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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.1 São Paulo  2010

     

     

    APRESENTAÇÃO

    JARDINS BOTÂNICOS

    Ariane Luna Peixoto
    Rejan R. Guedes-Bruni

     

     

    A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), firmada em 1992 por 162 países, entre os quais o Brasil, estabelece três níveis de obrigações a serem cumpridas por cada país participante: a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição de benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. A CDB fundamenta as Normas Internacionais de Conservação em Jardins Botânicos, documento que aborda várias vertentes da missão dessas instituições, enfatizando sua atuação na conservação, pesquisa, educação e desenvolvimento sustentável.

    Os 2.550 jardins botânicos existentes no mundo, atualmente, têm um papel de destaque na conservação da biodiversidade e na sensibilização do público sobre a utilidade e o valor dos recursos vegetais para a vida da Terra. Os jardins botânicos, de modo geral, integram técnicas de conservação: ex situ, aquela que faz a conservação de plantas fora do seu ambiente, tradicional nos jardins botânicos; e a conservação in situ que busca preservar as plantas em seu ambiente, permitindo, assim, a continuidade de seus ciclos biológicos e processo evolutivo. A adoção dessas duas modalidades de conservação – a chamada conservação integrada – implica numa abordagem multidisciplinar que envolve diferentes áreas da ciência, onde a educação ambiental destaca-se nos jardins botânicos.

    Diante da estimativa de que entre 60 a 100 mil espécies de plantas do mundo se encontrem ameaçadas de extinção, a Conferência das Partes da CDB, a COP-6, aprovou, em 2002, a Estratégia Global para Conservação das Plantas. Esse documento conclama todos os países a participarem de um esforço mundial para deter a perda da diversidade biológica e estabelece metas a serem cumpridas até o ano de 2010. As metas dizem respeito à documentação, conservação e uso sustentável da diversidade de plantas, à educação e conservação e à capacitação de profissionais e instituições.

    Uma das missões prioritárias dos jardins botânicos, áreas de conservação urbanas de grande beleza, capazes de sensibilizar os homens, deve ser, necessariamente, ensejar a formação de grupos de pressão em torno de uma agenda verde. Os laços emocionais e interesses cognitivos proporcionados por atividades de lazer junto à natureza fazem aumentar o comportamento pró-ambiente. Atividades realizadas em jardins botânicos, espaços diferenciados de lazer, despertam o re-encantamento do homem pela natureza e podem promover uma mudança de paradigma social para que seja criticamente analisada a ordem econômica, política e cultural, indispensável à transformação da consciência e do comportamento das pessoas.

    Os jardins botânicos são espaços multiculturais importantes para a preservação, a valorização e a difusão da memória e da identidade brasileira. Este Núcleo Temático da Ciência & Cultura tenta mostrar e discutir, através da opinião de diferentes autores, um pouco do que foram os jardins botânicos, desde o período colonial, até o que são hoje, com os desafios contemporâneos que se impõem desde a oportunidade do lazer e do ócio, até o papel político que desempenham através de suas atividades.

    O primeiro artigo, "Os jardins botânicos luso-brasileiros" de Nelson Sanjad, aborda o horto paraense criado pela coroa portuguesa, quando o governo português começou a estruturar uma rede para o cultivo de espécies vegetais. As coleções de produtos naturais ganharam importância estratégica para o conhecimento e gestão do território. A coroa expediu cartas a governadores do Brasil para que se criassem jardins botânicos. O governador do Grão-Pará e Rio Negro teve êxito na execução da ordem e em 1798 o Horto Paraense estava em funcionamento. Esse jardim botânico distribuiu catálogo das plantas cultivadas, bem como mudas e sementes, para outros pontos do império português. Embora hoje não mais existam, o jardim e seus anexos traçaram os principais eixos de crescimento urbano, do século XIX, na cidade de Belém.

    A Rede Brasileira de Jardins Botânicos, fundada em 1991, sob o estímulo do Bothanic Gardens Conservation International (BGCI), é o tema abordado em "Os jardins botânicos brasileiros: desafios e potencialidades", de Tânia Sampaio Pereira e Maria Lúcia Nova da Costa, que trata dos desafios de estabelecer missões para os diferentes jardins botânicos brasileiros, respeitando as diferenças regionais e os diferentes vínculos institucionais a que estão subordinados, porém, sem perder de vista a conservação de espécies da flora brasileira e a educação ambiental.

    Doenças e pragas da palmeira-imperial, decorridos 200 anos desde a sua introdução no Brasil, é o tema tratado pelos agrônomos fitopatologistas João S. de Paula Araújo e Ângelo Márcio S. Silva em "A palmeira imperial: da introdução no Brasil-colônia às doenças e pragas no século XXI". Esse tema, pouco explorado na literatura, tem sido um dilema para os jardins botânicos, pois as palmeiras-imperiais, muito frequentemente, fazem parte do paisagismo desses locais. Apesar dos escassos registros na literatura, o que dificulta o tratamento de doenças e pragas que atacam a espécie, uma série de patógenos e insetos-praga ocasionam distúrbios em palmeiras, desde plântulas até indivíduos adultos.

    A historiadora Begonha Bediaga apresenta em "Jardim Botânico do Rio de Janeiro e as ciências agronômicas" o período em que esse jardim esteve voltado principalmente às investigações agrícolas. Analisa a coexistência entre a botânica e a agricultura e indica que a instituição serviu de lócus na afirmação da agronomia e áreas afins até que elas constituíssem seus próprios espaços científicos.

