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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.3 São Paulo  2009

     

     

    O BEM CULTURAL NA AMAZÔNIA

    Robério Braga

     

    O instituto bem tem sido estudado pelo direito, filosofia, psicologia, economia, física, medicina e matemática. Cada uma examina as peculiaridades de suas competências, seja o bem traduzido em valores materiais e imateriais e nas mais diversas classes, incluindo aqueles que não são objeto de direito real. E, certamente, o tratam a partir da expressão original "bonum", no sentido de proveito, gosto, cômodo (1).

    Uma referência que demonstre entendimentos jurídicos sobre bem cultural incluiria: a) o que classificava o regime das coisas antigas e de arte nas limitações administrativas à propriedade privada (2); b) o que considerava coisas antigas e de arte como bens "de interesse público" (3;4); c) o que admitia a "propriedade dividida" e a coexistência de dois direitos dominiais, um do particular e outro do poder público (5); d) o que considerava a sobreposição de bens jurídicos diversos, conferindo ao bem cultural a condição de imaterial, aberto à fruição universal, para a qual convergem as faculdades públicas de tutela (6); e) o de Merit goods ou club goods: bens de difícil e até impossível avaliação pelo mercado; voltados à satisfação do interesse público. Indivisíveis e não-exclusivos, cujo consumo por uns não reduz o nível de consumo por terceiros (7).

    Abstraídas as versões de caráter unicamente jurídico, temos que não faz muito que o bem cultural passou a ser considerado nos estudos acadêmicos, de forma independente. No caso brasileiro, a partir das apreciações de Magalhães (8), criteriosamente as mais adequadas sobre a questão, a compreensão de sua existência e conformação autônoma, ao lado de outras traduções de bens, se delineou com alguma clareza jurídica com a promulgação da Constituição da República de 1988. E ainda assim, regra geral, são considerados nesse rol somente os bens expressos em pedra e cal, com referencial histórico, os decorrentes de produção artística ou resultado da aplicação da palavra, e, mais recentemente, pela conformação no ambiente.

    É necessário alargar o conceito de bem cultural, não desconsiderando a antiga fixação em móveis e imóveis, notadamente de valor histórico, nem os decorrentes das obras de criação individual e espontânea, às vezes pretensiosa, como a música, o cinema, o vídeo, as artes plásticas e o teatro, para a contemplação, e, quase sempre, acessíveis somente a grupos selecionados.

    Do teor das cartas patrimoniais expedidas pelas conferências internacionais podem ser extraídas definições que ora se aproximam da elaboração mais ampla do conceito que empregamos, ora se afastam profundamente, preferindo que bem cultural seja a tradução dos valores contidos nas peças em cal e pedra, em documentos em papel e registros rupestres.

    A parte final da definição, adotada pela Conferência Geral da Unesco de 1968, está em sintonia com o sentido abrangente que deve ser adotado considerando que bem cultural é "um elemento essencial da personalidade dos povos", o que se aplica no caso brasileiro e amazônico, em particular, se considerados os bens decorrentes dos diferentes grupos da sociedade nacional.

    Urge ampliar a compreensão para identificar a condição de bem cultural também naqueles que resultam do fazer popular, porque desses decorrem valores expressivos de uma identidade. Meticuloso estudo de Limongi França (9) a respeito, considerado de grande valia quanto à classificação de bem, não contemplou em seu rol, praticamente exaustivo, o bem cultural.

    Para os que desejo chamar a atenção são aqueles que representam a expressão da história e tradições de um povo, os modos de ser, viver, contar, vestir, fazer, morar, usar, conceber, produzir, contemplar, transmitir, encerrando hábitos e costumes, tecnologias, ato-monumento, em tradução material ou imaterial, profano, militar, religioso, e, precipuamente, etnicamente plural. Não é o belo nem o velho, sacro ou profano, arquitetônico, histórico, erudito, popular, necessariamente, em si. A consideração de sua expressão deve exceder a coisa fixa ou estática, inclusive àquela que é percebida como autóctone, e ao sentido de mais bem elaborada. Em síntese apertada pode-se considerar bem cultural como o acervo coletivo do processo criativo de um povo.

