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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.3 São Paulo  2009

     

    LITERATURA EM ALTA

    NOVOS AUTORES E EVENTOS LITERÁRIOS SE ESPALHAM PELO PAÍS

     

     

     

    Um recorde de eventos literários deve marcar o calendário de 2009. Serão 23 grandes ocasiões de gala para as letras, entre festas, feiras e bienais, listadas pela Câmara Brasileira do Livro. Mas existem outros números promissores — circulação de livros, surgimento de revistas específicas, programas de TV e crescimento de grandes livrarias — que apontam para uma maior presença da literatura no cotidiano do brasileiro. Especialistas da área, porém, mantêm-se cautelosos quando se trata de avaliar o consumo de mais literatura no Brasil.

    Para o jornalista Luiz Costa Pereira Jr., editor da revista Língua Portuguesa, publicação dedicada à linguagem e que aborda o uso da língua na literatura, na retórica ou no discurso, é preciso fazer uma distinção entre a literatura e o mercado editorial, ou seja, o produto livro. "O avanço da indústria do livro é inegável, mas, nisto, você tem a ampliação de títulos de religião, didáticos, autoajuda, e não somente literatura. Porém, essa expansão pode ser considerada um fenômeno bastante positivo. A literatura também avançou, mas não tão rapidamente quanto o produto livro", diz.

    De acordo com uma pesquisa do Instituto Pró-livro, encomendada junto ao Ibope, o brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano. O estudo constatou que somente a leitura de livros indicados pela escola, o que inclui os didáticos, chega a 3,4 livros per capita. A leitura feita por pessoas que não estão mais na escola ficou em 1,3 livro por ano. Os brasileiros não compram muitos livros, apenas 1,2 livro adquirido por ano. Por outro lado, o Brasil possui 36 milhões de compradores de livros e, entre eles, a média é de 5,9 livros exemplares adquiridos por ano. Esses dados diferem um pouco dos obtidos pela pesquisa da Câmara Brasileira do Livro (CBL), para quem cada brasileiro lê, fora da escola, em média, 1,8 livro/ano. De qualquer forma, são números bastante inferiores aos dos EUA, que é de cinco livros per capita, ou da Europa, entre cinco a oito livros lidos por habitante.

    Apesar do número de 1,2 livro comprado/habitante/ano ter permanecido o mesmo em relação à última pesquisa do Instituto Pró-Livro, realizada em 2000, o crescimento da aquisição de livros foi bastante substancial, se considerarmos que, há oito anos, o universo pesquisado considerava uma população estudada de 86 milhões de pessoas, enquanto em 2008 esse número abrangeu toda a população em idade de leitura: 172 milhões.

    MUDANÇAS NO MERCADO O posicionamento das livrarias mudou bastante nesse período. Samuel Seibel, proprietário da Livraria da Vila, uma das maiores de São Paulo, conta que as lojas tímidas, pequenas e relativamente pouco atraentes, deram lugar a ambientes generosos, altamente atraentes, com livros, cds e dvds, além de ampla programação cultural. "A base para o crescimento no número de leitores está montada. Agora é fazer com que a leitura seja realmente encarada pelos brasileiros como algo cotidiano. Como trabalhar, ir ao cinema, bater papo com amigos", afirma.

    No entanto, o empresário diz acreditar que os números da leitura no Brasil só terão um aumento mais radical a partir do momento em que se foque a formação de leitores desde a infância. "Pais, parentes, amigos e professores têm que ser os grandes incentivadores da leitura. A livraria, indiscutivelmente, é o grande palco para isso acontecer. Eventos infantis, contação de histórias, teatro, oficina, pockets: tudo ajuda" conta Seibel.

    Paulo Franchetti, professor de literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), função que acumula com o cargo de diretor da editora da mesma instituição, concorda com a análise do jornalista e do livreiro. "A literatura, como tudo, está se tornando cada vez mais um produto midiático. Não sei se ela, propriamente dita, tem tido uma exposição maior ou se tem chegado a um segmento maior da população. Mas, sem dúvida, há mais agitação na grande imprensa e a literatura é objeto de ações de mídia bastante importantes", diz.

    INTERNET ESTIMULA A LEITURA? "Creio que a internet contribui mais decisivamente para a formação de leitores e escritores do que os festivais", afirma Franchetti. Numa questão que sempre foi polêmica, no que se refere ao risco que as publicações impressas — jornais, revistas e livros — correriam com a expansão do meio eletrônico de leitura, ele considera que essa mídia,ao contrário, tem dado um novo sentido na vida cultural moderna, inclusive na literatura. Os blogs literários, mesmo que possam servir como um instrumento de marketing pessoal e serem em número excessivo, são, para o professor, uma das várias formas interessantes de presença da literatura na web. "As revistas e páginas eletrônicas são espaços onde jovens autores podem postar poemas, textos de ficção ou crítica literária. Além disso, é possível encontrar uma infinidade de livros digitalizados, com acesso gratuito, em todas as línguas. Como a população letrada passa cada vez mais tempo à frente de um computador conectado à internet, a tendência é que a literatura, por esse meio, esteja cada vez mais presente na vida das pessoas. Portanto, hoje, a circulação de livros em sua forma impressa em papel, é apenas uma parte — relativamente pequena, em termos absolutos — da presença da literatura na vida das pessoas", acrescenta.

