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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.4 São Paulo  2009

     

     

     

    EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

    Decreto deixa lacunas na regulamentação do uso de animais em pesquisas

     

    A partir de 2005, deu-se início a várias tentativas legislativas de banir a experimentação científica animal em importantes municípios brasileiros. Esses movimentos preocuparam a comunidade científica e foram decisivos para a renovação da legislação federal datada de 1979. Em outubro do ano passado, um projeto de lei nacional, que tramitava desde 1995, foi sancionado na Lei 11.794, e, no último dia 15 de julho, o decreto 6.899 finalmente regulamentou a sua aplicação. Esses quase 13 anos de tramitação não impediu que o texto deixasse de fora algumas demandas da academia e de entidades de defesa dos animais.

    As falhas iniciam em um dos pontos considerados fortes da lei: a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), uma instância superior que deve formular normas, monitorar e credenciar instituições que praticam atividades científicas com animais em todo o país. Pela lei, a presidência do Concea é destinada a um membro designado pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT) ao qual o conselho estará subordinado. Porém, as ações de fiscalização ficam a cargo de cinco ministérios: Agricultura, Saúde, Educação, Meio Ambiente além do próprio MCT. Segundo Ana Tereza Pinto Filipecki, Carlos José Saldanha Machado e Márcia de Oliveira Teixeira, pesquisadores em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é fácil prever problemas de ordem administrativa com tantos órgãos responsáveis pela mesma atividade.

     

     

    Esse e outros problemas encontrados na Lei 11.794/98 e no Decreto 6.899/09, foram levantados pelos cientistas da Fiocruz, que publicaram carta sobre o tema na revista Science (Vol.324, 2009). Um dos pontos mais polêmicos, afirmam, está no artigo 18 da lei que estipula a "interdição definitiva para o exercício da atividade", ou seja, uma espécie de "cassação de diploma", uma prerrogativa dos órgãos reguladores de cada atividade profissional. "O problema é saber como isso vai se dar", expõe Ana Filipecki, "estamos falando de várias profissões diferentes: farmacêuticos, biólogos, médicos, biomédicos, químicos, veterinários... e cada uma com órgãos próprios de registro e fiscalização. Como essa interdição poderá se dar?", pergunta. Uma decisão do Concea, nesse sentido, poderá soar como uma ingerência nesses conselhos profissionais.

    Para Ana Tereza, Márcia e Saldanha, a lei também é tímida quanto à aplicação de métodos alternativos ao uso de animais. Eles acreditam que um marco regulatório seria uma forma de fortalecer iniciativas de desenvolvimento de métodos que iriam, gradualmente, substituindo a pesquisa com cobaias, como a cultura de células e a modelagem computacional. "Para que essa substituição ocorra, é preciso trabalhar em paralelo com alternativas, mas isso exige alocação de recursos, o que não tem ocorrido muito no Brasil", relata Saldanha.

    A lei também não diferencia pesquisas com base em seus objetivos e perde a oportunidade de vetar o uso de animais em testes de cosméticos, por exemplo. Essa omissão é alvo de críticas de ambientalistas e membros da comunidade científica. "Seria bom hierarquizar as prioridades de pesquisa e restringir o uso à saúde pública", diz Saldanha. O advogado especializado em meio ambiente, Werner Grau, tem opinião semelhante. "Sou contra o uso de animais em pesquisas para quaisquer objetivos, mas é óbvio que uma coisa é desenvolver uma droga contra o câncer, outra, bem diferente, é usar animais para testar um batom, por exemplo. A lei poderia vetar, pelo menos, essa aplicação", lamenta. Grau também critica a disparidade das multas previstas na Lei 11.794 em comparação à legislação relacionada ao meio ambiente. Enquanto as multas por degradação ambiental atingem a casa dos milhões de reais, as transgressões que atingem os animais em laboratório não ultrapassam R$ 20 mil, de acordo com o artigo 7º da lei.

    A omissão de idade mínima para execução de experimentos com animais e a ausência dos conselhos federal e estaduais de medicina veterinária no Concea são outros pontos criticados pelos cientistas da Fiocruz. O primeiro item ficará a cargo de cada pesquisador e orientador que deverão decidir se seus alunos menores de idade farão ou não atividades de pesquisa com animais. O segundo ponto surpreende pelo fato de os veterinários serem responsáveis por procedimentos como eutanásias e anestesias em animais submetidos a estudos.

    Ao acompanhar o projeto de lei original, desde 1995, Carlos Saldanha prevê que as brechas devem desaparecer com o tempo, já que cada laboratório deverá adequar-se de acordo com suas práticas e costumes, um desgaste que poderia ter sido evitado. "Não é apenas o caso dessa lei, mas o processo legislativo brasileiro costuma ser assim, faz-se a lei e depois tiram-se as arestas", comenta o cientista que criticou também a pouca abertura do debate apesar do longo tempo de tramitação do projeto. "Se houvesse mais audiências públicas e fossem ouvidas as análises no decorrer do processo, muitas dessas lacunas não existiriam".

     

    Fabio Reynol