SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.61 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.61 n.4 São Paulo  2009

     

     

    BURACOS NEGROS SUPERMASSIVOS: OS MONSTROS QUE SE ESCONDEM NO CENTRO DAS GALÁXIAS

    Thaisa Storchi Bergmann

     

    A astrofísica moderna mostrou, no século XX, que os buracos negros deixaram de ser somente uma bizarra previsão da teoria da relatividade geral. Sua presença tem sido detectada em sistemas estelares duplos e no núcleo de galáxias, através do seu forte campo gravitacional. No caso das galáxias, eles são necessários para explicar as enormes quantidades de energia que emanam dos chamados "núcleos ativos de galáxias".

    Podemos definir um buraco negro como sendo uma região do espaço na qual o campo gravitacional é tão intenso que nada escapa dele, nem mesmo a luz. O buraco negro é delimitado pelo chamado Horizonte de Eventos, que é a superfície na qual a velocidade de escape é igual à da luz. O nome buraco negro (BN daqui para frente) se deve justamente ao fato de que nada sai de dentro dele, nem mesmo a radiação eletromagnética. O raio do Horizonte de Eventos é o Raio de Schwarszchild, RSch em homenagem ao astrofísico que derivou a sua expressão: RSch=GM/c2, onde G é a constante da gravitação, M é a massa do BN e c a velocidade da luz. Note que a única variável na expressão de RSch é a massa do BN, e RSch é proporcional ao seu valor. Para a Terra, RSch é de somente 9 mm, e para o Sol é 3 km, ou seja, para transformarmos a Terra e o Sol em BNs, teríamos que comprimír sua massa dentro de 9 mm e 3 km, respectivamente!

     

    TIPOS PRINCIPAIS DE BNS Os BNs estelares são o fim da evolução de uma estrela com muita massa, da ordem de dez vezes ou mais a massa do Sol. Uma estrela massiva, ao evoluir, vai sintetizando no seu interior núcleos atômicos sucessivamente maiores (mais massivos) do que o núcleo de hélio, como carbono, oxigênio, nitrogênio e assim por diante. Essa síntese, que ocorre no núcleo da estrela, libera a energia necessária para que a estrela sustente suas camadas externas em contraposição à grande atração gravitacional que tenderia a colapsar a estrela. Porém, após a síntese de núcleos de ferro, as reações nucleares não liberam mais energia, e assim, a estrela deixa de ter a pressão necessária para sustentar as camadas externas e sofre uma implosão. Essas camadas caem sobre o núcleo, pressionando-o de tal forma que ele se transforma em um buraco negro e as camadas externas são expelidas com violência, numa explosão de supernova. Esse tipo de supernova é de tipo II. Em uma supernova de tipo I, que evolui num sistema duplo de estrelas bem próximas entre si, uma transfere massa para a outra até provocar, nesta última, a explosão de supernova, que dá assim também origem a um BN.

    Os BNs supermassivos existem no núcleo das galáxias, e são detectados pela influência gravitacional que exercem sobre as estrelas e/ou nuvens de gás na sua vizinhança. Mesmo antes de serem detectados gravitacionalmente, sua presença foi inferida pelas enormes quantidades de energia que emanam dos núcleos de galáxias ativas (figura 1), como os quasares. Nesses objetos, a potência luminosa, muitas vezes, excede a potência combinada de todas as estrelas da galáxia, o que indica a presença de uma fonte de energia não estelar. Ocorre que os BNs são uma eficiente "máquina" de produzir energia, através da transformação da energia potencial gravitacional da matéria que cai dentro dele em luminosidade e energia cinética de jatos e ventos produzidos num disco de acreção (figura 1).

     

     

    Enquanto que a massa dos BNs estelares é tipicamente cinco a dez vezes a massa do Sol, os BNs supermassivos têm massas que variam de um milhão a um bilhão de vezes a massa do Sol. A partir de observações do movimento coletivo das estrelas no núcleo de galáxias próximas com o telescópio espacial Hubble, os astrônomos chegaram à conclusão de que a maioria das galáxias que contém um bojo estelar (estrutura esferoidal em torno do centro das galáxias), como as galáxias espirais e elípticas, contêm um BN supermassivo no seu centro. Por volta do ano 2000, concluiu-se que a massa do BN central é proporcional à massa do bojo (1), sendo da ordem de um milésimo do seu valor, o que levou à conclusão que os BN supermassivos evoluem juntamente com as galáxias: à medida que o bojo cresce, o BN também cresce.