     

     

    O site Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br), é lembrado por Luiz Pereira Jr. como um importante divulgador e distribuidor de livros pela internet. "Aconteceu uma guinada na internet a favor da literatura, esse ambiente que primeiramente parecia que iria provocar a extinção do objeto livro, hoje está permeado por blogs, sites literários (ou com pretensão literária), iniciativas de diversas ordens, como o download de livros. Você tem aí um real avanço da literatura", afirma. Franchetti cita, ainda, a existência de uma série de sites que acessa frequentemente — Projeto Gutenberg, Google Books, Europeana, Cronópios, a Germina e a Sibila — como exemplos dessa expansão.

    ENTREVISTA

    ANTÔNIO PRATA

    Antônio Prata, 31 anos, 8 livros publicados, faz parte da novíssima geração de escritores que despontou na última década. Tem uma coluna quinzenal no jornal O Estado de S. Paulo, mas considera que ainda está em formação nessa carreira. Sua opinião sobre o espaço atual da literatura, venda de livros, caminho para se tornar escritor e como viver da escrita está nesta entrevista.

    Ciência & Cultura: Como vê a presença da literatura no Brasil? Como romancista e cronista, acredita que o grande número de festivais, crescimento das livrarias, programas de tv etc, significa que, de fato, aumentou o espaço para a literatura na vida dos brasileiros?
    Antônio Prata: Acho que essa é uma tendência mundial. A Rosa Montero, uma escritora espanhola, em uma das Flips [Festa Literária de Paraty] contou que tinha começado a escrever porque era tímida e não sabia se relacionar bem com os outros. Mas que, de repente, isso a obrigou a ir para frente das pessoas e falar sobre literatura. Tal crescimento [dos eventos] é fato. Agora, se isso representa um crescimento da literatura, não sei. Para ser sincero fico muito assombrado com os dados sobre leitura, pois, por exemplo, em uma pesquisa do ano passado, o número de analfabetos funcionais no Brasil beira 50% da população. Você está falando comigo porque sou um jovem escritor, mas se fosse levantar o número de livros vendidos, nunca chegaria a mim. Existe uma discrepância entre as vendas e a exposição que o escritor tem na mídia.

    Esses eventos contribuem para

    a formação de leitores?
    Para o escritor é fantástico.

    Quando fui na minha primeira Flip, foi muito esclarecedor ver meus grandes ídolos falando sobre o processo da escrita, perceber que eles tinham as mesmas dificuldades criativas e até financeiras. Esses eventos têm ainda uma outra função, a de aproximar público e escritores. Por exemplo, através de um programa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que leva escritores para cidades do interior, fui a auditórios em Adamantina, Paraguaçu Paulista e Tupã. As pessoas ali conheciam literatura, textos meus, quem eram os escritores novos, quais faziam sucesso, tinham opiniões sobre literatura e queriam saber mais. Em todas, havia gente falando que escrevia e que queria publicar. Nessas cidades pequenas, as pessoas perguntam, você é escritor? Não parece, esperava um cara mais velho e sério. A literatura não é uma coisa velha e distante. A literatura é uma coisa viva, é a vida que as pessoas vivem.

    E como é viver de literatura financeiramente?
    Não posso reclamar porque tive tudo o que precisava na minha mão. Por ser filho de escritor, sempre soube desde cedo como deveria fazer para viver de literatura. Vi meu pai [Mário Prata] fazendo as coisas dele, trabalhando com roteiros, crônicas etc. Eu também escrevo crônicas, que é uma maneira de se vender textos para jornais e revistas. Dizer que é difícil viver de escrever... no Brasil é um pouco complicado, aqui é difícil viver de tudo.

    Foi difícil conquistar o seu espaço?
    Creio que ainda estou no caminho. Minha trajetória foi bastante natural, comecei fazendo uma revista com amigos aos 17 anos, que chamou a atenção da Comunidade Solidária, um projeto da Ruth Cardoso, que nos convidou para fazer um livro sobre o programa. Isso rendeu uma proposta para trabalhar na revista da MTV, de onde fui para a revista Capricho. Depois, fui para o guia do Estadão, e de lá para o jornal. Uma coisa foi levando à outra, sempre numa gangorra em que eu fazia algo que me dava dinheiro e tempo para que eu escrevesse a minha coisa. Felizmente, nos últimos tempos, o lugar onde está o dinheiro e o meu desejo estão ficando mais próximos.

     

     

     

     

    Para Luiz Pereira Jr., um ponto fraco, ainda, seriam os espaços para debate. Segundo ele, fala-se muito de literatura para catequizar os catequizados, através de uma abordagem ensaística que pouco acrescenta ao que já se sabe sobre os autores, focando a biografia de um autor e um resumo das suas principais obras. "A abordagem que tentamos usar na Língua Portuguesa é uma forma menos convencional. Pelo fato da revista não ser especificamente sobre literatura, nós trabalhamos sempre à luz do idioma e da linguagem, nós tentamos pegar a contribuição técnica de um autor para área dele, para o que ele se propõe. Por exemplo, ao falarmos de Drummond, podemos focar sobre os neologismos dele. Sobre o Mário Quintana, como ele usa o recurso da ironia de um determinado jeito, e como essa é uma das contribuições dele para quem quer brincar fazendo poesia. As vezes acertamos, as vezes não", analisa.

     

    Luciano Valente