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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.3 São Paulo  2010

     

     

    QUÍMICOS PARA UM BRASIL COMPETITIVO

    Vanderlan da S. Bolzani

     

     

    Uma visão otimista sobre a situação do país na área de química apontaria os ganhos conquistados nas últimas décadas no plano educacional, no qual se registra uma importante evolução no ensino superior. Esses avanços, obtidos graças às ações de sucessivos governos, mostram o expressivo aumento do número de cursos de química, a ampliação do número de vagas e de concluintes, assim como a formação de uma estrutura de pós-graduação que permite ao país, se não equiparar-se aos desenvolvidos, pelo menos atender de forma eficiente suas próprias necessidades.

    Tal cenário é parte de um quadro maior, onde os sistemas educacional e de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) convivem com uma economia em crescimento e um parque industrial químico de considerável complexidade. O conjunto do setor químico do país ocupava, em 2008, a 9ª posição na escala das economias internacionais, com um déficit em sua balança comercial de cerca de US$ 18 bilhões, que evidencia a grande dependência em insumos e produtos finais, em alguns segmentos. Após anos de números negativos, em particular nos anos 1990, nos quais se combinaram fases recessivas da economia com políticas de abertura comercial prejudiciais aos fabricantes nacionais, o setor volta a investir e vislumbra oportunidades de expansão, sobretudo na petroquímica e nas energias renováveis. Exame mais detalhado desses contornos mostra, entretanto, vários aspectos preocupantes quando se considera as demandas educacionais em consonância com uma economia que cresce a passos largos e traz muitas expectativas para o país nos próximos anos. No caso da educação, o diagnóstico de especialistas é unânime em identificar o ponto mais vulnerável da cadeia de formação de profissionais químicos como sendo o ensino fundamental e médio.

    Quando se olha para os bons números de produção acadêmica – 2,12% de toda produção mundial, em 2008 – e para o grande número de mestres e doutores formados pelas universidades, percebe-se um avanço substancial na geração de conhecimento e formação de recursos humanos. Dados apresentados pelo diretor-científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, durante a Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, que ocorreu em abril em São Paulo, mostra que o número de pesquisadores no estado passou de 25 mil, em 1995, para cerca de 50 mil, em 2008. É necessário, entretanto, fazer o contraponto entre o desenvolvimento concentrado nos estados de maior desenvolvimento do Sudeste com as outras regiões da federação.

    O país encontra-se hoje diante de um quadro rico em oportunidades que lhe permitem dar um salto qualitativo até então não conseguido em sua história. Conta com um valioso lastro de avanços tecnológicos que vêm sendo acumulados em várias áreas desde os anos 1980. Os níveis de inovação tecnológica conseguidos na agroindústria são reconhecidos mundialmente como um diferencial praticamente exclusivo. A produção de alimentos, a indústria metal-mecânica, equipamentos para transporte, celulose e papel são exemplos de segmentos que oferecem fortes componentes de inovação. O patamar alcançado pelo setor automobilístico com a fabricação de cerca de 90% de carros flex é um dado relevante nesse cenário. Assim como a produção de biocombustíveis, com destaque para o etanol, e de derivados de alto valor agregado, como matérias-primas industriais (poliésteres biodegradáveis, por exemplo) a partir da cana-de-açúcar.

    UNIVERSIDADE & INDÚSTRIA O entendimento dessa realidade, na qual a conexão entre pesquisa da universidade e indústria desempenha um papel fundamental, deve ser a base para os formuladores das políticas de CT&I dos próximos anos. No caso da química, dada sua presença, direta ou indireta, em todas as atividades econômicas, sua relevância no campo da saúde e na geração de novas respostas para a preservação da vida evidencia o papel desse setor na economia do país.

    Dados recentes sobre a evolução da produção da indústria química mundial avaliam que, nas próximas décadas, os problemas de saúde relacionados à contaminação ambiental deverão crescer em escala significativa se medidas não forem tomadas desde já (1). Com a produção química global prevista para aumentar 330% em 2050, problemas relacionados à saúde humana e à contaminação ambiental é a maior preocupação dos grandes conglomerados químicos em todo o mundo e o setor químico brasileiro não pode ficar fora desses padrões de qualificação internacional.