     

    ATIVIDADE NUCLEAR EM GALÁXIAS Um BN supermassivo no centro de uma galáxia pode ficar quiescente, se não houver matéria suficientemente próxima para ser capturada. A matéria será capturada se estrelas ou nuvens de gás passarem a uma distância do BN menor do que o raio de maré. Quando isso ocorre, forma-se um disco de acreção em torno do BN, a partir da matéria capturada. À medida que o material do disco vai caindo em direção ao centro da galáxia, o disco se aquece e se torna luminoso (principalmente no ultravioleta, raios-X e ótico) e observa-se que o núcleo da galáxia se torna mais brilhante. Além de emitir radiação, o disco pode também perder matéria através de ventos e jatos de partículas relativísticas que saem da parte mais interna do disco e que emitem, principalmente, em ondas de rádio. Essas galáxias, em que se observa um núcleo mais brilhante do que o usual e nas quais se observam ventos e jatos em ondas de rádio, são conhecidas como galáxias ativas, que podem ser definidas como sendo aquelas que estão na fase em que o BN supermassivo central está engolindo matéria. A figura 1 mostra uma imagem da galáxia ativa Centaurus A.

     

    A DIETA DE UM BN SUPERMASSIVO Para uma galáxia se tornar ativa, é necessário alimentar o BN central. Já sabemos que isso se dá através de um disco de acreção, mas ainda não conhecemos bem a estrutura desses discos, nem como a matéria chega até ao centro da galáxia para alimentar o disco.

    Os primeiros modelos de discos de acreção propunham um disco de gás fino, cujo espectro eletromagnético seria resultado da emissão de um gás com temperatura que decresce com distância ao BN central. Esse modelo reproduz bem a distribuição de energia dos núcleos mais ativos, como os quasares, que estão a grandes distâncias, correspondentes a uma idade do universo de cerca de 1/10 da atual, época em que as galáxias estavam formando muitas estrelas, pois tinham um grande reservatório de gás, bem como os seus BNs centrais. Entretanto, ao estudarmos galáxias ativas mais próximas (universo presente), verificamos que na maioria delas a luminosidade do núcleo é bem mais baixa, e, para esses casos, a estrutura da acreção parece ser um disco espesso na parte interna, conhecido como Adaf (sigla em inglês para Advection Dominated Accretion Flow) (2), que ocorrem quando a taxa de acreção de massa pelo BN é pequena. Esse modo de acreção parece dominar no universo presente, época em que a maior parte do gás nas galáxias já formou estrelas, restando pouco gás para alimentar o BN. Em alguns casos, esses discos espessos parecem estar circundados por um disco ou anel fino. A presença desse anel fino é inferida a partir da emissão de linhas de hidrogênio largas e de pico duplo, assinatura da rotação do gás no anel, como observamos a partir do núcleo da galáxia próxima NGC 1097 (3). Observamos, assim, a assinatura cinemática da presença dos discos em torno dos BN supermassivos. Nossos trabalhos recentes com esses objetos têm nos permitido entender melhor os mecanismos físicos e a estrutura desses discos (2;3), bem como medir as taxas de acreção de matéria ao BN central.