    Possivelmente aquilo a que Ernest Renan, citado por Stuart (10), sugere como as três coisas que constituem o princípio espiritual da unidade de uma nação, "(…) a posse em comum de um rico legado de memórias (…), o desejo de viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de uma forma indivisiva, a herança que se recebeu", até o que foi fixado depois de uma comunidade imaginada.

    Se o Brasil é detentor de cultura nova no concerto de nações, com identidade em sedimentação decorrente de valores indígenas, portugueses e negros (11), o que igualmente admitimos, disso resultaria, ainda no século XXI, frágeis indicadores de nossa identidade, inclusive, pela diversidade de vários "Brasis" como ressaltava Gilberto Freyre. As Amazônias não escapam a essa formulação, muito menos em se tratando de bem cultural que não pode ser medido pelo tempo cronológico.

    Esses bens constituem referências de identidade de um povo e formam o seu patrimônio cultural. E esse patrimônio é constituído da tradução de bens culturais componentes das sociedades nacionais, representados por todas as formas de expressão de valores que as diferenciam entre si e das demais sociedades.

    Se diversas são as Amazônias, ainda mais diversas são as expressões das culturas dos povos que as habitam. Nelas estão vários mundos. O rio que, no dizer de Leandro Tocantins (12), na Amazônia comanda a vida, julga-se que também presidiria o imaginário e o processo criativo, seria porto de chegada e partida, começo e fim, extremo da sobrevivência e da vivência e o caminho da vida e da morte. Na dimensão das águas estão as florestas. Às vezes, em quase simbiose perfeita, as águas e as florestas redundam em mítico e realidade. Por sobre elas se conformam fantasias e verdades, insubmissões, refúgios, descalabros, cidades encantadas e cidades materializadas, encantarias de seres, milagres e assombrações, servindo de campo fértil aos cientistas das academias e aos sábios populares.

    Nesse mundo está o bem cultural em muitas formas de tradução. Para exemplificar, encerra bens que expressam a história dos povos de antanho identificados pelos registros e achados arqueológicos; as estórias que fazem questão de contar e transmitir; as formas de pesca, habitações e os meios de transporte; variadas tecnologias que os homens e mulheres desenvolveram encravados na selva, em representações que, muitas das vezes, conforme o local em que se encontram essas populações, não só representam a tradução amazônica etnicamente plural, mas também transnacionalmente plural, tomada a confluência de várias soberanias em diversos pontos da região.

    Vale indagar de que bem cultural se trata nas Amazônias, além daqueles que, convencionalmente existem em todas as paragens, edificados pelo gênio humano, sofisticados pelos artistas, enriquecidos por referenciais de outras épocas e civilizações? Trata-se de valores traduzidos em experimentos de vários gêneros, incluídos os mais clássicos, os acervos artísticos e os de expressão popular, aparentemente singelos.

    Universo complexo e incompleto no dizer de letrados como Euclides da Cunha (13), e outros que lhe seguiram as pegadas, as Amazônias acomodam expressões diversificadas de culturas em relação ao conceito de unidade nacional, seja esta brasileira ou de outras soberanias que servem de manto à região. Ao mesmo tempo, são bastante diversas na relação local. O que vale dizer: múltiplas e diversas, as Amazônias se expressam por diversidades culturais em relação ao país, ao mesmo tempo em que se conformam por outras e múltiplas diversidades que lhes são peculiares.

    A diversidade pode ser evidenciada no confronto interno de expressões que espelham a região, ou parte dela, resultante de grupos de povos ou conjunto de comunidades. Pode ser expressa pelo contraste das expressões internas com aquelas que traduzem a identidade de outros "Brasis", naturalmente configurados pela formação oriunda de matrizes de diversas influências. Esse confronto se efetiva naturalmente na relação das populações e suas expressões originais. O caráter tropical tem, nesse particular, provocações bastante singulares.

