SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.62 número2 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.2 São Paulo  2010

     

     

    ARTE, MODA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: PERMEABILIDADE E EXPERIMENTAÇÃO

    Soraya Coppola

     

     

    Aurbanização do "corpo" moderno originou-se do processo conflituoso entre a objetivação do sujeito versus a estilização da individualidade no século XIX, formando-o a partir do desenvolvimento da cidade, que era o meio, a forma, o espaço e a representação da cultura, das artes e das relações múltiplas destas com o universo socioeconômico e político de sua época. Na cidade moderna, o sujeito pode ser visto através do fenômeno da moda (costumes, vestuários, os códigos de vestir, sua circulação e consumo), "objeto de compreensão das representações que traduzem as posições e os interesses dos atos sociais e que descrevem a sociedade tal como pensam que é ou como gostariam que fosse" (1).

    A cidade e os aspectos sociais, políticos, econômicos e artísticos vêm se apresentando como pano de fundo (não menos importante) de diversas discussões quanto à formação do sujeito moderno. Devemos vê-la não somente como um invólucro ou a concentração de produtos, mas como uma produção social, econômica e artística por si só.

    No século XX, os movimentos artísticos de vanguarda, a moda e a arte se aproximaram, quando, segundo Florence Muller (2), o artista se apropria da ideia do vestir e a moda se apropria da arte. Mas as afinidades entre arte e moda podem corresponder a atitudes bem diferenciadas, como repensar a vida através da roupa, criar sinergias entre moda e arte para dar alma à indústria ou empregar o vestuário como suporte de expressão artística, para criar novas propostas.

    A questão é que o vestuário, como estrutura, fora do contexto cotidiano e de sua função social identitária, é uma expressão bem definida, nada casual ou sem intenções.

    Como a arte, pode expressar ideologias e críticas. Isto pode ser confirmado ao observarmos o desenvolvimento da modernidade e da pós-modernidade, onde novas atitudes transformaram completamente o status da arte e da moda.

    As ações dos artistas desde o último metade do século XIX, numa tentativa de romper com a hierarquia entre as artes liberais e mecânicas, desenvolveram um perfil particular da arte, denominado design, partindo da arquitetura e envolvendo todas as produções associadas à ela. O mundo passou a ser percebido através de sua tridimensionalidade e, nesse sentido, as técnicas tradicionais, bi ou tridimensionais, foram sendo pensadas de modo inusitado, ganhando formas, volumes e funções antes não experimentados.

    As roupas, bem como os tecidos, foram uma das tipologias de suporte escolhidas, expostos ou vestidos (3), que levavam uma mensagem nada inocente, definiam uma posição nada usual, apresentavam uma nova forma de expressão. Nas manifestações dadaístas, por exemplo, havia uma abordagem com reflexão teórica e técnica, em uma manifestação contra a dominação da alta-costura parisiense, fútil e elitista, defendendo uma roupa que exprimisse um ideal de vida.

    Em 1903, a "Wiener Werkstatte" (4) une pintura, arquitetura, escultura e artes aplicadas, criando, como Josef Hoffmann, roupas e bijuterias de acordo com seus projetos arquitetônicos ou Gustav Klint, que desenha os tecidos e vestidos, relacionando modelagem e estampas têxteis ou, mais diretamente ligado à moda, Raoul Dufy (associado com Paul Poiret) que desenvolve padrões têxteis inusitados.

    Giacomo Balla, na primeira metade do século XX traduz em tecidos as linhas futuristas da velocidade, associando forma-humor, ritmo-cor, produzindo gravatas confeccionadas com materiais diversos, tais como plástico, papelão ou madeira, ornamentadas com lâmpadas elétricas associadas aos movimentos eletrizantes da conversação, acreditando que o vestuário deveria reposicionar o indivíduo no espaço urbano favorecendo a comunicação. Balla não poderia imaginar que sua ideia seria efetivamente desenvolvida e tomada como tendência no final do século XX, através da permeabilidade entre arte, moda, ciência e tecnologia, inseridas no desenvolvimento dos tecidos.

    Mas essa realidade somente é possível dentro de uma noção de arte total, como o foi pensado no final do século XIX, no sentido em que, na criação artística contemporânea, favoreça a reaproximação entre arte e a vida, entre a criação e a modernidade científica, entre concepção e fruição. Associar moda e arte, e pensar a ciência e a tecnologia envolvidas nesse processo de criação, apesar dessas áreas possuírem estruturas diversas, apesar de se desenvolverem separadamente, é perceber que seus caminhos no mundo contemporâneo se fazem de modo paralelo, podendo permear-se entre si, produzindo objetos inusitados, proporcionando experimentações novas.

    Os têxteis sempre foram uma tipologia de produto que permitiu a confluência dessas áreas. Se pensarmos a origem da tecnologia (5) veremos que ela acompanha a história dos tecidos desde a Antiguidade, quando ferramentas foram criadas numa tentativa de extensão das mãos humanas, visando a criação de produtos que condiziam com a realidade artística, social e econômica da época.

