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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.4 São Paulo  2009

     

     

    APRESENTAÇÃO

    OS MAIORES DESAFIOS DA ASTRONOMIA MODERNA

    Claudia Mendes de Oliveira; Duília de Mello

     

    Qual o tamanho do universo, como ele se formou, como chegou até aqui? Essas perguntas básicas sempre estiveram na mente do ser humano e constituem os fundamentos da astronomia. Para respondê-las tivemos que investir em tecnologia, inventar instrumentos, construir telescópios, lançar satélites. São quatro séculos de dedicação ao avanço da fronteira do conhecimento desde que Galileu Galilei apontou um telescópio para o universo, mas apenas 40 anos desde que pousamos na Lua.

    Neste Núcleo Temático apresentamos alguns dos projetos de instrumentação que estão sendo construídos para desvendar os maiores enigmas e desafios da astronomia moderna: energia e matéria escuras, planetas extra-solares, explosões estelares e buracos negros. Convidamos membros da comunidade científica brasileira que são especialistas nesses temas para nos contar um pouco sobre cada um desses assuntos que são alvo da ciência atual. Apresentamos também um artigo sobre a história da astronomia, que fornece um panorama da astronomia planetária desde a Antiguidade, ressaltando as continuidades e rupturas da revolução astronômica. E, para concluir, damos um panorama da astronomia no Brasil, incluindo a situação dos programas da pós-graduação no país.

    Uma das revelações mais dramáticas e de maior impacto dos últimos tempos da cosmologia foi a descoberta da matéria escura e da energia escura. As evidências astronômicas apontam que o universo visível, ou seja, tudo que é feito de átomos (ou matéria bariônica), representa apenas 4% da densidade total do universo. O restante é feito de algo que nunca conseguimos medir diretamente: matéria escura (26%) e energia escura (70%). Temos apenas evidências cinemáticas de que elas existem e tudo indica que as matérias luminosa e escura interajam apenas através de forças gravitacionais. A conexão entre essas duas quantidades continua sem explicação.

    Descobrir e entender os constituintes do universo é de grande interesse dos astrônomos e dos físicos de partículas, e tema central de estudos das duas comunidades na próxima década. A Agência Espacial Americana (Nasa), por exemplo, já anunciou o JDEM (Joint Dark Energy Mission)projeto ainda em fase de estudos e que acreditamos que se tornará o maior projeto espacial do futuro. A missão terá como papel principal medir, com altíssima precisão, a expansão do universo e tentar revelar se realmente o cosmo é composto na sua maioria por energia escura. Ainda não há uma data certa para o JDEM ser lançado, mas ele será contemporâneo dos telescópios gigantes terrestres que deverão ultrapassar os 20 metros de diâmetro.

    Três desses telescópios óticos e infravermelhos gigantes já estão em fase de estudos: o Telescópio Gigante Magalhães (Giant Magellan Telescope, GMT), o Telescópio de Trinta Metros (Thirty Meter Telescope, TMT) e o Telescópio Europeu Extremamente Grande (European Extremely Large Telescope, E-ELT). O GMT será construído no Chile, no observatório do Instituto Carnegie, chamado Las Campanas. Ele terá sete espelhos de 8,4m que formarão uma superfície comum. Além do Instituto Carnegie, o GMT é patrocinado por um consórcio formado pelas Universidades de Harvard, do Texas, do Arizona, Nacional da Austrália e o Instituto Espacial da Coreia. Já o projeto TMT será construído no Havaí e será financiado pela associação de universidades canadenses, pelo Caltech, Universidade da Califórnia e várias fundações, como a Gordon and Betty Moore, a Fundação Nacional de Ciências norte-americana (NSF) e a Associação de Universidades e Pesquisas Americanas (Aura). O E-ELT, que ainda não tem sítio definido, terá uma área efetiva de 42 metros (mil espelhos hexagonais de 1,4m de lado e 5 mm de espessura) e será construído por um consórcio de 14 países que formam o Observatório Europeu Austral (ESO). Esses três telescópios, se construídos, têm previsões de entrarem em operação até 2020.