    Essa diversidade interna não permite que as expressões das culturas se constituam na unificação projetada de uma cultura nacional, nem seja admitida a sua representação por um único povo, de forma fundacional. Do mesmo modo, nem mesmo em razão das marcas simbólicas que diferenciam socialmente um grupo humano de outro, de modo a conduzir a reafirmação da hipótese de que a nação, efetivamente, não se compõe de uma identidade cultural unificada. E o que prevalece é a identificação cultural.

    Um fator novo, mas nem tão recente quanto se julga, a globalização, tem provocado dúvidas e inquietações em relação à influência que pode ter sobre essas representações. O que tem sucedido é a mudança de ritmo na dinâmica desse fenômeno com a possibilidade de um crescimento da homogeneização cultural, do reforço dessas identidades locais e nacionais, do declínio acelerado das identidades ditas nacionais e surgimento das identidades híbridas, o que deve ser objeto de estudo bastante particular, aqui referido apenas para situar um panorama geral.

     

     

    Aliás, bem apropriada para as preocupações de alguns pensadores amazônicos é a questão da compressão espaço-tempo e identidade de que nos fala Stuart Hall (14), remetendo para as identidades partilhadas decorrentes dos chamados fluxos culturais, porque no interior distante da região amazônica chegam mensagens e imagens de outras culturas contribuindo para desalojar as identidades locais em nome do mercado, com riscos a construir a chamada homogeneização global.

    Em se tratando do espaço brasileiro cogita-se que tal cenário é agravado também porque as políticas de desenvolvimento voltadas para a Amazônia, matéria de que mais se tem cuidado nos últimos quarenta anos, pelo menos, para obterem êxito deveriam considerar indicadores culturais e não o fizeram nem o fazem, deixando de levar em conta, sobretudo para o chamado micro-desenvolvimento, as necessidades vinculadas aos hábitos, usos e costumes da comunidade, exatamente aquilo que poderia ser designado de paradesenvolvimento (15).

    Ao mesmo tempo em que as discussões podem ater-se nesse âmbito, também se expandem para outras esferas amplas e complexas. Trata-se da constatação de que outra fronteira se abre, dentre tantas existentes, que é a alteração da fonte de riqueza das empresas convencionais que, livrando-se dos seus lastros físicos, estão buscando, cada vez mais, ter o capital intelectual como fonte de riqueza, seja este traduzido por conhecimentos estratégicos, marcas, patentes, conceitos, e, principalmente, conhecimento tradicional.

    Com isso é possível antever uma nova e contínua luta entre a esfera cultural e a comercial: uma procurando manter e fortalecer a liberdade de criação e de acesso aos experimentos culturais; e a outra em busca de exercer o controle, ainda mais amplo, sobre o acesso e o conteúdo da produção cultural, para transformá-la em produto de fins comerciais.

    Há quem ressalte que pode tratar-se de período de transição de um sistema de produção industrial para outro de produção cultural, do qual emergirá com mais evidência a importância do acesso e domínio do bem em lugar da propriedade, embora esta não pareça estar sendo relegada.

    Ao mesmo tempo, pode-se cogitar que outro, e mais forte elemento de confronto exterior, está invadindo as microcomunidades, especialmente em regiões como as Amazônias, em decorrência da abundância de bens culturais diversos, da excentricidade destes, da propagação de alguns de seus valores e efeitos, razões e sentidos, fins, meios e modos. Crescem as pressões sobre bens que não mais expressariam somente a identidade de populações naturais definidos como bens culturais, porque estes podem ter outro valor diante da economia e do interesse do mercado.

    Nesse particular, avulta a importância do reconhecimento de quais as traduções de bens culturais poderiam estar sob essa mira de interesses. A respeito, em outra ocasião, restou ressaltado:

    "Como reconhecer valores, crenças, crendices, saberes, enfim, expressões da identidade destas populações? Como observá-los e aprender com eles sem interferir, usurpar, deformar, transformar, aculturar, subtrair? As danças, músicas, pajelanças, sabenças, benzimentos, cantorias, culinária, manifestações de arte em geral que, embora ainda passem pela tradução do exotismo, se inserem nos dias de agora em riscos de apropriação e de supressão, sobretudo aqueles que podem ser aproveitados no mercado globalizado, nas indústrias que reclamam marcas e matizes que representem apelos de expansão mercadológica e para cujos consumidores seja cada vez mais necessária a demonstração, ainda que falsa ou deformada, insuficiente ou inconsistente, de valores representativos de conhecimentos de populações tradicionais" (16).