    O uso das fibras têxteis naturais, orgânicas, vegetais (algodão, linho, canapa) e animais (seda e lã), hoje processo comum e acessível a todos, levou, na verdade, milhares e milhares de anos (6) para serem desenvolvidas. Para tal uso foi necessária a concorrência do desenvolvimento de meios para essa produção: instrumentos e técnicas.

    Da Antiguidade à Idade Média, a fiação sofrerá algumas evoluções, passando do fuso manual, ao torno manual (roca) e ao torno de pedal. No Renascimento, o pedal será aperfeiçoado e uma abertura em forma de "U" (voador) completará o fuso. Posteriormente, até o século XVIII as forças motrizes farão a diferença na produção, com a utilização dos animais e da água.

    Os teares sofrerão menores transformações até o século XVIII, sendo a produção dos tecidos de algodão a responsável pela maior parte do desenvolvimento mecânico durante o século XVIII (7). O século XIX trará, efetivamente, a mecanização total à produção dos tecidos, através de processos contínuos, conseguidos com o esforço conjunto das áreas da mecânica, da química e do design.

    Vemos então que, ao estudarmos a história dos tecidos temos a possibilidade de verificar dois eixos principais: a história da tecnologia e a história da arte, dos ornamentos, do design.

    No universo contemporâneo, o homem assume o espaço da cidade domina o próprio corpo no espaço circundante através do desenvolvimento de estruturas de vestuário que permitem uma nova relação, conjugando volume e construção, arte e moda, design e moda, moda e tecnologia.

    A textura será a nova meta. Após a Era da Química, iniciada no final do século XIX e efetivada na primeira metade do século XX, responsável pela inserção de novas fibras, artificiais e sintéticas (8), o universo têxtil sofreu grande transformação. As pesquisas são desenvolvidas em áreas de grande tecnologia (inicialmente industrial e aeroespacial, posteriormente militares e esportivas), fazendo surgir, na segunda metade do século XX, a Era da Ciência e do Conhecimento, na qual os avanços tecnológicos, a arte e os tecidos efetivaram estreito diálogo, associados aos novos conceitos incorporados à fisiologia do vestir e ao aspecto do vestuário.

    As pesquisas na nova Era da Tecnologia do século XXI acontecem nas áreas de biotecnologia, comunicação, ergometria, robótica, genética, nanotecnologia, entre outros, visando conceitos como funcionalidade, comunicação, personalidade, praticidade, saúde e proteção. Associada à moda, se apropria daquilo que no vestuário é fundamental: o movimento.

    A moda se torna o elemento unificador para compreender a transformação da cultura contemporânea, como fragmento do mundo pós-moderno, através da fluidez da identidade, ou seja, da formação de um sujeito sem identidade fixa, com personalidade instável, que usa a ciência como acessório. Se a partir dos anos 1990 a moda usa a linguagem da arte, evidenciando o cruzamento das áreas, horizontalizando as artes gráficas, a arte, a moda e o consumo, contemporaneamente, a tecnologia associada à moda se apresenta, como estilo (como contaminação, confluência, como mistura e sobreposição) ou como micro estilos, ou seja, tendências que se anulam ou se contradizem contemporaneamente aos estilos.

    Um exemplo significativo da fruição entre arte, moda e tecnologia é a utilização de LEDs(9) na construção de estruturas e significados, tendências e identidades móveis, enfim, contemporaneidade, numa proposta de movimento, de velocidade, da fragmentação da vida pós-moderna. Na arte essa tecnologia também vem sendo utilizada, associada ao design e à moda, como nas obras de Makoto Tojiki, que conjuga forma, corpo e luz, acreditando que "as mensagem convertidas em produtos mude o modo das pessoas olharem as coisas […] que traga um sorriso no rosto das pessoas quando elas encontram minha mensagem" (10).

    A tecnologia e os tecidos podem estar associados, por exemplo, à nanotecnologia (11) (resistentes às manchas), à saúde, bem-estar e conforto (tecidos elásticos, que absorvem e repelem o suor ou anti-bactericidas), à comunicação (tecido Skin).

    Enfim, a experimentação da tecnologia através da arte e da moda tem sido o grande eixo conversor dessas áreas, trazendo para as ruas e galerias uma proposta de diálogo, interdisciplinaridade e desenvolvimento, onde o conforto e praticidade da vida contemporânea se tornam prioridades.

     

    Soraya Aparecida Álvares Coppola é especialista em conservação e restauração de bens culturais móveis (pintura, escultura, papel, cerâmica, pedra, tecido, tapete e arazzi); especialista em educação, pesquisa e ensino da arte; restauradora têxtil e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG )e Centro Universitário Una (Unatec). Email: sorayacoppola@yahoo.com.br

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

    1. Roche, Daniel. La culture des apparences: une histoire du vêtement : (XVIIe-XVIIIe siècle). Paris: Fayard. 1990.

    2. Muller, Florence. Arte e moda. São Paulo: Cosac & Naify. 2000.

    3. Temos diversos exemplos, tais como a exposição de "Kunstlerkleid" (roupa do artista), em Krefeld e as ações dos dadaístas, que usavam trajes extravagantes em ações anticonformistas.