    Assim, a química tem um enorme desafio, qual seja, a criação de insumos e produtos finais que atendam aos dois imperativos marcantes dessa etapa da civilização: gerar riquezas e emprego com sustentabilidade. A química verde pode fornecer recomendações para o desenvolvimento de uma forma consistente de avaliação de risco, reduzindo a exposição da natureza aos resíduos industriais, incentivando processos industriais mais seguros e, com isso, garantindo uma abordagem integrada e colaborativa da química para o bem comum da humanidade.

    A concretização das perspectivas promissoras que o país tem diante de si depende também do exercício de desmontar ideias cristalizadas, como preconceitos, entre elas a de que o Brasil dedica recursos para gerar conhecimento, mas não sabe usar o conhecimento para gerar riqueza. O universo de cientistas químicos que o país comporta hoje está suficientemente maduro e poderá contribuir, sobremaneira, com o setor público e industrial, identificando novas abordagens para reduzir significativamente o impacto dos produtos químicos e dos resíduos tóxicos produzidos pelas indústrias para a saúde pública e o meio ambiente.

    PRINCIPAIS DESAFIOS Não obstante o crescimento da área de CT&I nacional nos últimos 20 anos, o país ainda enfrenta desafios de vulto se considerarmos as necessidades de investimentos em ciência fundamental e aplicada.

    É inevitável tomarmos como referência o modelo dos países desenvolvidos, onde a inovação tecnológica é fruto de um conjunto de fatores apoiados em um sistema educacional sólido, construído nos últimos séculos ao longo do desenvolvimento do capitalismo. Para os países ditos emergentes, que ganham espaço na economia mundial, o desafio consiste, porém, em encontrar caminhos que superem essa defasagem, em curto espaço de tempo. De um lado, incorporar grandes contingentes da população ao sistema educacional que evolua em qualidade. De outro, pôr em prática estratégias de investimento seletivo que potencializem as vantagens existentes em recursos naturais e especialização tecnológica.

    No caso da química, esses desafios estão delineados nas questões formuladas pelos especialistas, em particular o corpo de pesquisadores e docentes que faz parte da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), em inúmeros estudos e levantamentos estatísticos. Lembrando que as principais perguntas colocadas hoje devem ser vistas com o cuidado que respeite a complexidade do sistema como um todo. A saber: a formação em química oferecida pelo sistema de ensino superior é adequada às necessidades da sociedade brasileira? Essa formação está preparando os futuros profissionais para atuarem em um campo de conhecimento inovador, cada vez mais multidisciplinar? As disciplinas dos currículos obrigatórios estão atentas para os aspectos de sustentabilidade ambiental? Os programas atuais da graduação em química contemplam uma vanguarda tecnológica capaz de atender demandas de um setor industrial cada dia mais inovador? A quantidade dos formandos será suficiente para responder à demanda de uma economia que possa vir a crescer expressivamente nos próximos anos?

    Vale lembrar que, há alguns anos, o desafio para os especialistas consistia em formular essas perguntas. Hoje, é avançar na elaboração de respostas mais sofisticadas, exigidas por uma necessidade global de desenvolvimento sustentável. O maior desafio nacional de ciência e tecnologia é apontar soluções para os próximos anos. Talvez a tarefa mais importante neste momento seja formular um programa nacional de incentivo a alguns setores industriais de vital importância, mas que ainda carecem de investimento em pesquisa e inovação tecnológica. Entre eles o setor de novos materiais, dispositivos eletrônicos e magnéticos, entre outros, ainda incipientes num país que ostenta um parque tecnológico inovador e uma riqueza natural incalculável. O setor farmacêutico, por sua vez, demanda um olhar especial. Pela sua característica fundamentada na inovação, a indústria farmacêutica mundial é uma das áreas que mais investem em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I). No Brasil, salvo umas poucas exceções, o setor ainda é pouco competitivo, importa insumos da Índia e da China e tem baixo interesse no desenvolvimento de alternativas voltadas para os problemas nacionais, como investir em medicamentos oriundos da nossa rica biodiversidade e/ou mesmo buscar medicamentos alternativos para as "doenças negligenciáveis", um grande problema nacional. Essas questões confrontam-se com a realidade atual e devem figurar num plano estratégico de P&D do Estado brasileiro.

     

    Vanderlan da S. Bolzani é professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e membro da Royal Society of Chemistry

     

     

    REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

    1. Renner, Rebecca."California launches nation's first green chemistry program". Environ. Sci. Technol. Vol.43, p.5. 2009.