    Um dos maiores desafios para os telescópios terrestres gigantes será a medida direta da aceleração da expansão do universo e produção de um inventário detalhado do conteúdo das várias componentes do universo, luminosa e escuras. Convidamos o leitor a se aprofundar nos enigmas sobre matéria e energia escuras através da leitura do primeiro artigo desta coletânea, escrito por Raul Abramo do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

    E por falar em tema de alto impacto, Adriana Válio, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos conta em seu artigo como anda a busca por planetas em outros sistemas estelares. Os planetas do sistema solar sempre foram alvo da curiosidade humana, mas apenas na última década conseguimos provas de que outras estrelas também possuem planetas. Desde então, mais de 350 planetas extra-solares foram descobertos, mas são eles, em geral, de maior massa do que o nosso planeta Terra (os novos planetas têm tipicamente o tamanho e massas parecidos com os de Júpiter, Saturno e Netuno). O maior desafio para os astrônomos que estudam essa área é, sem dúvida, encontrar um planeta que tenha um tamanho e massa similares aos da Terra. Espera-se que tal descoberta seja feita nos próximos anos, com os novos instrumentos construídos especialmente para esse fim.

    Os astrônomos acreditam que os planetas extra-solares, tipo terrestre, devam ser bastante comuns, o problema é a dificuldade de encontrá-los, por serem relativamente pequenos e próximos de estrelas brilhantes. As observações dos planetas extra-solares feitas da Terra são, muitas vezes, de precisão limitada, devido principalmente à influência da atmosfera terrestre. Por isso, dois projetos espaciais, CoRot (Convection, Rotation, and planetary Transits) e Kepler, ganharam especial importância na área. Corot, da Agência Espacial Europeia (com participação brasileira) está fazendo observações do brilho de dezenas de milhares de estrelas, com uma precisão de uma parte em um milhão. CoRot detectou sinais de um planeta extra-solar com o tamanho de cerca de 1,7 vez o da Terra e cerca de seis vezes a sua massa, mas a maioria dos outros candidatos a planetas extra-solares descobertos pelo CoRot são bem mais massivos. Uma outra missão para busca de planetas é chamada Kepler, construída pela Nasa e lançada recentemente, que passará três anos e meio observando 100 mil estrelas, na busca por planetas ao redor dessas.

    Na Terra, o projeto mais ambicioso, ainda em construção e que revolucionará a área de busca de planetas, é o Alma (Atacama Large Millimeter Array). O Alma observará nos comprimentos de onda milimétricos (de 0,3 a 9,6 mm - a faixa visível da luz equivale a ~0,5 microns). O Alma conta com a cooperação de vários países europeus, Estados Unidos, Chile e Japão, e está sendo construído em um sítio a 5 mil metros de altitude em um planalto dos Andes Chilenos, o Cerro Chajnantor. O local reúne duas das condições fundamentais para a astronomia milimétrica: altitude elevada e baixíssima umidade. O Alma tentará detectar as moléculas que compõem as atmosferas dos planetas extra-solares, buscando assim por sinais de que as atmosferas daqueles planetas são do tipo terrestre. Espera-se que o projeto entre em operação em 2011.

    O terceiro artigo desta coletânea foi escrito por Denise Rocha Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e descreve os estágios finais da evolução estelar. O caminho que leva do nascimento à morte das estrelas é definido pela massa estelar. Estrelas de alta massa tipicamente explodem, num fenômeno conhecido como supernovas (chamadas de tipo II), e poluem o meio interestelar com todos os elementos químicos formados através da fusão nuclear que ocorre nos seus interiores. Após a explosão resta apenas uma concha de gás e, em seus centros, uma estrela constituída principalmente de nêutrons com uma massa maior que 1,4 massa solar e um raio entre 10 e 80 km.

