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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.3 São Paulo  2009

     

     

     

    MELHORAMENTO GENÉTICO

    Café made in Brazil é plantado pelos maiores produtores mundiais

     

    Basta derramar água quente sobre o pó escuro que o cheiro inconfundível se espalha pelo ambiente. O café está servido. Com sabor singular e qualidades estimulantes, o hábito de sorver uma xícara de café conquistou pessoas em todo o planeta e fez com que o grão, depois do petróleo, seja o segundo produto mais exportado no mundo, em valor, segundo o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento. Com leite, com creme, mais forte, mais fraco, são inúmeras as maneiras de preparar, mas, nos países em que a bebida é tradicional, é grande a probabilidade de que o café servido seja do Brasil. Pode ter sido produzido aqui, já que nosso país responde por 30% da produção mundial, ou pode ter sido plantado na Costa Rica e na Colômbia, a partir de variedades desenvolvidas em nosso país.

    Obter café de boa qualidade depende de vários requisitos, entre eles o clima e boas técnicas de processamento, mas o fundamental é a matéria-prima, isto é, a cultivar plantada. O Brasil, primeiro produtor e segundo maior consumidor mundial, é também referência em pesquisa para obtenção de cultivares de café. O programa de melhoramento de café mais antigo do mundo foi implantado no Brasil, mais precisamente no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), por Carlos Arnaldo Krug, em 1928. O programa passou a ser coordenado por Alcides Carvalho, que dedicou mais de 50 anos de sua vida às pesquisas para obter variedades, ao mesmo tempo, produtivas e resistentes a doenças e pragas. Alcides Carvalho é quem assina um dos artigos do primeiro volume da revista Ciência & Cultura, publicada em 1949. "O texto traz uma análise sobre os aspectos reprodutivos da flor do cafeeiro, pesquisa básica para o melhoramento genético", conta Luiz Carlos Fazuoli, que trabalhou com Carvalho e hoje é diretor do Centro de Café do IAC, cujo nome homenageia o pesquisador, falecido em 1993. Fazuoli lembra que, no mesmo ano da publicação do artigo na Ciência & Cultura, foi feito o cruzamento das variedades caturra com mundo novo. O resultado foi a catuaí, liberada em 1972, que resulta em uma planta muito produtiva e com porte baixo, o que gera grande economia de mão-de-obra. Ela representa hoje cerca de 40% da cafeicultura brasileira.

     

     

    CAFÉ COLOMBIANO "Embora tenhamos um enorme potencial para produzir cafés de altíssima qualidade, por uma série de razões, principalmente marketing, sempre fomos superados neste segmento pela Colômbia, Quênia e países da América Central, como a Costa Rica, Guatemala e El Salvador", lamenta Fazuoli. O que poucos sabem é que as variedades do IAC também são da base da cafeicultura de importantes produtores mundiais. Colômbia e Costa Rica, por exemplo, utilizam as variedades caturra e catuaí, que apresentam alta produtividade e resistência à ferrugem. "A Colômbia tinha problema grave com a ferrugem e, como predominam terrenos de montanha, é mais difícil fazer pulverizações com tratores, daí a necessidade de variedades resistentes à doença", explica Paulo Mazzafera, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outra característica do nosso vizinho latinoamericano são os altos índices de insolação que favorece o crescimento da planta do café. Isso exige variedades de porte mais baixo, caso da cultivar catuaí.

    De posse de bons cultivares, a Colômbia passou a investir em campanhas de publicidade. O personagem Juan Valdez, camponês tradicional que está sempre acompanhado da mula Conchita, carregada com sacas de grão, é a marca do café colombiano reconhecida em todo o mundo pela qualidade e sabor típico. Um dos resultados mais recentes da agressiva estratégia comercial dos colombianos é a instalação de cafeterias sofisticadas, com a marca Juan Valdez, nos Estados Unidos, México, Costa Rica, Panamá, Equador, Chile e Espanha, entre outros países.

