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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.3 São Paulo  2009

     

     

     

    AMÉRICA LATINA

    Democratização da ciência se amplia na região, mas tecnologia continua concentrada

     

    O Brasil foi o país que mais cresceu em número de publicações, em 2008, segundo dados do instituto Thomson Reuters publicados em maio. Os números mostrados pelos indicadores de ciência e tecnologia (C&T) na América Latina, divulgados no relatório anual "El estado de la ciencia 2008", também são animadores. Publicado pela Rede de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt), o relatório mostra, entre outros aspectos positivos, um aumento no número de publicações em revistas internacionais, de cientistas, de pedidos de patentes e de valores provenientes de investimento privado. Apesar de ser necessário avançar e coordenar esforços para que esses dois últimos indicadores melhorem e gerem desenvolvimentos social e econômico, há um processo de democratização da ciência, que está impulsionando a participação da América Latina no cenário internacional.

    Na avaliação de André Tossi Furtado, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a ciência está passando por um processo de democratização, no qual há mais receptividade das grandes revistas a artigos de países pobres, mas o mesmo não acontece no processo de desenvolvimento de tecnologias. Basta verificar, segundo Furtado, a quantidade de patentes depositadas, ainda muito concentradas em alguns dos países ricos que tradicionalmente mantêm a liderança numérica.

    O relatório da Ricyt, no entanto, aponta que houve diminuição da produção científica por unidade de produção econômica contabilizada. Existem duas questões cruciais não discutidas no relatório, na avaliação de Ivan da Costa Marques, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A primeira é a administração da pesquisa, segundo ele, baseada exagerada e exclusivamente nos indicadores, que passam a ser perseguidos como representantes fiéis de algo desejado. "Mas o aumento de um indicador não corresponde necessariamente a um aumento daquilo que, muitas vezes, as pessoas enxergam como sendo fielmente indicado por ele", pondera o professor da UFRJ. O segundo ponto é que deveríamos desenvolver nossos próprios indicadores e não universalizar como prontos os indicadores de construção de conhecimentos científicos e tecnológicos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), feita por países ricos.

    TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA O fato de o investimento privado em C&T ser relativamente baixo no Brasil ocorre, na avaliação de Furtado, porque o sistema econômico voltado para o abastecimento do mercado interno não exige investimentos. O Brasil tem mais produção em manufaturados, e a indústria de alta tecnologia é fraca, com apenas três setores com investimentos representativos em pesquisa e desenvolvimento. Um deles é o automobilístico que, embora só tenha multinacionais, investe na adaptação de veículos às condições brasileiras. Já o setor de petróleo tem dificuldades na extração, o que acaba por estimular a necessidade de desenvolvimento científico e tecnológico. Outro setor, o de aviação, é representado pela Embraer, fruto de políticas governamentais que estimularam políticas de inovação.

    Em países desenvolvidos, com muitas empresas de alta tecnologia, apesar do grande investimento privado, ainda há muita dependência da pesquisa básica em relação ao apoio dado pelo Estado. "Os países desenvolvidos têm que investir rios de dinheiro para serem líderes", lembra Furtado. Como exemplo ele cita o setor da aeronáutica nos EUA, em que as condições para a liderança mundial foram proporcionadas pelos investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento militar. O pesquisador da Unicamp destaca, no entanto, que "não basta somente investir, é necessário ter uma política que gere demanda de conhecimentos na indústria".

     

     

    O baixo investimento privado em pesquisa na América Latina, portanto, é avaliado como um problema para a transferência tecnológica para o setor produtivo. Ivan da Costa Marques, acredita que respostas e soluções legítimas para problemas da transferência tecnológica só podem ser específicas e empíricas, resultados de pesquisas com densidade etnográfica. "Caso a caso, o principal seria pesquisar e entender a cadeia que vai desde o conhecimento científico-tecnológico (brasileiro ou estrangeiro) ou, em outros casos, desde o pesquisador brasileiro, até o usuário local, e como pode ser buscada e construída uma relação em que o aumento da pesquisa faça com que seus resultados apareçam nos meios que os países da América Latina e, particularmente, o Brasil dispõem para aumentar a qualidade de vida de suas populações", explica.

    NOVAS OPORTUNIDADES Para Marques, talvez não tenha ainda entrado em clara circulação a percepção prática de que às novas situações políticas correspondem forçosamente novas construções de conhecimento e, portanto, nos dias de hoje, novas ciências e tecnologias.

    Os efeitos da crise econômica internacional ainda não chegaram a abalar a produção científica. Mas, poderiam trazer algo de positivo, "principalmente se mantidas as condições para expansão dos valores democráticos, com a discussão do que aceitar e do que rejeitar nas proposições de modelos de construção de conhecimentos científicos e tecnológicos, que nos dias de hoje são proposições de modelos de vida", afirma o pesquisador da UFRJ. Ele não se refere à construção de um mundo novo a partir da negação do que se tem hoje, mas por meio da negociação, caso a caso, das respostas às perguntas: "quantos somos?" e "como podemos viver juntos?". "Pesquisa é construção, é ação, não se escapa disso, e talvez as próprias universidades dos países da OCDE nos ofereçam mais claramente os instrumentos para responder essa questão agora", conclui Marques.

     

    Alessandro Piolli