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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.61 no.4 São Paulo  2009

     

     

    MODA

    Pesquisa e tecnologia impulsionam a vanguarda da indústria

     

     

    Poses, caras, bocas. Resumir a moda, para alguns, poderia ser simples assim. Essa fina superfície de contato da imagem com o público em geral, porém, não consegue, nem mesmo, sugerir o esforço gigantesco que há por trás de uma indústria de aparência tão mais volátil. Por baixo desse perfil blasé fervilham corredores de escritórios e tecelagens a todo vapor em vários pontos do planeta. Entre a composição da marca, da originalidade, dos produtos e do conceito de bem vestir, há uma infinidade de elementos que transcendem o corpo, e buscam romper os limites da indústria e da tecnologia.

    "A indústria de insumos para vestuário e os estilistas trabalharam em conjunto desde a revolução industrial", diz Emerson do Nascimento, pesquisador de moda na Universidade de São Paulo (USP). "A interligação entre a moda e a tecnologia se consolidou a partir do surgimento das fibras químicas. O primeiro fio artificial, que impulsionou a indústria têxtil na direção das fibras feitas pelo homem, foi o acetato de celulose, criado na Alemanha em 1869", lembra Marcia Mariano, editora da revista Textilia, especializada na cadeia produtiva têxtil. Desde então, indústria e moda não se separaram mais. Muitas vezes, a tecnologia precede o ato criativo, outras vezes o inverso. "Designers de moda como Hussein Chalayan ou Manel Torres, que criou uma espécie de tecido em forma de spray [o Spray-on Fabrican], trabalham nos laboratórios pesquisando novas tecnlogias e materiais para realizar suas criações. No Brasil, o estilista Jum Nakao é outro exemplo de vanguarda na área", diz Suzana Avelar, também da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Ela usa o termo "designer tecnológico" para descrever esse profissional que atua em todas as áreas da criação, indo além da arte, subvertendo as tecnologias disponíveis, propondo mudanças na própria estrutura industrial para compor suas obras.

     

     

    "Com relação a afirmações como 'exigências do mercado se sobrepõem à criação' depende do foco do estilista dentro da sua profissão. Ele pode ser um excelente artesão e criar roupas conceituais para um nicho de mercado; pode criar sua própria marca e produzir peças exclusivas; ou, finalmente, trabalhar para uma grande marca e aí, claro, se submeter às regras do mercado", explica Marcia. Na verdade, os estilistas podem contribuir para a continuidade de determinados processos dentro da indústria ou à sua rápida obsolescência devido ao custo, pontua Nascimento. Ele acrescenta que a popularização de hábitos ligados à moda podem baratear certas tecnologias. "Um exemplo disso é o nylon, uma fibra sintética desenvolvida em 1935 para substituir a seda, amplamente utilizada na confecção de paraquedas durante a guerra [Segunda Guerra Mundial] e que foi popularizado em meias e em outras peças de vestuário", aponta o pesquisador. Essa demanda pelo produto, completa, poderia não ter alcançado o sucesso comercial no pós-guerra sem o trabalho da indústria da moda.

     

    PARCERIA PRODUTIVA Essa interdependência é benéfica para os dois lados. Para os estilistas, a exclusividade de trabalhar com métodos e materiais de ponta garante um diferencial estético frente aos concorrentes na área. E para a indústria, o termômetro emocional das plateias e formadores de opinião serve de medida para o sucesso e popularização de uma tecnologia ou produto desenvolvido. "A alta costura é como a Fórmula-1, um campo de testes com o uso extremo de uma tecnologia que depois vai ganhar as ruas com o usuário comum", compara Nascimento. "A diferença é que na moda fica difícil detectar tecnologia numa roupa cortada a laser e sem costuras. Os exemplos são inúmeros. Vai da viscose, tecido feito a partir de fibras vegetais, passa pelos tecidos desenvolvidos pela Nasa para fins diversos e que foram parar nos vestuários esportivos até microchips que são costurados em roupas de grifes preocupadas com a pirataria. "Se você der uma olhada na última edição do Fashion Rio, segunda maior semana de moda do país, atrás apenas do São Paulo Fashion Week (SPFW), verá que Walter Rodrigues, em parceria com a Basf, apresentou o chamado efeito butterfly na coleção primavera-verão 2009/2010", sugere Marcia. O efeito é resultado da nova proposta conceitual da Basf, o chemistry design, que possibilita perceber mudanças na cor do jeans, conforme o ângulo de incidência da luz.