    Há quem afirme a existência de riscos evidentes de aproveitamento dos saberes e sabenças do homem das Amazônias. Se a assombrosa internacionalização da Amazônia era propagada em forma de ameaça ao território, ao patrimônio do subsolo, pelo alargamento de fronteiras físicas, o que ainda pode ser vislumbrado, nos dias correntes, implicaria na apropriação e uso irregular do conhecimento tradicional que, em termos precisos, nada mais é do que a tradução de um bem cultural e dos mais importantes para a caracterização das identidades amazônicas. Nesse aspecto as terras assumem papel preponderante, sobretudo pelo que representam para as populações tradicionais. A respeito dos direitos às terras dos ancestrais vale repetir:

    "As ameaças não pairam mais somente sobre alguns dos índios, sobre eles e seus territórios, sobre as riquezas pontuadas no solo e no subsolo, mas sobre a região como um todo e todas as populações de índios, negros, campesinos, seringueiros, pescadores, remadores e ribeirinhos porque vítimas de uma cobiça em forma de camaleão, que se transmuda e transfigura, jaz aparentemente inerte e se reanima, fortalece e caminha inesperadamente, e vai procurando ampliar a descaracterização cultural e apropriar-se dos saberes e dos sabores do viver tradicional do homem da região" (17).

    Sem a pretensão de ser exaustivo, considerando os bens em relação aos quais cabem proteção e difusão por características especiais; aos quais se deve liberdade de expressão e recursos para sua consecução; e os que reclamam reconhecimento, identificação e salvaguarda com registros de múltiplas formas, a elaboração de um rol de bens culturais que traduzam as identidades amazônicas deveria incluir, dentre outros, aqueles que expressem os povos situados sobre o manto de cada soberania.

    Nesse arrolamento deve ser incluída a figura humana estilizada da Bolívia; a da Cachoeira do Resplendor, no Brasil; o El hombre sentado, de expressão pré-colombiana; o símbolo rupestre do sítio de El Guaysal, do Equador; a inscrição rupestre de Macussani, Carabaya, do Peru; e, a figura particular encontrada no estado do Amazonas da Venezuela, às margens do rio Orenoco. A região de Mojos, na Bolívia, com povos Aruak que respeitam o não casamento dentre os de seu próprio clã. Os 23 povos indígenas do alto rio Negro, no Amazonas brasileiro, em que os Dessana mantêm um sistema de casamento exogâmico. Os indígenas da Colômbia com 14 famílias linguísticas e 47 línguas. Os do Equador com língua falada por 60 mil índios, mesmo sendo bilíngues. O povo Apari, da Guiana Francesa, onde o adulto fala até três línguas com predomínio da Aparai. Os da família Karibe, na República da Guiana, na qual apenas 130 indivíduos resistem com as suas tradições. O Peru, com 40 línguas e 16 famílias linguísticas, inclui o levirato, quando o irmão mais velho do morto tem o direito de se casar com a viúva. No Suriname com os Maroon, descendentes de escravos africanos falando dialeto, língua popular e mantendo governo próprio. Na Venezuela com mais de 300 mil índios, 11 famílias linguísticas e 28 línguas indígenas.

    Em meio a todas essas diferenças de valores e bens culturais inserem-se as populações descendentes de europeus e de negros nas sociedades originais situadas nas Amazônias, traduzindo as suas identidades, em convivência e transmissão de valores. A esse respeito é dever ressaltar que:

    "Com as mesmas razões de cargas de expressividade que caracterizam os naturais, ao se utilizarem do idioma, das crenças, das festas sacras, das brincadeiras, do modo de vestir, enfim, das mesmas possibilidades de tradução da vida, do ser, dos saberes e fazeres, alimentados e alimentando uns aos outros de parcelas próprias que se vão estilhaçando e sendo incorporadas por outros grupos, de tal sorte que estes e aqueles, no confronto e na confluência, em muito vão constituindo outras identificações, mas não perdem os traços fundamentais" (18).

