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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.2 São Paulo  2010

     

     

    CINEMA

    Final da Belle Époque marca novo rumo no mundo da moda

     

    Cinema e moda andam juntos desde que as estrelas de Hollywood nasceram. Ambos são reflexo – ou vitrine – de sua época e trazem à tona elementos estéticos que influenciam e são influenciados pela sociedade. Dois filmes recentes trazem novas perspectivas sobre a revolução na história da moda, centrando os olhares sobre a Belle Époque, período que vai do final do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial. Gabrielle Bonheur "Coco" Chanel, ícone da moda feminina, em filme dirigido por Anne Fontaine (Coco avant Chanel, França, 2009) e Chéri, estrelado por Michelle Pfeiffer e dirigido por Stephen Frears (2009).

    A biografia de uma dos maiores estilistas de todos os tempos evidencia a simbiose entre a arte das imagens e a arte dos corpos em movimento. O filme mostra tanto a figura pública de Coco Chanel, dona de uma das mais influentes maisons francesas de todos os tempos, quanto a vida pessoal da mulher que se tornaria sinônimo de moda feminina moderna. Chanel libertou o corpo feminino das saias rodadas e roupas bufantes – iniciado por Paul Poiret, que decretou o fim do espartilho – e ainda libertou a alma feminina ao lhe proporcionar, através de suas criações, o movimento e a seriedade que antes era direito somente dos homens. "Chanel não via o corpo apenas como base para adereço, mas como movimento. E suas roupas favorecem o movimento da mulher", explica Jô Souza, pesquisadora e professora de moda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Nesse ponto Channel foi libertadora: ela deu à mulher não só movimentos do corpo, mas também social, propôs uma igualdade entre homens e mulheres através do vestuário."

    No filme, o olhar crítico de Chanel é acompanhado pela câmera. Suas referências estavam lá, desfilando no dia a dia – os listrados azuis do uniforme dos marinheiros, os tailleurs ainda em forma de ternos exclusivos dos homens – prontos para serem remodelados e ganharem as ruas por meio das mulheres libertas de uma posição de submissão. Sua história é a história do final de uma época. Antes de Chanel as mulheres ainda estavam presas a uma concepção típica do final da Belle Époque, onde o corpo feminino era tratado como uma peça decorativa.

     

     

    E é exatamente o final desse período que é o foco de outra obra cinematográfica lançada no início deste ano no Brasil: Chéri. "As mulheres nessa época estavam ornamentadas, quase se confundiam com a arquitetura, os móveis, o jardim. É tudo pesado, há uma ornamentação excessiva, quase rococó, nas estamparias", observa Jô. Além disso, pontua a pesquisadora, as roupas femininas eram compostas de camadas, sobreposições infindáveis de peças, quase uma metáfora da estrutura social do final do século XIX. "Era um estilo pomposo e típico de uma sociedade elitizada. Se vestir no estilo Belle Époque também significava ter criados para ajudar, a amarrar o corselette – peça que afinava a cintura e a silhueta feminina – o que ficou mais difícil após a Primeira Grande Guerra", explica Dhora Costa, professora do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

    Já Chanel vive o final da primeira Grande Guerra. Suas criações são econômicas, como a época que viveu. Os tecidos mais "pobres" são revalorizados, os cortes são simples e práticos. "É uma espécie de mistura entre chique e pobre, onde o material pode ser simples, mas a forma o valoriza. Chanel enfatizava isso: ela não fazia moda, fazia estilo", enfatiza Jô.

    Para vislumbrar a época contemporânea à Chanel, Jô faz paralelo com um clássico do cinema, dirigido por François Truffaut, Jules et Jim (França, 1962). "O filme de Truffaut se passa em dois tempos, antes e pós Primeira Guerra. E é nítida essa mudança da sociedade e das roupas nesse curto período de tempo. Chanel é parte dessa mudança também, e a traduz em formas."

    O visual que se vê após o ápice de Chanel (já sinônimo da maison e de um estilo) foi registrado no cinema também, especialmente nos clássicos do período de "star system" hollywoodiano. Marlene Dietrich, por exemplo, abusava da androgenia proporcionada pelas roupas da era "pós" Chanel. "Dietrich foi o ícone do la garçonne, um estilo de se vestir um tanto masculinizado. Ela também popularizou algo que Chanel introduziu e que não existia até então: o uso de calças compridas pelas mulheres no dia a dia", observa Dhora. O legado de Chanel, aliás, foi tão absorvido pelo cotidiano que, não coincidentemente, ainda é sinônimo de elegância clássica e moderna.

     

    Enio Rodrigo Barbosa