    4. De 1903 a 1932, associou artistas de áreas diversas, que produziram arte tendo como objetivo comum colocar todas as facetas da vida humana em um único objeto de arte.

    5. Tecnologia, originário do grego, é um termo que envolve o conhecimento técnico e científico e as ferramentas, processos e materiais criados e/ou utilizados a partir de tal conhecimento. Dependendo do contexto, a tecnologia pode ser: as ferramentas e as máquinas que ajudam a resolver problemas; as técnicas, conhecimentos, métodos, materiais, ferramentas, e processos usados para resolver problemas ou ao menos facilitar a solução dos mesmos; um método ou processo de construção e trabalho (tal como a tecnologia de manufatura a tecnologia de infraestrutura ou a tecnologia espacial); a aplicação de recursos para a resolução de problemas; o termo tecnologia também pode ser usado para descrever o nível de conhecimento científico, matemático e técnico de uma determinada cultura; na economia, a tecnologia é o estado atual de nosso conhecimento de como combinar recursos para produzir produtos desejados (e nosso conhecimento do que pode ser produzido). A tecnologia é, de uma forma geral, o encontro entre ciência e engenharia. Sendo um termo que inclui desde as ferramentas e processos simples até as ferramentas e processos mais complexos já criados pelo ser humano.

    6. Antropólogos acreditam que, por milhares de anos, o homem viveu sem a preocupação com o vestuário, pois seu corpo era coberto com uma densa camada de pêlo (500.000 a 30.000 a.C), sendo que a partir do Paleolítico Superior (30.000 a.C) o homem passou a utilizar folhagem, peles (curtidas) e pelos de animais para produzir estruturas que utilizava para revestir o corpo e se proteger. Por um longo período não conheciam fiação ou tecelagem, usando, para a junção das peças, cordões de fibras vegetais, tiras de pele, tendões de animais, crinas, rabos de cavalos, nervos e garras de animais. Os instrumentos de costura eram confeccionados com espinhos, ossos e pedras perfuradas. Por volta de 5.000 a.C., no Neolítico, já podemos encontrar alguns produtos têxteis produzidos a partir do entrelaçamento de fibras. O que pode ter começado por um instinto casual, logo se tornou uma forma organizada e complexa.

    7. Resumidamente, com a criação da lançadeira rolante (1700), a voadora (1733), a estiragem por meio de cilindros (c.a.1760), a máquina de fiar algodão com 8 fusos (1764, James Hargreaves), chamada "mulejune" ou "janet" (em 1800 passou para 120 fusos); o filatório hidráulico (1769, Arkwright), cujo advento conduziu à obtenção de um fio mais regular e, consequentemente, de maior resistência para uso, inclusive, na urdidura; a patente de cardas, passadores, maçaroqueiras e filatórios (1775, Arkwright); o primeiro filatório "selfacting" (1779, Crompton); o tear mecânico experimental (cart-wright), 1785; o tear mecânico prático a vapor, 1789; o descaroçador de serra, 1794; o registro do tear jacquard (1806); o filatório de anéis ou rings (1828, John Thorp); o registro do filatório intermitente "selfacting" (1830, Richard Roberts); o registro do primeiro filatório contínuo de anel (1880); o registro do tear "northrop" (1894).

    8. Artificiais, desenvolvidas a partir de compostos orgânicos associados a compostos químicos. Sintéticas, produzidas completamente com compostos químicos.

    9. LED sigla para Light-Emitting Diode. Introduzidos nos anos 1960, são uma fonte semicondutora de energia. O CuteCircuit, um escritório de design de Londres, desenvolveu o Galaxy Dress, onde são inseridos mais de 24.000 LEDs que funcionam à bateria por mais ou menos 1 hora. (www.cutecircuit.com)

    10. http://www.makototojiki.com

    11. O objetivo da nanotecnologia é transformar as características físico-químicas dos materiais e elementos tradicionalmente conhecidos. A nanotecnologia refere-se a uma tecnologia que manipula a matéria na escala de átomos e moléculas. A nanotecnologia possibilita a fabricação de produtos com características diferenciadas ao manipular a estrutura molecular, alterando a geometria ou "arquitetura" da composição das moléculas dos materiais. A partir dessa modificação geométrica, os elementos adquirem características físico-químicas diferentes das "tradicionais", ou seja, diferentes daquelas conhecidas no tamanho em que aparecem na natureza. "Nanotecnologia: conhecer para enfrentar os desafios". Nota Técnica, nº 76, out/2008. Dieese. In: www.dieese.org.br