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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.2 São Paulo  2010

     

    ARTE CONTEMPORÂNEA

    THOMAZ PERINA: UM ARTISTA QUE PINTOU PARA TRABALHADORES

     

     

    O documentário Eu quero o mínimo para falar traz à cena artística um dos grandes nomes da pintura contemporânea paulista, que morreu sem ter seu valor plenamente reconhecido: Thomaz Perina, um pintor autêntico na forma de fazer arte e pensar Campinas, ou melhor, representar a Vila Industrial, bairro deste município paulista onde, no início do século passado, moravam os ferroviários e trabalhadores da indústria emergente. Humildade e simplicidade talvez sejam as palavras recorrentes em nossos pensamentos ao ouvi-lo contar suas histórias. Um homem que talvez não tenha tido a dimensão de sua importância no cenário cultural paulista durante a vida, interrompida em 2009, aos 89 anos, vítima de câncer.

    Essa produção cinematográfica foi realizada sob direção de Camilo Cassoli, com pesquisa da historiadora Sonia Fardin, durante o processo de catalogação do acervo para a criação do Instituto Thomaz Perina, e mostra um pouco de seu ateliê, de sua casa e de seu cotidiano. Perina nasceu em Campinas e foi artista autodidata – como ele próprio se define no documentário. Professor e um dos fundadores do Grupo Vanguarda (1958 -1966), participou da fundação do Museu de Arte Contemporânea de Campinas (1965), e realizou a ornamentação arquitetônica do Centro de Convivência Cultural de Campinas.

     

     

    De seu surgimento artístico podem se contar belas histórias. O menino que desenhava na rua, com pedaços de carvão da cozinha, para alegrar a volta à casa dos trabalhadores da ferroviária. No documentário, ele relembra que, aos 8 anos de idade "... comecei a pintar na rua. Já era vaidoso... Eu via os operários da Mogiana, que saíam às 4h30, primeiro passavam na minha rua por que sabiam que estaria toda desenhada com carvão – de cozinha, carvão do fogão. Aí, então, quando dava 4 horas eu ia lá na rua desenhar por que achava que tinha um compromisso, por que vinha gente ver". Surge assim a relação, que permeará vida e obra, com a Vila Industrial, bairro onde nasceu e de onde nunca saiu.

    Com espírito aberto a aprender e se modificar com cada experiência, seu desenvolvimento artístico acompanha o desenrolar de sua vida. Com pouco mais de 30 anos, em 1951, a ida à I Bienal de São Paulo provocaria uma transformação em sua arte. É seu primeiro contato com obras de Picasso e Max Bill, fato que o faz parar de realizar exposições por dois anos até reestruturar o seu fazer artístico. Sete anos depois, participa da fundação do Grupo Vanguarda, cujo objetivo era assegurar espaços de experimentação de arte contemporânea em Campinas. A experiência acabou gerando, também, um diálogo maior entre os artistas, perpetuando memórias afetivas em suas trajetórias de vida.

    ARTE CONCRETISTA Parece curioso que Perina tenha escolhido a forma contemporânea para expressar sua relação com o passado, seus afetos e sua identidade. Uma expressão artística normalmente pouco relacionada com afetividades, de difícil acesso intelectual, da qual o pintor se serve para estruturar seu discurso pessoal. Palavras como saudade e memórias são pano de fundo para as histórias contadas pelo artista, que mistura um toque de orgulho ("todo artista é orgulhoso, vaidoso") com uma sobriedade que nos deixa a dúvida se é consequência de uma simplicidade muito grande ou de um horror ao glamour presente no mundo artístico.

    Todo artigo a respeito de Thomaz Perina vem acompanhado da inevitável descrição do seu bairro do coração, a Vila Industrial. Não é possível falar de sua obra sem falar do local de sua moradia, que identifica fortemente a maneira pela qual o artista se comunica com o mundo. São árvores, ruas, esquinas e casas que constituem o seu objeto artístico essencial. Uma reprodução de memórias e afetos ligados a cada momento histórico desse lugar.

     

     

    DISCURSO ARTÍSTICO SIMPLES Criador de uma estética única, com o uso do segmento de reta e do círculo, que são os elementos finais e essenciais de sua obra, Perina consegue ser simples, sintético, sem excessos. O discurso artístico simples é o mais difícil de ser atingido. A redução do supérfluo exige maturidade e desapego ao detalhes e é assim que Perina se coloca no cenário artístico: reduz seus elementos representativos até o fundamental, sem, com isso, perder qualquer aspecto sentimental.

    O vídeo consegue captar o espírito de seu ateliê, uma coletânea de saudade, muito similar ao que remete um passeio, hoje, pelas velhas construções do bairro. "Como a Vila, cenário das transformações urbanas que a cidade sofreu ao longo do século passado, Thomaz Perina é um dos protagonistas de uma geração marcada pelas mudanças aceleradas no cenário urbano e na vida política, econômica e cultural da cidade. Os traços e as formas criadas por esse artista autodidata refletem as tramas de seu tempo, traduzem as cenas e os personagens de sua cidade", define Sonia Aparecida Fardin, então diretora de Turismo e G.T. Memória, comentando a obra de Perina no catálago do Macc.

    "A solidão está presente em todos os meus trabalhos e é expressa pela falta de policromia, pela reducão da cor a um estado quase neutro, pois na realidade sou uma pessoa sozinha". É assim que se via o próprio artista no mesmo catálogo. Para quem o conheceu pessoalmente, fica o encantamento com a pessoa simples e generosa, e a grande admiração pelo artista, que ainda não teve o reconhecimento que merece.

     

    Marina J. Berriel é doutoranda em história da arte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaborou para a pesquisa da obra e depoimentos do artista para o catálogo do museu, em 2003.