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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.3 São Paulo  2010

     

     

    NEUROMARKETING

    Uso polêmico das neurociências para aumentar consumo

     

    O debate sobre consumo consciente e a necessidade de se criarem mecanismos para reduzir a manipulação, presente na publicidade e nas ações de marketing, mas que, efetivamente, se percebe em praticamente toda a mídia, deve esbarrar num novo adversário: o neuromarketing. O neologismo que identifica uma disciplina híbrida, que combina neurociências com marketing, pretende abrir caminho para deixar empresas felizes, pois venderão mais a um consumidor plenamente identificado com mensagens ajustadas aos produtos que talvez nem imagine que deseja ter para si.

    Os primeiros estudos do que seria mais tarde conhecido como neuromarketing são ainda da década de 1990, quando o pesquisador da Faculdade de Administração da Universidade de Harvard, Gerald Zaltman, teve a ideia de utilizar aparelhos de ressonância magnética nos seus estudos em marketing. Ele possui três patentes na área, incluindo uma de neuroimagem em marketing. Outra inovação patenteada por Zaltman, o método ZMET (do inglês, "Zaltman Metaphor Elicitation Technique"), se utiliza de conhecimentos em antropologia, sociologia, psicologia cognitiva, linguística e neuromarketing. O ZMET trabalha com a produção de metáforas, símbolos e outras comunicações não-verbais, pelos consumidores, para ganhar acesso a estímulos inconscientes que determinam como suas escolhas, inclusive durante o consumo, são feitas.

    O uso de conhecimento em neuromarketing serve para compreender como os consumidores julgam subjetivamente marcas e produtos – não aquilo que dizem, mas o que "sentem". A proposta é estudar os consumidores de maneira bem mais aprofundada: ao invés dos tradicionais questionários e entrevistas, um exame de ressonância magnética, que resgata as impressões pessoais diretamente do cérebro. Ou seja, a avaliação é feita pela leitura da atividade elétrica cerebral das pessoas no momento em que são apresentadas a produtos ou marcas. É uma análise que não depende do depoimento do consumidor, que pode não falar a verdade – de fato, ele não precisa falar nada.

    Detectar a reação dos consumidores se tornou possível devido às várias pesquisas em neurociências realizadas nos últimos anos. Hoje, já estão identificadas as áreas cerebrais que respondem a estímulos relacionados ao prazer e à recompensa, assim como as regiões que são acionadas frente a estímulos que causam aversão. Além disso, existem outros tipos de respostas corporais que são detectadas nessas situações.

    Dessa forma, além de utilizar-se de equipamentos que acessam a atividade cerebral, como o Eletroencefalograma (EEG) ou a Ressonância Magnética Funcional (fMRI), existem outras maneiras de medir as reações dos consumidores a produtos – como, por exemplo, através da frequência cardíaca, da sudorese da pele, da atividade de músculos de expressão facial, da oscilação corpórea (o quanto que a pessoas se move, ou quão inquieta ela está) ou, ainda, pela determinação das atividades neuro-imuno-endócrinas, que podem ser estudadas pela detecção de moléculas e hormônios presentes nos fluidos corporais (saliva e sangue).

    NICHO BRASILEIRO E é através dessa gama de testes que a Forebrain, empresa recém-chegada à Incubadora de Empresas da Coppe/UFRJ, pretende começar a oferecer serviço de neuromarketing para empresas no mercado brasileiro. Para Billy Nascimento, um dos sócios fundadores, a área, embora ainda bastante desconhecida no mercado brasileiro, vai estabelecer-se de maneira definitiva. "Com o tempo, a tecnologia será cada vez mais assimilada e passará a ser considerada como ferramenta indispensável à área, como está acontecendo internacionalmente", diz.

    Em escala mundial, grande parte das empresas que oferecem esse serviço está localizada nos Estados Unidos. Segundo Edson Zogbi, proprietário da Polis, empresa virtual de e-commerce de conteúdos e de anúncios ligados à inovação, na Europa é a Inglaterra o destaque nessa área, "quase uma exceção, o resto corre atrás do atraso". O paradoxo, em sua opinião, é que o neuromarketing está indo contra a tendência global de diminuição do consumo.

    Uma das questões que despontam em relação ao neuromarketing é se os consumidores estão preparados para tal "desnudamento" do cérebro. Billy Nascimento, da Forebrain, acredita que sim. Para ele, os maiores desafios da nova empresa estão relacionados ao seu pioneirismo no mercado brasileiro. "Temos a responsabilidade de criar conhecimento e desmistificar informações deturpadas que surgem", diz. Segundo Nascimento, questões éticas sempre estão presentes em áreas que envolvem pesquisa aplicada. Ele acrescenta que para endereçar essas indagações, existe uma série de normas éticas formuladas por órgãos nacionais e internacionais – citando a Associação Brasileira de Estudo Populacionais (Abep), a Associação Mundial dos Profissionais de Estudo de Mercado (Esomar, na sigla em inglês) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS). Além disso, explica Nascimento, a Forebrain tem a política de não trabalhar com indústrias socialmente irresponsáveis, como tabaco, álcool e armas.

    Os riscos do mau uso de tal conhecimento preocupa o professor Dílson Gabriel dos Santos, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). "Existe uma grande discussão sobre até que ponto os estudos sobre a natureza humana, oriundos de diversas áreas como biologia, sociologia e psicologia, podem ser usados para obtenção de resultados específicos". Ele alerta que essas questões, se não forem discutidas, poderão evoluir para riscos futuros, uma vez que as pesquisas vão aumentar em muito o entendimento sobre o comportamento humano em relação ao mercado.

     

    Alessandra Pancetti