    Uma outra questão ainda não resolvida é como a matéria que vem das partes mais externas da galáxia chega até o disco de acreção, já que, no processo, essa matéria (gás) tem que perder momentum angular o que não é fácil de acontecer no rarefeito espaço interestelar. Além disso, observações óticas e no infravermelho que permitem o estudo da cinemática de gás ionizado no entorno dos núcleos, são dominadas pela forte emissão do gás ionizado dos ventos e jatos provenientes do disco de acreção, o que mascara a emissão mais fraca do gás que se desloca em direção ao centro da galáxia. Uma nova geração de instrumentos, chamados de espectrógrafos de campo integral, têm permitido uma busca mais eficiente da assinatura cinemática de escoamentos de gás em direção ao centro. Com esses instrumentos, instalados nos telescópios Gemini, temos conseguido mapear a cinemática em duas dimensões do gás ionizado (4) e também de gás molecular (5), que revelam fluxos de gás se movendo com velocidades de dezenas de quilômetros por segundo em direção ao centro das galáxias. Nossas observações têm revelado que esse escoamento se dá através de estruturas espirais nucleares (6), ilustradas na figura 2, que parecem ser choques no gás interestelar, permitindo a perda de momentum angular do gás e seu deslocamento em direção ao centro da galáxia.

     

     

    PROCESSOS DE FEEDBACK Os jatos e ventos emanados do disco de acreção, bem como a energia emitida constituem processos de feedback do núcleo ativo sobre o entorno dos núcleos das galáxias e sobre o meio intergaláctico. Os jatos e ventos podem inibir o crescimento das galáxias, pois freiam a deposição de matéria que ocorre no cenário hierárquico de evolução do universo (o mais aceito atualmente), no qual as galáxias vão crescendo devido à acreção de gás e/ou de colisões com galáxias da vizinhança. De fato, têm-se verificado que a inclusão desses processos é fundamental para evitar um crescimento exagerado das galáxias nos modelos cosmológicos. A quantificação desses processos de feedback é, portanto, fundamental para entender a evolução das galáxias. Através das observações de espectroscopia de campo integral com o telescópio Gemini, temos conseguido mapear os campos de velocidades dos ventos emanados de núcleos ativos próximos, nos quais podemos resolver espacialmente o gás emissor de linhas espectrais. Verificamos a presença de ventos que se estendem a centenas de anos-luz de distância do núcleo, com velocidades de várias centenas de quilômetros por segundo, e medimos taxas de ejeção de matéria que são de dez a cem vezes maiores do que as taxas de acreção estimadas para os discos de acreção, as quais são da ordem de um milésimo de massa solar por ano. Os valores para a taxa de acreção são obtidos a partir da luminosidade observada do núcleo ativo. Se o vento que observamos fosse o emanado a partir do disco de acreção, teríamos que obter taxas de ejeção de matéria menores do que a taxa de acreção (não pode sair mais massa do que está entrando). Como a taxa de ejeção é bem maior, conclui-se que o vento observado é, na verdade, gás do entorno do núcleo empurrado pelos ventos do disco de acreção, que devem ter velocidades não de centenas, mas de muitos milhares de quilômetros por segundo. Esses ventos não podem ser resolvidos espacialmente devido às pequenas dimensões dos discos de acreção, de cerca de horas-luz. Mas mesmo sendo pouco massivos, esses ventos cedem energia cinética a uma maior massa de gás do entorno do núcleo, produzindo os ventos observados em escalas de centenas de anos-luz, que podem então ser resolvidos (7).

    Temos estudado também os processos de feedback produzidos por jatos de partículas relativísticas originados no núcleo de galáxias elípticas situadas no centro de aglomerados de galáxias, que têm gás intergaláctico quente, emissor de raios-X (8). Esses jatos atingem distâncias mil vezes maiores do que dos ventos discutidos acima, e depositam grandes quantidades de energia no meio intergaláctico, o que é observado através de cavidades observadas em mapas de raios-X dos aglomerados. Essa energia é tão grande, que é preciso um jato muito poderoso para gerá-la. Concluímos que, para que o núcleo ativo possa liberar toda a energia necessária para produzir as cavidades, precisamos extrair energia não só da acreção de matéria, mas também do spin (ou seja, da rotação do buraco negro). Por conservação de momentum angular, espera-se, de fato, que o BN tenha um spin, mas o que concluímos é que, não só ele tem que ter spin, mas o seu valor tem que ser alto, próximo ao valor máximo possível, que é aquele em que o Horizonte de Eventos gira com velocidade tangencial igual à velocidade da luz. A figura 3 ilustra o processo.