    RESISTÊNCIA À FERRUGEM Fundamentais para o sucesso do café colombiano, as variedades resistentes à ferrugem foram um marco nas pesquisas na área de melhoramento de café no Brasil. Alcides Carvalho começou a estudar a doença em 1959, dez anos antes de ela chegar efetivamente ao Brasil. Causada por um fungo que faz surgir manchas amareladas nas folhas do cafeeiro, a ferrugem chega a provocar perdas de 50% na produção de um cafezal. Carvalho fez o cruzamento entre duas espécies de café: Coffea arabica com a Coffea canephora. "O objetivo era transferir a resistência à ferrugem da canephora para a arabica", conta Paulo Mazzafera, da Unicamp.

    As pesquisas do IAC são responsáveis por levar a cultura do café para muito além das famosas terras roxas paulistas. Ensaios feitos nos laboratórios do instituto, em solos de cerrado, permitiram a expansão da cultura para todo país.

    A cafeicultura baseia-se no plantio dessas duas espécies: Coffea arabica, que fornece o tipo de café arábica, e Coffea canephora, que fornece o café robusta, com sabor menos atraente, porém, como o nome diz, mais resistente a doenças. A primeira espécie é reconhecida por produzir bebida de boa qualidade ou o café de coador. A segunda é matéria-prima para o café solúvel. O pioneirismo do instituto e a persistência de seus pesquisadores para obtenção de novas variedades fizeram com que o IAC criasse um dos maiores acervos de café do mundo. Mais de 90% do material que se cultiva no Brasil saiu de lá. Além da catuaí, outras variedades são a bourbon, caturra, mundo acaiá e icatu. Entre as mais recentes estão a obatã, tupi e ouro verde.

    NATURALMENTE SEM CAFEÍNA Esse importante acervo ainda promete importantes descobertas. Exemplo disso ocorreu em 2003, com a identificação de uma planta que produz um fruto naturalmente descafeinado. A planta, que possui vinte vezes menos cafeína, foi descoberta por Paulo Mazzafera, Luiz Carlos Fazuoli e Maria Bernadete Silvarolla, também do IAC. As plantas do acervo do instituto vieram da Etiópia e seu café nunca tinha analisado para saber o teor de cafeína. Enquanto o café que tomamos tem de 1% a 1,2% de cafeína, a variedade do IAC apresenta teor de 0,07%. Ainda pouco comum no Brasil, onde representa apenas 1% do mercado, o café descafeinado é muito procurado na Europa, principalmente na Alemanha, e nos Estados Unidos, onde 25% do café comercializado é descafeinado. Hoje ele é obtido utilizando solventes que lavam os grãos de café e dissolvem a cafeína. Entretanto, o processo compromete o sabor da bebida. Além do processo químico, a alternativa para obter café com baixo teor de cafeína era desenvolver plantas geneticamente modificadas. Pesquisas nessa linha estão sendo desenvolvidas no Japão, mas ainda há resistência por parte do mercado em consumir café de plantas transgênicas. "O grande apelo da nossa pesquisa é que estamos trabalhando com uma planta naturalmente descafeinada, que não passa por nenhum tratamento químico ou genético", ressalta Mazzafera. Atualmente, a pesquisa busca cruzar a variedade descafeinada com outras mais produtivas como a mundo novo e a catuái, para viabilizar o cultivo pelo produtor. Só assim será possível chegar a um produto final com preço competitivo.

     

     

    Segundo o diretor do Centro de Café, a produtividade é um objetivo permanente das pesquisas no IAC, que segue na busca de plantas cada vez melhor adaptadas às necessidades do produtor e do mercado consumidor. "Em vista da crescente dificuldade em obter mão-de-obra para colheita do café, algumas variedades mais novas como a tupi e a ubatã visam facilitar a colheita mecânica", conta Fazuoli. "Também estamos estudando plantas com sistema radicular que proporcione melhor absorção de nutrientes. Plantas assim usam menos adubo", complementa. No ano passado, o IAC gerou uma coleção de 300 plantas matrizes, que poderão gerar cultivares de café robusta. Por possuir mais substâncias solúveis, açúcares e cafeína, em comparação ao café arábica, o café robusta é bastante utilizado na fabricação de café solúvel. O robusta pode ser uma opção para o plantio em regiões de temperaturas elevadas e uma oportunidade para alcançar o mercado com altas cotações praticadas pela indústria de café solúvel, em crescimento no Brasil e que representa a maior fatia no mercado norte-americano.

     

    Patrícia Mariuzzo