    Já o artigo "No Rio de Janeiro um jardim botânico bicentenário", de Ariane Luna Peixoto e Rejan R. Guedes-Bruni, trata dessa instituição em três momentos: a sua fundação e seus primeiros anos; o período do seu centenário; e o momento atual com os desafios do nosso tempo, quando a instituição comemorou seus 200 anos, tendo como marco temporal a criação do Jardim Botânico de Ajuda, em Portugal, e outras instituições, nas três últimas décadas do século XVIII; o início do governo republicano no Brasil; e os paradigmas impulsionados pela Rio-92.

    "O Jardim Botânico de Nova York e seu herbário virtual" de W. Wayt Thomas e Barbara M. Thiers apresenta os avanços proporcionados para as ciências da biodiversidade através da disponibilização on line de dados e imagens de plantas, certificada por uma instituição e seus pesquisadores.

    O taxonomista Simon Mayo em seu artigo "O papel dos jardins botânicos para capacitação nas ciências ligadas à conservação da biodiversidade: o caso dos Jardins Botânicos Reais de Kew", apresenta a experiência do tradicional jardim inglês em combinar diferentes aspectos das ciências da biodiversidade e da horticultura criando oportunidades valiosas para o treinamento e capacitação de recursos humanos voltados à conservação biológica.

    A forma como a teoria econômica convencional compreende o papel do meio ambiente e a forma de se apreender esses valores, de modo geral, reducionista frente à complexidade e ao papel desempenhado pelos recursos ambientais, são mostradas no artigo de Maurício de Carvalho Amazonas "Jardins botânicos: valores estratégicos, ecológicos e econômicos". A dificuldade de uma leitura sistêmica, abrangente, dos "bens e serviços ambientais" leva a aplicações específicas e localizadas de teorias econômicas gerando inconsistências. A história dos jardins e do papel que desempenharam na economia mundial, em um determinado tempo, pode nos fornecer subsídios para uma leitura mais sistêmica e abrangente das relações entre economia e meio ambiente.

    O Projeto Éden é apresentado por Ghillean Prance como uma exitosa experiência que teve como paradigma os jardins botânicos. No cerne de seus objetivos está a demonstração da importância das plantas para as pessoas e do desafio do seu uso sustentável. O tema, privilegiado pelo Reino Unido, se constituiu como grande marco para a sociedade e uma espetacular atração para 11 milhões de pessoas que o visitaram, desde a sua inauguração, em 2001.

     

     

    Hugo Segawa analisa, em "Os jardins botânicos e a arte de passear", de modo muito peculiar, um caminhar por cenários da natureza, refletir e relatar observações que atravessam os tempos. Percepções que acompanham o homem e o seu pensar. O olhar sensível a um simples passeio permitirá observar a transformação que se deu com essa atividade, mais complexa nos dias atuais que nos séculos passados. A percepção do que havia para ser visto e ser surpreendido, não se atinha ao espaço definido como jardim, mas ao próprio itinerário que conduzia os visitantes. Pode-se assim, através desse artigo final, refletir sobre mais uma vertente desse fabuloso tema constituído pelos jardins botânicos. O pensamento produtivista que imprime pressa e ansiedade aos dias atuais talvez possa ser redimensionado, constatando que tão ou mais importante que chegar a um lugar, seja o simples ato de caminhar.

    Este Núcleo Temático integra-se, assim, à agenda das Nações Unidas que, em Assembleia Geral de 2006, elegeu o ano de 2010 como o Ano Internacional da Diversidade Biológica com objetivo de conseguir maior atenção internacional para a contínua perda da biodiversidade.

    A despeito de sua excepcional importância e, no âmbito das cidades, sua relevância para o lazer e para experimentação de sensações raras aos sentidos como o silêncio, o aroma das flores e os cantos dos pássaros, os jardins botânicos são ainda pouco conhecidos no Brasil. Seu valor está muito além daquilo que possa ser apreendido numa primeira visita às suas alamedas, ou mesmo nas atividades de rotina que se realizam em seus laboratórios. Revelar os jardins ao maior número de indivíduos para que se sintam responsáveis pela conservação da diversidade biológica no planeta é ampliar possibilidades de visibilizar, no mundo contemporâneo, o valor intrínseco de algumas coisas, independente da utilidade que lhes são impostas. As plantas que conhecemos num jardim nos trazem boas sensações, e até felicidade, não somente porque as comemos, extraímos essências para nossos perfumes ou princípios para medicamentos. Elas evocam razões que estão acima das utilidades que possam ter ou tenham. Os jardins botânicos também podem revelar-nos, redescobrir-nos ou compreender-nos a nós mesmos, e nisso reside mais um atributo próprio desses espaços que pode ser experimentado. Reconhecer-se parte dessa diversidade, ampliando nossas possibilidades como seres humanos, já será motivo para celebrarmos este ano especial de 2010.

     

    Ariane Luna Peixoto é professora titular aposentada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), pesquisadora-associada do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e bolsista do CNPq. Email: ariane@jbrj.gov.br.
    Rejan R. Guedes-Bruni é pesquisadora titular do Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Email: rbruni@jbrj.gov.br.