     

     

    CONCLUSÕES Os buracos negros supermassivos são fantásticos geradores de energia, transformando em potência luminosa e mecânica toda a matéria que, por ventura, caia dentro deles. O universo é o nosso laboratório para observar esses "geradores" em ação e, assim, obter estimativas de sua eficiência e o seu papel na evolução do universo. Ainda há muito a descobrir sobre eles. Já sabemos como medir a sua massa, observamos a energia emitida e estamos aprendendo a medir também o seu spin. Para isso, pre--cisamos de novos instrumentos, com mais resolução espacial, para podermos resolver o seu entorno, bem como instrumentos sensíveis a altas energias, como raios-X e gama, para medir o spin. Também precisamos entender melhor a sua evolução, observando os confins do universo, onde (e quando) eles foram formados, o que só será possível com instrumentos novos, maiores e mais sensíveis. Por isso, é essencial continuarmos a investir em instrumentação, como novos telescópios espaciais, e interferômetros sobre a Terra. No Brasil, a pesquisa sobre buracos negros supermassivos teve um grande impulso com a nova instrumentação disponível aos astrônomos brasileiros no século XXI, constituída pelos telescópios Gemini e Soar. Não podemos perder a oportunidade de tentar participar também de projetos futuros, como, por exemplo, o do LSST (sigla para Large Synoptic Survey Telescope), que estará situado na mesma montanha (Cerro Pachón, no Chile) onde se encontram o Soar e Gemini Sul, e do projeto Alma (Atacama Large Milimetric Array), situado no deserto de Atacama, também no Chile, já descrito na apresentação deste Núcleo Temático.

     

    Thaisa Storchi Bergmann é professora associada do Departamento de Astronomia do Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Ferrarese, L. & Merrit, D. "A fundamental relation between supermassive black holes and their host galaxies". Astrophysical Journal Letters, Vol. 539, n.1, L9-L12. 2000.

    2. Nemmen, R. S.; Storchi-Bergmann, T.; Yuan, F.; Eracleous, M.; Terashima, Y.; Wilson, A. S. "Radiactively inefficient accretion flow in the nucleus of NGC 1097". Astrophysical Journal, Vol. 643, n.2, pp.652-659. 2006.

    3. Storchi-Bergmann, T.; Nemmen da Silva, R.; Eracleous, M.; Halpern, J. P.; Wilson, A. S.; Filippenko, A. V.; Ruiz, M. T.; Smith, R. C.; Nagar, N. M. "Evolution of the nuclear accretion disk emission in NGC 1097: getting closer to the black hole". Astrophysical Journal, Vol. 598, n.2, pp.956-968. 2003.

    4. Fathi, K.; Storchi-Bergmann, T.; Riffel, R. A.; Winge, C.; Axon, D. J.; Robinson, A.; Capetti, A.; Marconi, A. "Streaming motions toward the supermassive black hole in NGC 1097". Astrophysical Journal Letters, Vol. 641, n.1, L25-L28. 2006.

    5. Riffel, R. A.; Storchi-Bergmann, T.; Winge, C.; McGregor, P. J.; Beck, T.; Schmitt, H. "Mapping of molecular gas inflow towards the Seyfert nucleus of NGC4051 using Gemini NIFS". Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Vol. 385, n.3, pp.1129-1142. 2008.

    6. Simões Lopes, R. D.; Storchi-Bergmann, T.; de Fátima Saraiva, M.; Martini, P. "A strong correlation between circumnuclear dust and black hole accretion in early-type galaxies". Astrophysical Journal, Vol. 655, n.2, pp.718-734. 2007.

    7. Barbosa, F.K.B.; Storchi-Bergmann, T.; Cid Fernandes, R.; Winge, C.; Schmitt, H., "Gemini/GMOS IFU gas velocity 'tomography' of the narrow line region of nearby active galaxies". Notices of the Royal Astronomical Society, Vol. 396, n.1. 2009.

    8. Nemmen, R. S.; Bower, R. G.; Babul, A. & Storchi-Bergmann, T. "Models for jet power in elliptical galaxies: A case for rapidly spinning black holes". Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Vol. 377, n.4, pp.1652-1662. 2007.