    Essas estrelas de nêutrons giram a altíssimas velocidades de rotação e possuem intensos campos magnéticos. Os campos intensos e a rotação geram um campo elétrico enorme na superfície da estrela, retirando elétrons e prótons que, então, se movem rapidamente ao longo das linhas do campo magnético, formando um jato de radiação. Muitas dessas estrelas são conhecidas como pulsares, pois o eixo do campo magnético não é alinhado com o eixo de rotação do pulsar, o que faz com que o jato cruze nossa linha de visada uma vez em cada período de rotação (se parecendo a um farol que guia os barcos à noite).

    Porém, se a estrela resultante da explosão da supernova tiver massa superior a três massas solares, então ela não se transformará em uma estrela de nêutrons ou em um pulsar. Nesse caso, seu peso será grande demais e ela se tornará instável, colapsando até um raio que é praticamente zero. O corpo resultante é conhecido como buraco negro.

    Já estrelas como o nosso Sol não passam por processos explosivos e vivem mais de 10 bilhões de anos. Mas elas também contribuem para o enriquecimento químico do meio interestelar durante a fase de nebulosa planetária, quando elas ejetam as camadas externas. O caroço central da nebulosa é uma estrela relativamente fraca, uma anã branca, que ilumina o gás ejetado produzindo imagens de beleza indescritível, como aquelas produzidas pelo telescópio espacial Hubble, com alta resolução, que podem ser apreciadas no artigo de Denise Gonçalves.

    O fato do Hubble ser um satélite faz com que ele produza imagens com resolução superior ao que conseguimos produzir da Terra devido à interferência atmosférica. O Hubble observa a luz ultravioleta (115 a 200 nanômetros - nm), óptica e uma pequena parte da luz infravermelha (0,1 a 2,5 microns). Ele acaba de passar por uma manutenção e deverá continuar em operação por mais cinco anos.

    O caminho evolutivo das estrelas será também alvo da próxima missão espacial, o James Webb Space Telescope (JWST). O JWST irá, de uma certa forma, substituir o telescópio Hubble, que será desativado quando o JWST for lançado. Uma diferença entre os dois é que o JWST ficará a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, enquanto o Hubble fica a apenas 570 km de altitude. O JWST precisa ficar a essa distância porque os instrumentos infravermelhos (que detectam comprimentos de onda entre 0,6 e 28 microns) funcionam a baixas temperaturas. O JWST não terá visitas de astronautas como o Hubble e ficará em operação por cinco anos, enquanto o Hubble deverá ultrapassar os 23 anos. A grande vantagem do JWST é o tamanho: ele terá um espelho de 6,5 metros de diâmetro, enquanto o Hubble tem apenas 2,5m. E, nesse caso, tamanho é documento! Com uma área coletora maior, mais fótons (as partículas de luz) são detectados e, assim, mais longe e melhor se pode observar. Os detectores infravermelhos do JWST serão bem mais modernos do que a câmera infravermelha do Hubble, além de que ele terá poderosos espectrógrafos para decompor a luz (espectrógrafos são como prismas, que decompõem a luz em seus vários comprimentos de onda). O lançamento do JWST está previsto para 2014.

    E para fechar a coletânea de temas astronômicos convidamos Thaisa Storchi Bergman, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para falar sobre um dos tópicos mais intrigantes da astronomia: buracos negros. Ela descreve que buracos negros podem ter duas naturezas distintas: ser o resultado final da evolução da vida de uma estrela de alta massa, após a explosão de uma supernova do tipo II, ou ser buracos negros supermassivos, que habitam os centros de galáxias.