    Da constatação da existência inequívoca de bens culturais que podem ser tomados como naturalmente amazônicos e da propalada ascensão do interesse econômico representando a nova e emblemática internacionalização ameaçadora contra as Amazônias, vale insistir de maneira simples na pergunta já levada ao conhecimento de estudiosos das questões indígenas e de advogados:

    "Como impedir que o unguento que cura no meio das matas seja aproveitado de maneira industrial, rebatizado, comercializado como expressão das pesquisas de mercado, sem que caibam direitos aos homens das florestas e respeito à tradição oral que consagrou este conhecimento?" (19).

    Seria com a utilização de arcabouços jurídicos nas soberanias? Com pactos internacionais? Os ensinamentos históricos permitem a constatação de que o que mais tem sido utilizado para proteção dos bens culturais são os regramentos jurídicos, quase sempre sem êxito.

    Forçoso registrar que o primeiro ato formal de preservação de bens com essa característica teria sido o decreto do senado romano que fixou proteção para a coluna de Trajano, em 1162, no qual se pode ler "queremos que ela fique intacta até o fim dos tempos (…). Aquele que atentar contra ela será condenado aos piores castigos e seus bens serão confiscados", mas é no cenário do Quattrocento italiano que pode ser encontrada a forma original de monumento histórico, referência remota de bem cultural.

    Os franceses em 1790, exemplarmente, começaram a tratar de patrimônio histórico no livro de Aubin-Louis Millin, Antiquités nationales ou Recueil de monuments. (20). As convenções de Haia, de 1899 e 1907, regularam a conduta dos povos em beligerância, restringindo o uso de armas e ataque a pessoas e bens (21), sobrepondo interesses culturais aos militares. A Convenção sobre a Proteção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, de Haia em 1954 (22), tratou da proteção de móveis, imóveis, monumentos, sítios arqueológicos, obras de arte, manuscritos, livros e coleções científicas. Está regulada a proibição de importação, exportação e transferência de propriedade de forma ilícita (23), assegurada a devolução dos que tenham sido subtraídos, se inventariados. O mesmo sucede com os acervos submergidos em razão da 31ªConferência da Unesco, em Paris em 2001 (24).

    Entretanto, nos acordos internacionais pouco tem sido fixado, em relação aos bens culturais em sentido amplo, os que representam as identidades das populações que, principalmente desde os fins do século passado, vêm sendo ameaçadas pela globalização, pela amplitude da comunicação de massa e pela abertura de novas janelas negociais, que pretendem fazer do patrimônio intelectual, especialmente tradicional, presa de interesses econômicos.

    No contexto desse entrechoque da tendência de homogeneização tem surgido um verdadeiro fascínio pelas diferenças, um interesse ainda mais significativo pelas particularidades, antes inacessíveis em razão da desinformação, a sinalizar novo patamar entre o global e o local, que se não levará de per si à preservação das originalidades locais, tende a reunir informações, símbolos e desenhos de comportamentos que reflitam, tanto quanto possível, o sentido global quanto o local.

    A essa realidade não se pode imaginar que as Amazônias conseguirão escapar, ou que as leis nacionais e os acordos internacionais possam obter êxito, mesmo que passem a dar completa atenção às expressões de bens culturais ditos autóctones e tradutores da originalidade dos grupos humanos que as compõem.

    Resta a indagação inquietante: o que fazer para a defesa e preservação desses valores nesse cenário? Crer que a distinvidade étnica simbólica que se prenuncia crescente e suas consequências serão o bastante para a preservação da identidade dos povos e defesa dos bens culturais?

     

    Robério Braga é advogado, professor de direito e mestre em direito ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), doutorando da Universidade de les Illes Balears (UIB), Espanha, membro do Grupo de Estudos Estratégicos da Amazônia, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e atual Secretário de Estado da Cultura do Amazonas.

