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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.4 São Paulo  2009

     

     

    SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NA AQUICULTURA

    Juliana Schober Gonçalves Lima
    Manoel Mendonça Filho

     

     

    Em diferentes lugares e de modos variados tem-se o registro histórico cultural da prática de captura de espécies aquáticas para que estas se desenvolvessem em confinamento. Foram mudanças no modo de vida das pessoas que permitiram reconhecer a criação e armazenamento do pescado vivo como estratégia de subsistência. Isso ocorreu com povos geograficamente espalhados pelo globo, marcados por diferentes processos socioculturais e operacionalizado através de diferentes estratégias.

    Somente no século XX a aquicultura passou a integrar o conjunto de atividades de produção industrial mais controladas. Além da compreensão dos hábitos naturais dos organismos aquáticos, importantes mudanças econômicas e geopolíticas permitiram a expansão da atividade e o refinamento da tecnologia de produção disponível. Atualmente, a aquicultura tornou-se uma atividade industrial de grande importância para diversos países, como é o caso da China (1).

    Em 2006, o total de pescado produzido no mundo foi em torno de 110 milhões de toneladas. A aquicultura participou com 47% desse montante, com perspectiva de aumento da produção em resposta a crescente demanda mundial (1). O crescimento da produção da aquicultura mundial tem sido acompanhado por críticas e incertezas sobre a sustentabilidade da atividade. Esse fato é especialmente verdadeiro para as espécies de elevado valor econômico, como é o caso dos camarões marinhos. A crise de sustentabilidade não se restringe à dimensão biofísica. Há uma dimensão geopolítica que tematiza a questão do impacto ambiental e aponta tanto para uma reestruturação tecnológica quanto para mudanças socioculturais relacionadas ao cultivo e modo de vida dos produtores (2).

    No Brasil, o desenvolvimento da aquicultura está fortemente relacionado ao cultivo do camarão da espécie Penaeus vannamei com uma produção estimada em 76 mil toneladas. Atualmente, o camarão representa o principal produto da pauta de exportação da aquicultura nacional (3).

     

    CULTIVO DE CAMARÕES EM SERGIPE A carcinicultura no estado de Sergipe é atividade recente e representa apenas 3,4% do total da produção da aquicultura nacional, com cerca de 2.540 toneladas (3). Esse estudo é focado no estuário Vaza-Barris (SE), onde a comunidade rural local demonstra forte integração sociocultural com a atividade.

    Sintomaticamente, as circunstâncias que ocasionaram o estudo foram marcadas por questões jurídicas, contrapondo níveis de competência institucional sobre a regulamentação e fiscalização da atividade que envolve o Ibama e o Ministério Público, além de outros órgãos governamentais. Tendo como pivô a delimitação das Áreas de Proteção Permanente (APP), a pesquisa se deparou com um complexo cenário envolvendo legislação ambiental, interesses comerciais e condições de vida de grupos socioculturais locais. A multiplicidade de dimensões concretas do campo força uma reflexão sobre método de pesquisa e natureza do objeto.

    De acordo com observações diretas e registros de campo, alguns viveiros de Vaza-Barris são bastante antigos, com idades acima de 200 anos. Tal realidade mostra que apesar da carcinicultura ser atividade recente, a comunidade local já fazia uso dos viveiros através da criação de peixes de forma extensiva, evidenciando uma afinidade histórica com a prática da aquicultura estuarina.

    Essa prática histórica apresenta duas consequências importantes para a utilização do espaço no estuário Vaza-Barris. A primeira é uma tendência previsível dos espaços que já haviam sendo utilizados pela aquicultura extensiva através do cultivo de peixes se transformarem em outras atividades relacionadas a essa prática, porém, utilizando espécies de maior valor econômico, como foi o caso da adoção do cultivo de camarão.

    Outra consequência importante está relacionada aos conflitos gerados pela conversão do cultivo de peixes em cultivo de camarão, sobretudo após a delimitação no estado de Sergipe das APPs. Parcela expressiva da produção de camarões do estado é oriunda de propriedades localizadas em APPs, que atuam de forma irregular e sem licenciamento.