    Para entendermos a natureza dos buracos negros temos que falar sobre o que é a velocidade de escape de um corpo. A velocidade de escape da Terra, por exemplo, é a velocidade que corpos devem ter na superfície da Terra para escapar até o infinito sem a ajuda de nenhum outro tipo de propulsão. Para determinarmos a velocidade de escape temos que igualar a energia potencial gravitacional de um corpo com sua energia cinética. Para a Terra, a velocidade de escape é de 11 km/s e ela é independente da massa do objeto que "escapa" (só depende da massa e do raio da Terra). Se a Terra diminuísse de raio por um fator 9, ou seja, continuasse com a mesma massa, mas tivesse menor raio e, portanto, maior densidade, a velocidade de escape aumentaria por um fator 3.

    Se conseguíssemos, no entanto, contrair a Terra até o tamanho de uma uva, a velocidade de escape aumentaria para 300 mil km/s. Só que, segundo a teoria da gravidade de Einstein (na qual fótons são afetados por campos gravitacionais), se a velocidade de escape de um objeto é igual ou maior que a velocidade da luz, aquele objeto não mais será observado, uma vez que nenhuma informação poderá escapar dele. É possível então calcular esse raio crítico para qualquer corpo, ou seja, o raio a partir do qual a velocidade de escape será igual à velocidade da luz. É muito difícil conseguir fazer com que qualquer corpo, como a Terra ou o Sol, atinjam o raio que os fará essencialmente "desaparecer". Mas no caso de uma estrela de nêutrons com mais de três massas solares, seu peso é tão grande que ela colapsa até um raio menor do que nove quilômetros, quando então sua velocidade de escape se torna maior que a velocidade da luz e ela se torna um buraco negro. Atualmente não se sabe se a matéria dessa estrela de nêutrons continua colapsando indefinidamente (gerando o que os matemáticos chamam de uma singularidade), ou se a contração eventualmente para. O destino final dos buracos negros é um dos assuntos mais espinhosos da física, e é mais uma razão pela qual temos tanto interesse nesses misteriosos objetos.

    Estudos feitos com a geração atual de telescópios terrestres óticos e infravermelhos de oito e dez metros, em sinergia com telescópios que observam em comprimentos de onda dos raios-X (Chandra e XMM) e no infravermelho (Spitzer Space Telescope) estão sendo capazes de desvendar alguns dos mistérios sobre os buracos negros, principalmente dos supermassivos, encontrados no centro de galáxias.

    A principal missão do futuro que será devotada para o estudo dos buracos negros é a IXO (International X-Ray Observatory), uma colaboração entre a agência espacial europeia, o Japão e a Nasa. O IXO terá detectores superpotentes que conseguirão ver em detalhes como o buraco negro cresce no interior das galáxias, ultrapassando milhões de vezes a massa do Sol. O IXO está em fase de estudos. Se tudo correr bem, ele deverá ir ao espaço em 2020.

    Os quatro primeiros artigos deste Núcleo Temático vão cobrir de forma detalhada os tópicos acima, e discutirão algumas das questões fundamentais com as quais a astronomia moderna se vê confrontada.

    Os dois últimos artigos da coletânea serão dedicados à história da astronomia desde Galileu, por Anastasia Guidi Itokazu, pós-doutoranda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e à astronomia no Brasil, por João Steiner, da USP. O Brasil faz parte de dois grandes consórcios, o Observatório Gemini (dois telescópios de oito metros), no qual tem 2,5% de participação e o telescópio Soar (Southern Observatory for Astrophysical Research), com 33% de participação brasileira. A contribuição do Brasil no cenário mundial da astronomia tem crescido em quantidade e qualidade, de forma constante. Um dos objetivos principais da comunidade astronômica nacional, na atualidade, é criar estratégias para utilizar de maneira eficiente o enorme volume de dados que estará disponível nos próximos anos para a comunidade astronômica mundial. Esses dados, em diferentes comprimentos de ondas, serão resultados dos novos projetos, telescópios e instrumentos como os acima mencionados, e devem revolucionar nosso entendimento do universo.

     

    Claudia Mendes de Oliveira é professora titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).

    Duília de Mello é pesquisadora do Goddard Space Flight Center, nos EUA.