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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.2 São Paulo  2010

     

    PÚBLICO/PRIVADO

    MECENATO GARANTE PROGRAMAÇÃO DE QUALIDADE

     

     

    O apoio financeiro estatal ou particular a atores, escritores, músicos e artistas em geral, tradicionalmente conhecido como mecenato, existe desde a Antiguidade, passando pela aristocracia que financiava músicos como Bach e Beethoven, nos séculos XVII e XVIII, até os dias de hoje. Trata-se de uma referência a Caio Mecenas, conselheiro do imperador romano Otávio Augusto, que formou um círculo de intelectuais e poetas no primeiro século antes de Cristo, e sustentou sua produção. No Brasil de hoje, embora a cultura pareça estar em segundo plano em relação a outras prioridades, como a educação e a geração de empregos, têm sido expressivos os investimentos tanto públicos quanto privados, especialmente na criação e manutenção de centros de cultura e lazer.

    Os primeiros anos da redemocratização no país foram bastante significativos nesse sentido. O Serviço Social do Comércio (Sesc), que já vinha investindo regularmente em cultura desde o início da década de 1980, com pequenas produções locais em cada estado, implantou uma política nacional e começou a apostar em espaços para teatro, dança, música, cinema, literatura e artes plásticas. Também surgiram, no final daquela década, espaços como o Itaú Cultural e o Centro Cultural Banco do Brasil. No início da década seguinte, outro banco privado investiria na criação de duas importantes instituições culturais: o Instituto Moreira Salles e o Espaço Unibanco de Cinema. E, em 1998, é a vez da indústria investir na criação do Centro Cultural Fiesp, que reúne o Teatro e a Galeria de Arte do Sesi (Serviço Social da Indústria). Esses centros se espalharam pelas principais capitais do país, principalmente do Sul e do Sudeste – além da capital federal e de outras cidades, como Santos (SP) e Poços de Caldas (MG). Já os espaços culturais do Sesi e do Sesc estão em todos os estados brasileiros.

     

     

    Também é do início dos anos 1990 a Lei Rouanet, que dá incentivo fiscal para empresas privadas que investem em projetos culturais. Esse mecanismo permite que o empresariado faça algo semelhante ao que se vê atualmente na "onda verde" das propagandas de bancos e petrolíferas: o marketing cultural. O setor privado vende a imagem de apoiador da cultura e, em troca, reduz uma parcela da sua carga tributária federal. Indiretamente, é como se fosse a antecipação de um investimento público, aplicado em cultura antes mesmo de ser arrecadado.

    Tanto o Itaú Cultural, com seu acervo de artes visuais e sua programação musical, quanto o Instituto Moreira Salles, com suas exposições, são mantidos com a destinação de parte do lucro dos bancos Itaú e Unibanco para a área cultural. Mas seus projetos, principalmente os que envolvem parcerias que estendem o acesso às obras para outros espaços, podem se beneficiar da Lei Rouanet. O Itaú Cultural, por exemplo, já fez quase uma centena de parcerias com secretarias municipais, estaduais, organizações não-governamentais e TVs educativas. "São parcerias com instituições com políticas semelhantes às nossas, parcerias de vontades. Mas nenhum parceiro participa financeiramente. Todo o recurso vem do banco Itaú, que se beneficia, em cada projeto, da Lei Rouanet", afirma Ana de Fátima Sousa, gerente de comunicação do Itaú Cultural.

    Os espaços culturais do Sesi e do Sesc e suas respectivas programações também são mantidos, na grande maioria, por recursos privados da arrecadação compulsória de suas entidades associadas da indústria e do comércio, prevista em lei, também destinada a educação, saúde e esporte. E a expertise na elaboração de projetos que possam se beneficiar de incentivos fiscais também começa a ganhar espaço no setor industrial. O Sesi lançou em 2007 um guia em quatro volumes para estimular seus associados a assumir a responsabilidade social de investir em cultura e perceber os benefícios econômicos e sociais desse investimento. O guia, que apresenta leis de incentivo à cultura em todas as esferas públicas e explica como viabilizar projetos culturais, detalha, passo a passo, todas as etapas envolvidas na submissão de um projeto ao amparo da Lei Rouanet. Em 2008, no entanto, as entidades do chamado sistema "S" temeram o comprometimento de sua programação com as mudanças na arrecadação e destinação de recursos, quando o governo federal decidiu criar o Fundo Nacional de Formação Profissional Técnica (Funtec) e priorizar o ensino profissionalizante.

    "A preocupação com a queda da receita era procedente. Porém, a pressão social foi grande, o que desaguou no acordo que alterou os regulamentos das entidades, dispondo sobre a aplicação do percentual de participação da arrecadação em gratuidade para educação. A questão do investimento em cultura para o Sesc e o Sesi ficou preservada porque, para essas entidades, o atendimento em cultura de forma gratuita é computado como atividade socioeducacional, atendendo e mantendo, portanto, o objetivo do Estado. A mudança maior foi para os 'S' de educação profissional (Senac e Senai), que tiveram 66% de sua arrecadação destinada à educação gratuita até 2014, situação que as entidades concordaram porque as mantiveram em seu rumo inicial, e a sociedade, com certeza, irá agradecer", conta Álvaro Salmito, diretor de planejamento e desenvolvimento do Departamento Nacional do Sesc.

    Para manter uma programação cultural de qualidade, além dos financiamentos públicos das leis de incentivo e dos recursos privados dos bancos aos quais estão ligados ou das empresas da indústria e do comércio, esses centros contam com profissionais altamente especializados em seus quadros. "Na produção, os especialistas vêm de gravadoras, produtoras de cinema; na comunicação e divulgação, há jornalistas, designers; nos eventos educativos, há educadores culturais", aponta Ana, do Itaú Cultural. No Sesc, não é diferente. "Os profissionais que trabalham envolvidos em programações culturais são técnicos especializados (graduados e pós-graduados) em artes cênicas, música, artes plásticas, cinema e literatura", revela Salmito, do Sesc.

    Além de atender a trabalhadores do comércio e usuários associados, a programação cultural das diversas unidades do Sesc atinge um amplo público. Entre os inúmeros projetos já realizados, o diretor de planejamento e desenvolvimento destaca o Palco Giratório, que envolveu a circulação e o intercâmbio de grupos de teatro de todo o país; o Sonora Brasil, voltado para grupos alternativos de música sem espaço no mercado comercial; e o Arte Sesc, que circula por todos os estados exposições de artistas plásticos brasileiros contemporâneos.

    Já o Itaú Cultural, além de seu Programa Rumos, que inicialmente apoiava a produção de músicos e cineastas, e atualmente se espalhou para atividades intelectuais de escritores, educadores, pesquisadores e artistas de todo o país, tem entre suas principais contribuições para o público uma Midiateca aberta à visitação física e uma Enciclopédia Digital sobre artes visuais, literatura e teatro que pode ser consultada pela internet. Curiosamente, o público virtual, entre 800 mil e 1 milhão a cada mês, contraria a lógica da jovialidade da maioria na web. "O público que vem ao Itaú Cultural é, na maioria, o adulto jovem entre 18 e 35 anos. Já na internet, é mais misto. Tem desde a criança até o idoso acessando a Enciclopédia", revela Ana.

     

    Rodrigo Cunha