    Neste contexto, considerando a importância da atividade e seus impactos ambientais, socioculturais e econômicos é que se colocam urgentes questões de mudanças de manejo durante o ciclo produtivo que sejam socioambientalmente adequadas e político-economicamente viáveis. Apesar de muitos dos problemas ambientais poderem ser solucionados através da adoção de práticas de manejo específicas (4), esse estudo demonstra que tal mudança é um processo complexo que não depende apenas de soluções técnicas.

    Os resultados preliminares observados mostram que os viveiros de camarão são distribuídos no estuário em áreas sob diferentes pressões antrópicas, fator determinante para o papel das carciniculturas como emissoras ou absorventes de matéria orgânica e nutrientes dos ecossistemas adjacentes. Os níveis econômico-culturais e de qualidade de vida dos segmentos de população envolvidas na produção é preponderantemente médio baixo. Os manejos empregados pelos carcinicultores do Vaza-Barris evidenciam, em geral, o uso de práticas de baixo impacto ambiental.

    Os policultivos com peixes estuarinos foram observados e identificou-se que tal prática pode aumentar a sustentabilidade dos sistemas apresentando vantagens econômicas e ambientais como o aumento da renda do produtor e uma melhor utilização dos recursos naturais disponíveis dentro dos viveiros através da utilização de vários nichos tróficos.

    As despescas se sustentam com base em mão-de-obra local informal. Além da geração de empregos temporários, observou-se que determinados produtos resultantes da despesca, incluindo crustáceos e peixes, são compartilhados com a população local. Notando-se um número significativo de famílias tradicionalmente vinculadas a atividades extrativistas no mangue coletando itens alimentares nos viveiros após a despesca.

     

    CONCLUSÕES E TENDÊNCIAS Os resultados obtidos até o momento apontam práticas sustentáveis desenvolvidas pela população local que devem ser estimuladas e aprimoradas na adoção de novos manejos. Enfoques ecossistêmicos (5) apresentam muitas vantagens nesse cenário, por considerarem uma ampla gama de esferas, influências e atores envolvidos no processo produtivo. Índices de sustentabilidade têm sido apontados como de grande relevância para a determinação da sustentabilidade dos sistemas de aquicultura. Tais índices apresentam aplicação prática no contexto dessa pesquisa para a comparação da sustentabilidade dos manejos adotados. Mecanismos para a medição de uma sustentabilidade entendida como necessariamente socioambiental devem ser oferecidos como subsídio para as discussões sobre adequação e viabilidade jurídica, cultural e econômica dos modos de produção a serem implementados.

    Efeito dos resultados produzidos pelas análises multidisciplinares, viabilizadas por uma associação de pesquisadores em aquicultura com pesquisadores em processos socioculturais, aponta para um método de pesquisa que amplia a construção do objeto de estudo integrando as dimensões biofísicas com as dimensões político, culturais e econômicas. Neste contexto, é uma avaliação de efetividade do modelo desenvolvido, e não apenas a sua eficácia técnica, que passa a orientar a pesquisa e a invenção de novas tecnologias de manejo e produção em carcinicultura.

     


    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Sofia. "The state of fisheries and aquaculture". FAO. Roma. 196p. 2009.

    2. Castoriades, Cornelius. Da ecologia à autonomia. Trad. Luiz Fortes, São Paulo: Ed. Brasiliense. 1982.

    3. Ibama. Estatística da Pesca 2004. Ibama/MMA. 136p. 2005.

    4. Boyd, Claude E.; Tucker, Craig; McNevin, Aaron; Bostick, Katherine & Clay, Jason. "Indicators of resource use efficiency and  environmental performance in fish and crustacean aquaculture". Reviews in Fisheries Science, Vol.15, pp.327-360. 2007.

    5. Costa-Pierce. "An ecosystem approach to marine aquaculture: a global review". In: D. Soto, J. Aguilar-Manjarrez & N. Hishamunda (Eds.). Building an ecosystem approach to aquaculture. FAO/Universitat de les Illes Balears Experts Workshop. 7-11 May 2007, Palma de Mallorca, Spain. FAO Fisheries and Aquaculture Proceedings, Rome, FAO, n.14, pp.81-115. 2008.

     

     

    Juliana Schober Gonçalves Lima é professora adjunta do Núcleo de Engenharia de Pesca da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
    Manoel Mendonça Filho é professor associado do Departamento de Psicologia da UFS