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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.3 São Paulo  2010

     

     

    ANO INTERNACIONAL DA BIODIVERSIDADE

    Até que ponto a ciência pode contribuir para a conservação da diversidade biológica?

     

    A perda de biodiversidade tornou-se uma questão central que mobiliza tanto a comunidade científica quanto o governo de diversos países, principalmente os de regiões tropicais. Os efeitos diretos relacionados à ocupação humana são potencializados por efeitos indiretos, expressos, sobretudo, por mudanças globais no clima. De acordo com artigo publicado este ano na revista Science (Vol. 328, no. 5982), os indicadores globais de biodiversidade são alarmantes. Stuart Butchart e coautores ressaltam que se deve: reverter políticas públicas prejudiciais ao meio ambiente; integrar a questão da biodiversidade ao processo de planejamento de uso da terra; incorporar o devido valor de componentes e serviços da natureza ao processo decisório; e direcionar metas e prioridades de ação. É preciso aumentar substancialmente os esforços para frear a destruição dos biomas. O fato é que a conservação de espécies ameaçadas não tem sido eficaz. Diante disso, até que ponto a ciência pode contribuir?

    No Brasil, a maior parte dos esforços de pesquisa para esse fim vem sendo direcionada à inclusão de espécies sob risco de extinção nas listas oficiais. Produzir e disponibilizar informações científicas, determinar o risco de extinção, estabelecer prioridades de ação e monitorar o estado de conservação da biodiversidade já são importantes contribuições da ciência, mas, ainda assim, insuficientes para evitar a perda de espécies e aumentar as chances de sobrevivência.

    Enquanto a demanda humana por recursos e serviços ambientais aumentou 78% ao longo dos últimos 30 anos no planeta, as populações de vertebrados diminuíram mais de 30%. Quase metade das espécies conhecidas de mamíferos, pássaros, anfíbios, répteis, peixes, entre outros, estão ameaçados de extinção e a probabilidade de sobrevivência em todos esses grupos está diminuindo a cada dia. Só nos últimos cinco anos cerca de 3% das florestas úmidas foram desmatadas, aumentando a fragmentação e o isolamento entre remanescentes. Atualmente, 471 espécies de plantas são consideradas ameaçadas de extinção no Brasil. Esse número é cerca de quatro vezes maior do que na versão anterior (1992) da Lista Oficial de Espécies Ameaçadas da Flora Brasileira, com apenas 105 registros. Mesmo assim, esses números estão longe de representar a realidade nacional.

    A construção de novas abordagens aplicadas à biologia da conservação tornou-se uma questão de extrema necessidade e urgência. A capacidade das instituições públicas e privadas depende da velocidade de geração e processamento das informações científicas, assim como da adoção de protocolos que levem em conta o contexto sociopolítico, o elevado número de espécies tropicais e a necessidade do estabelecimento de metas objetivas de ação. É preciso consolidar mecanismos político-administrativos mais eficientes e dinâmicos, que viabilizem a redução das atuais taxas de extinção.

     

     

    No Brasil, de uma maneira geral, as decisões relacionadas à inclusão ou exclusão de espécies basearam-se em um conhecimento, muitas vezes, não documentado. A falta de estratégia para a conservação da biodiversidade brasileira ameaçada de extinção foi evidenciada por artigo de Paloma de Grammont e Alfredo Cuarón na revista Conservation Biology (Vol.20, 2006). Os autores consideraram o sistema adotado pelo Brasil para a inclusão de espécies ameaçadas como um dos cinco mais inadequados dentre 25 sistemas adotados por países do continente americano. Em países megadiversos, como o Brasil, onde boa parte das informações científicas não está devidamente sistematizada, nem sempre o processo de inclusão de espécies é validado com documentação apropriada, mas se utiliza de informações fornecidas por especialistas, baseadas na interpretação de fatos.

    Apesar de limitada, a abordagem adotada no Brasil acompanhou o método utilizado até 1994, pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), só que com menor rigor. Segundo a IUCN, o processo de conservação deve ser inclusivo e participativo, integrando a contribuição dos atores envolvidos.

    Os resultados apresentados por Daniel Nepstad e colaboradores em artigo publicado pela Science (Vol. 326. no. 5958), em 2009, sugerem que zerar as taxas de desmatamento da Amazônia implicará numa redução de 2 a 5% das emissões globais de carbono. Por outro lado, representaria um investimento de até US$18 bilhões, além do que já vem sendo gasto. Um verdadeiro incentivo à difundida política do poluidor pagador, na qual danos ambientais são compensados pelo financiamento de outros projetos. Mais uma vez as conclusões são alarmantes e apontam para o difícil equilíbrio entre a conservação da natureza e o desenvolvimento econômico, responsável pelos atuais níveis de perda de biodiversidade.

    Nesse cenário, a contribuição dos cientistas constitui a base do processo de elaboração de políticas públicas ligadas à conservação de espécies ameaçadas de extinção, não apenas gerando informações que orientam decisões governamentais, como também mobilizando a sociedade e difundindo o respeito à natureza. A busca por soluções constitui-se como um dos maiores desafios da atualidade: conciliar aspectos socioeconômicos relacionados à escassez de recursos naturais com a preservação ambiental. A falta de interesse da sociedade global em mudar seu estilo de vida representa uma grande barreira, impedindo maiores avanços. Resolver esse impasse permitirá o alcance de resultados mais concretos, revertendo o quadro de perda de biodiversidade, rumo a uma economia mais sustentável.

     

    Miguel d'Ávila de Moraes é pesquisador do Centro Nacional de Conservação da Flora e coordenador do projeto Espécies Ameaçadas.