5% da produção mundial, hoje passam dos 2%.

    Esse consumo se consolidou historicamente pela consulta à material impresso, especialmente periódicos especializados. O CBPF, por exemplo, sempre se orgulhou de ter em seu acervo periódicos de tradição, como The Philosophical Magazine — com números publicados desde 1800 —, Comptes Rendus des Séances de L'Académie des Sciences — desde 1835 —, Philosophical Transactions of the Royal Society of London — desde 1875 —, e Proceedings of the Royal Society of London — desde 1877. A ciência brasileira, contudo, incluindo a física, avançou muito e ganhou destaque internacional, engordando sua contribuição de artigos indexados no Thomson Reuters-ISI em 2008, chegando a 30.451. A qualidade dos artigos, medida pelo número de citações recebidas, ainda deixa a desejar, ficando abaixo da média mundial que é de 1,44 citações por artigo.

    E, também, houve avanços consideráveis na própria forma de difusão e consumo do conhecimento científico.

    E é justamente esse avanço que distingue o manifesto publicado em 2003 pelo CBPF, no boletim da SBPC, daquele divulgado na Ciência & Cultura em 1949. O mais recente deles criticava a política do Ministério de Ciência e Tecnologia de substituir o acervo físico das bibliotecas científicas das instituições públicas pelo acesso às versões eletrônicas disponíveis no portal de periódicos da Capes. O texto do manifesto reconhecia o benefício que as assinaturas eletrônicas traziam, em termos de democratização do acesso à informação científica, mas alertava que em caso de eventual interrupção das assinaturas do portal da Capes, além de o acesso aos novos periódicos ser inviabilizado, a leitura de revistas dos anos anteriores também estaria prejudicada.

    "O investimento em assinaturas do material impresso corresponde a grande aporte de recursos. Da mesma forma, o acesso aos recursos eletrônicos demandam custos de assinaturas, aquisição e manutenção de equipamentos, redes, pessoal técnico, treinamento", avalia Eliana de Azevedo Marques, diretora técnica do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP. "Diante dessa realidade, os investimentos para a aquisição de periódicos ou base de dados requerem revisão das políticas de distribuição dos recursos, com extrema racionalização e responsabilidade, de modo a proporcionar o acesso à informação em suportes diversificados, colocando a comunidade científica em sintonia com seus pares e instituições congêneres, em âmbito nacional e internacional", conclui.

    Segundo ela, desde as primeiras iniciativas de acesso a periódicos eletrônicos, na década passada, a política de aquisição de coleções na USP se pautou pela manutenção de pelo menos uma coleção impressa, desde que o acesso às revistas eletrônicas esteja disponível para toda a universidade. Além disso, com as novas tecnologias, a digitalização do conhecimento científico entrou em um caminho sem volta, que envolve não apenas os periódicos, como inclusive teses, dissertações e obras raras, as quais continuarão a ter suas versões impressas nos acervos das bibliotecas e poderão ser consultadas por pesquisadores de outras regiões, através dos bancos de dados eletrônicos, sem a necessidade do deslocamento físico.

    O cenário, de fato, mudou consideravelmente ao longo de seis décadas, mas ainda há lacunas a serem preenchidas. "Hoje, não precisamos lutar tanto, como em 1949, para evitar cortes em assinaturas de revistas científicas, muito embora seja preciso reconhecer que o portal [da Capes] não cobre tudo, só oferece acesso a uma parte da produção internacional", afirma Nanci, da UFBA. "E a simples justaposição de recursos em listagens alfabéticas é muito pouco atraente para o pesquisador", acrescenta. Ela lembra que o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), sucessor do IBBD, não está mais à frente da definição da política nacional de informação. "Hoje é a Capes que dita essas normas e define os padrões. E nem sempre o processo de escolha e seleção tem sido transparente", lamenta.

    Isso se reflete no próprio consumo da informação científica, que pode ser baixo mesmo nos casos em que há bastante oferta de títulos disponíveis. "Eu e meus orientandos temos verificado que o portal ainda não foi tão utilizado quanto seria desejável", revela a especialista que pesquisa dados bibliométricos de uso do portal da Capes em diversas áreas do conhecimento. De acordo com um levantamento relativo a 2003 e 2004, o portal cobria apenas 25% dos periódicos nos quais a comunidade científica publicou. Em relação aos artigos citados, o percentual daqueles acessíveis no portal é ainda menor: 22,7%. "A Capes nos faz acreditar que a coleção disponibilizada pelo portal é a melhor alternativa em termos dos pacotes disponíveis. Cabe a nós, portanto, usuários, bibliotecários e pesquisadores, o ônus de contestar esse fato. E de cobrar mudanças, se for o caso", defende.

     

    Rodrigo Cunha