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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.1 São Paulo  2010

     

    ARTES PLÁSTICAS

    AS FORMAS ARREDONDADAS DA CERÂMICA MULTICULTURAL DE GINA

     

    Mitologia grega, arte peruana e cerâmica brasileira; esses são ingredientes utilizados pela ceramista Gina Dantas, que há dez anos cria esculturas com formas arredondadas, que representam ora elementos femininos, ora figuras híbridas, misturando homens e animais ou seres andróginos, isto é, com características masculinas e femininas. Radicada em João Pessoa, na Paraíba, Gina já expôs em todo o Brasil e no exterior. Suas peças, que podem medir de 15 centímetros a um metro de altura, se destacam pela delicadeza e pelo colorido do acabamento em engobe. "Meu interesse pela cerâmica veio quase como uma lembrança do tempo que brincava de fazer panelinhas de barro na beira dos açudes do sertão, onde passei minha infância e parte da adolescência", conta.

    Hoje com 53 anos, a ceramista Gina Dantas nasceu na cidade de Recife, em Pernambuco, mas se considera paraibana porque, desde criança, mora em João Pessoa. Antes de se dedicar às esculturas de cerâmica, estudou música e trabalhou como restauradora em azulejaria barroca. A cerâmica entrou em sua vida por acaso, quando conheceu a artista Maria dos Matos, também ceramista, que morava perto de sua casa, em João Pessoa. "Quando me encontrei com a cerâmica, tive a nítida impressão de estar descobrindo um tesouro escondido. Senti uma alegria e uma paz instantâneas, como se tudo que eu estivera procurando há muito tempo, estivesse afinal ali, em minhas mãos", lembra a artista.

    O trabalho se intensificou a partir de uma viagem para Israel, onde trabalhou em um atelier no kibutz Brohr Chail, que abriga muitos brasileiros. "Fui para Israel para acompanhar meu marido, na época o pintor Flávio Tavares, que havia sido convidado para uma exposição individual", conta Gina. "Nessa época meu interesse pela cerâmica era puramente estético. Um deleite para meus sentidos. Acho que justamente por isso, o aprendizado fluiu natural e instintivamente", diz. O resultado é um tipo de escultura que mistura elementos multiculturais, com formas arredondadas que Gina Dantas relaciona aos potes de barro e moringas muito utilizadas nas casas do interior do Nordeste. Utensílios que ganham vida e graça nas mãos da artista. O colorido vem da técnica engobe, um tipo de argila em estado líquido que pode ter várias tonalidades e é usado na decoração das peças.

     

     

    Para Roberto Ruggiero, especialista em arte popular contemporânea, não se pode designar a cerâmica de Gina como arte popular. Para ele, trata-se de um trabalho moderno e minimalista com influências da arte chinesa, da cerâmica mochica e também algo da art déco. "Gina bebe em várias fontes míticas e o resultado é um amálgama muito original, onde prevalece a beleza, o senso de proporção e a elegância contida", afirma ele. "Eu a conheci  há uns sete anos, quando visitei o atelier do artista Flávio Tavares, com quem ela foi casada, vi um pequeno trabalho de sua autoria e me interessei em conhecê-la. Nessa época Gina era muito pouco conhecida em João Pessoa e fiquei muito impressionado com o que ela fazia. Como iria participar do Salão de Arte e Antiguidades do clube A Hebraica, na capital paulista, poucos meses depois, encomendei cerca de 10 peças da artista e vendi todas", lembra. Gina participou de várias mostras organizadas pela Galeria Brasiliana, também em São Paulo, especializada em arte popular contemporânea e coordenada por Ruggiero. "Seu trabalho se comunica imediatamente com o público. A expressão de bonomia é uma de suas características", completa o galerista.  

     

     

    O MITO DO AMOR Em O banquete, Platão (428-348 ou 427-347 a.C.), reproduzindo o relato feito pelo dramaturgo Aristófanes (450-388 a.C.), conta que originalmente os humanos possuíam os dois sexos ao mesmo tempo. Certa vez, quando tentaram subir o Monte Olimpo, morada dos deuses, tiveram como castigo a eterna separação dos sexos, que os condenou a buscar eternamente pela sua metade. São esses seres híbridos que aparecem na obra de Gina. "Quando o ser humano consegue equilibrar o lado masculino e o feminino este híbrido aparece", acredita. Ela também cria híbridos de homens e animais para expressar a ligação do homem com a natureza, reafirmada nos títulos das obras, como Mulher pássaro. "Faço questão de presentear as pessoas com um pouco da lembrança do que verdadeiramente somos, parte da natureza", diz. A mulher é tema frequente nas esculturas, ora angelical em atitude contemplativa, ora enfeitada e com seios à mostra.

     

     

    A obra da artista já foi comparada também à cerâmica pré-incaica do povo Moche, antigos habitantes da costa norte do Peru. A cerâmica mochica é uma das mais famosas do mundo, principalmente pelo forte apelo sexual de algumas peças. São vasos esféricos, coloridos, representando formas humanas, animais e cenas da vida cotidiana.

    "Fico lisonjeada que alguém tenha encontrado essa semelhança. Estou longe de realizar algo tão perfeito", diz Gina. "O que faço na minha cerâmica não é consciente, acredito que somos fruto do que vimos, sentimos e vivemos. Minha missão, como artista, é levar beleza, alegria, leveza e transcendência para os lugares onde passo", finaliza. Missão bem sucedida.

     

    Patrícia Mariuzzo