     

    ALÉM DO VESTUÁRIO Até certo momento na história da moda as indústrias pesadas (química e têxtil) tinham um grande papel na definição das tendências para o grande público. Grandes feiras uniam os escritórios de estilo da alta costura e os produtores de insumo de ponta. Da alta costura, as tendências eram apropriadas pela prèt-a-porter (moda para a classe média, "pronto para vestir" na tradução literal) e caiam no gosto popular. Hoje, muitos estilistas da alta costura vão até as ruas para captar tendências de estilo, apropriam-se e as retrabalham para a reinserção no mercado da exclusividade. Nesse ponto fazem algo que a indústria "pesada" não faz, ou seja, colhem e processam dados em tempo real. Esse hábito também contribuiu para extrapolar as grandes marcas para outros produtos, como o design, acessórios diversos, perfumes e cosméticos. "Os estilistas e as grandes marcas se tornaram experts em produzir e gerenciar 'imagem' no sentido de conseguir refletir os desejos de determinados públicos. As pessoas se olham e se reconhecem como pertencentes a um cenário imaginário criado pela moda, que transpassa a publicidade e o design", afirma Emerson do Nascimento da USP.

    Além disso, a "indústria de estilo" também está ajudando a de insumos têxteis a enfrentar um grande desafio - a China. "Os tecidos técnicos, como aqueles que possuem qualidades nanotecnológicas, e que podemos ver nos maiôs de natação, ultimamente são uma resposta ao modelo de produção chinês, que emergiu no final do último século, e que fez com que os commodities, de uma maneira em geral, tivessem seus preços esmagados", analisa Sílgia Costa, pesquisadora em tecidos técnicos da EACH/USP.

    Os tecidos técnicos ampliaram sua gama de utilidades para diversas áreas: da construção civil à bandagens médicas com qualidades curativas ou bactericidas e que são depois absorvidas pela pele. Suzana aponta, entretanto, que a grande fronteira ainda é o corpo (ou as relações com ele). "Mais do que assimilar tecnologias as pessoas vão vestir tecnologia", completa.

     

    Enio R. Barbosa Silva

     

    COSTURANDO O INVISÍVEL

    Foram 15 minutos de desfile no São Paulo Faschion Week, maior evento de moda do país. Modelos caracterizadas como brinquedos deslizavam vestidas de branco. A maioria dos presentes levou um choque quando, ao final do desfile, as modelos rasgaram seus próprios vestidos. Todos feitos de papel.

    Jum Nakao destruiu sua própria coleção na passarela. O trabalho do estilista (realizado em 2004) é considerado um dos mais importantes desfiles deste século pelo Musée Galliera (museu de moda em Paris) e está em exposição no Museu de Arte Contemporânea de Tókio. A seguir o estilista, que está atualmente na Holanda como "Designer Honnor Guest" do governo, faz um apanhado geral sobre suas ideias e inspirações.

    "A aproximação entre as áreas de moda, design, tecnologia e arte é necessária. Como escreveu Edgar Morin, a segmentação e compartimentação dos saberes se demonstrou obsoleta e sem capacidade de respostas para a complexidade que a vivência humana e sobrevivência do planeta necessitam. Trabalho incorporando o acaso, integrando diversas linguagens, aberto aos riscos e com muito prazer. O processo que mais produz ideias criativas é o experimentar e ter a chance de errar. Acredito que a experiência artística é a relação que transcende obra e observador, é o rompimento de barreiras e de pressupostos, onde se joga um jogo sem regras, limites, convenções e a transformação acontece. A obra em si é a materialização de conceitos, é palpável, e contém um sentido. A integração entre o espectador e a obra é fundamental. Sem essa integração a obra não existe. Quando se pensa em arte para o dia-a-dia perde-se o foco. Em moda acontece o mesmo. Criar se torna um risco. Precisamos fomentar espaços mercadológicos para o risco, através da educação e formação de consumidores de arte e moda mais aptos a estimular a produção de conteúdo. A 'costura do invisível' é um rasgo com o formato. Após esse desfile abdiquei de minha marca própria, pelo menos por um tempo, para me dedicar a formação de uma consciência sobre moda e suas possibilidades. Esse desfile aconteceu numa época em que eu questionava, e ainda questiono muito, as referências, o conteúdo da produção 'cultural' e os fenômenos em nosso entorno. Nosso objetivo foi apresentar um vazio repleto de possibilidades e transformar o nada em algo visível, daí o nome a 'costura do invisível'".