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Cretela Jr, José; Cintra, Geraldo Ulhoa. Dicionário latino-português. Editora Anchieta. São Paulo, SP. 1944. p.129.

    2. Zanobini, Guido. Corso di diritto amministrativo. Milano: Giuffrè, Vol.4. 1958.

    3. Grisolia, Massimo. La tutela delle cose d'arte. Roma: Foro Italiano. 1952.

    4. Sandulli, Aldo. "Beni pubblici". In: Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, Vol.5. 1959.

    5. Giannini, Massimo Severo. Instituzioni di diritto amministrativo. Milano: Giuffrè. 1981.

    6. Giannini, Massimo Severo. "Ambiente: saggio sui diversi suoi aspetti giuridici". Rivista Trimestrale di Dirirro Pubblico, Milano, n.76. 1976a.

    7. Cortese, Wanda. I beni culturali e ambientali: profili normativi. Milão: Cedam. 2002

    8. Magalhães, Aloísio. E triunfo? A questão dos bens culturais do Brasil. Ed. Nova Fronteira/ Fundação Nacional Pró-Memória. 1985. p.88.

    9. França, Limongi. Enciclopédia saraiva de direito. Saraiva, São Paulo. 1977.

    10. Ernest, Renan. "Qu'est-ce qu'une nation". In: Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A Editora. 2006. p.58.

    11. Magalhães, op. cit. p.25.

    12. Tocantins, Leandro. O rio comanda a vida - uma interpretação da Amazônia. Editora Biblioteca do Exército. 1973.

    13. Cunha, Euclides. A margem da história. Chardon, Porto. 1909.

    14. Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A Editora, Rio de Janeiro. 2006. p.56.

    15. Magalhães , op. cit. p.29.

    11. Braga, Robério. "A expressão das identidades amazônicas". Conferência no I Colóquio Internacional: Meio Ambiente, Políticas Públicas e Direito Ambiental na Amazônia, do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental, da Universidade do Estado do Amazonas, Manaus. 2006. p.45.

    17. Ibidem, p.31.

    18. Ibidem, p.43.

    19. Ibidem, p.33.

    20. Choay, Françoise. A alegoria do patrimônio. Editora Unesp. 2001. p.32.

    21. Fontes do Direito Internacional Humanitário. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/dih/01.html (acesso em 10/02/2009).

    22. Convenção para a proteção em caso de conflito armado. Haia: (s.n.), 1954. Disponível em: http://br.vlex.com/vid/culturais-caso-conflito-armado-reunida-haia-34071363 (acesso em 14/03/2009).

    23. Unesco. "Convenção sobre o patrimônio mundial, cultural e natural". Paris. Novembro de 1972.

    19. Unesco. "31ª Conferência Geral". Paris. Novembro de 2001.

     

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

    Braga, Robério. O Instituto do Tombamento e a proteção do bem cultural. Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, 2005.

    Braga, Robério. "O índio e a Terra: reserva de espaços e de direitos". Conferência na XIX Conferência Nacional dos Advogados. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Florianópolis (SC). 2005.

    Braga, Robério. "As culturas como expressão de cidadania na Pan-Amazônia". Conferência no Fórum Pan-Amazônico de Trabalho, Cultura, Cidadania e Justiça. Governo do Amazonas/ Tribunal Regional do Trabalho, 11ª Região, Manaus, 29 de setembro de 2006.

    Convenção II da Haia relativa às leis e aos usos da guerra terrestre (29.07.1899). Disponível em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/direito-internacional-humanitario/sobre-dih.html (acesso em 13/03/2009).

    Convenção Cultural Européia, Paris, dezembro de 1954.

    Enciclopédia e dicionário Koogan Houaiss. Edições Delta. 1998.

    Tocantins, Leandro. Na Amazônia o rio comanda a vida. Rio de Janeiro. 1973.

    Unesco. "Recomendação sobre a conservação dos bens culturais ameaçados pela execução de obras públicas e privadas". Paris. 1968.