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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.3 São Paulo  2010

     

     

    A ENERGIA QUE VEM DO MAR: A HERANÇA ENERGÉTICA DO MAR BRASILEIRO

    José Antonio Moreira Lima

     

     

    O Brasil é um país com vasta extensão de costa, em torno de 8 mil quilômetros, e possui uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 3,5 mil quilômetros quadrados que pode ter acrescidos mais 911 mil quilômetros quadrados, conforme pleito à ONU (1). Essa imensa região oceânica de 4,4 milhões de quilômetros quadrados, oportunamente denominada "Amazônia azul" pela Marinha do Brasil, é fonte de vários recursos que já colaboram significativamente com a autosuficiência da matriz energética brasileira, e que poderão em futuro breve nos proporcionar outro patamar de desenvolvimento econômico e social. A autonomia energética de um país é um dos baluartes de sua autodeterminação e, nesse contexto, a energia que vem do mar é definitivamente uma forte contribuinte da nossa soberania nacional. A herança energética do mar brasileiro será aqui apresentada como os recursos de petróleo e gás presentes em seu subsolo, assim como algumas possíveis fontes alternativas de geração de energia utilizando o oceano.

    A produção marítima de óleo e gás foi equivalente a 89% da produção total brasileira em janeiro de 2010. Este é um percentual bastante expressivo, e evidencia a importância que a explotação de petróleo no leito marinho possui na matriz energética brasileira. É importante ressaltar que essa significativa produção marítima brasileira não surgiu por acaso, ela é resultado de vários anos de pesquisas e trabalhos constantes para vencer desafios logísticos e tecnológicos, empreendidos pela Petrobras e sua cadeia de fornecedores e colaboradores, que envolve empresas de serviços e bens de capital, universidades, institutos de pesquisa, dentre outros, e demonstram claramente a capacidade empreendedora do Brasil, quando objetivamente focada, em atingir metas de médio e longo prazo. A produção marítima brasileira de petróleo iniciou-se em 1954, um ano após a criação da Petrobras, em poços no campo de Dom João Mar no interior da Baía de Todos Santos, estado da Bahia (figura 1).

     

     

    Pesquisas e estudos geológicos detalhados das bacias sedimentares brasileiras indicavam o potencial de acumulações na região da plataforma continental, e o primeiro poço offshore com descoberta de óleo foi realizado em 1968 no campo de Guaricema, litoral do estado de Sergipe. Posteriormente, um grande marco para a exploração marítima brasileira foi a descoberta do campo de Garoupa em 1974 na Bacia de Campos, estado do Rio de Janeiro. A Bacia de Campos tornou-se uma das maiores províncias de produção marítima do Hemisfério Sul, e continua sendo um grande laboratório de desenvolvimento de tecnologias da Petrobras. As descobertas dos campos gigantes de Marlim e Albacora em águas do talude continental na década de 1980 obrigaram o Brasil a vencer diversos desafios tecnológicos e produzir petróleo em profundidades recordes no mundo. Mais recentemente, em 2005, foram encontrados indícios de óleo e gás na região pré-sal no campo de Parati da Bacia de Santos. Esses indícios foram confirmados em 2006 com a descoberta de óleo no campo de Tupi, confirmando o potencial da região sob espessa camada de sal que se estende desde o litoral do Espírito Santo até Santa Catarina (figura 2), denominada Província Pré-sal. O primeiro poço dessa extensa província foi colocado em produção na plataforma P-34, campo de Jubarte, litoral do ES, em setembro de 2008 (figura 3), e o teste de longa de duração (TLD) de Tupi, na Bacia de Santos, teve início em maio de 2009. De uma forma significativa, essa extensa Província Pré-sal, assim como os campos do pós-sal, contribui com a herança energética do mar territorial brasileiro.

     

     

     

     

    Além da contribuição energética do petróleo em seu subsolo, o oceano pode disponibilizar também fontes alternativas de geração de energia, através do seu gradiente térmico vertical, ondas, correntes marinhas, entre outras. Referências originais sobre o assunto foram escritas por Silva (3) e Isaacs & Schimitt (4), apresentando balanço energético dessas fontes.

    Uma característica significativa do oceano é o decréscimo de temperatura na região do termoclima principal. A figura 4 ilustra uma típica seção vertical de temperatura da água do oceano. Conforme Silva, esse gradiente térmico vertical apresenta o maior potencial de energia do oceano e poderia ser utilizado para geração de energia através de usinas térmicas que captariam a água quente da superfície e água fria do fundo, e seria utilizada uma máquina térmica com um fluido, como amônia, no circuito fechado, que muda de fase líquido-vapor na faixa de variação da temperatura do oceano, permitindo o acionamento de turbinas de geração elétrica. Alternativamente, poderia ser utilizada a própria água do mar em circuito aberto que utilizaria câmaras de vácuo para sua vaporização. Pode-se também utilizar um sistema híbrido. Esses sistemas são denominados Ocean Thermal Energy Conversion (Otec) e já foram testados em alguns locais do mundo, como o Havaí. No Brasil, Silva sugeriu um projeto em Cabo Frio devido à ressurgência. No entanto, com as tecnologias disponíveis, o rendimento de usinas Otec ainda é muito baixo e seu custo não é competitivo com outras fontes atuais de energia, mas estudos recentes demonstram sua provável futura viabilidade técnica e econômica (5,6).

     

     

    Apesar de possuir um potencial energético inferior ao gradiente térmico, a geração de energia através de dispositivos que utilizam o movimento das ondas de gravidade no oceano tem sido bastante estudada e diversos mecanismos de conversão de energia das ondas para energia elétrica estão sendo desenvolvidos. Alguns utilizam o próprio movimento orbital das partículas fluidas, outros utilizam o deslocamento da superfície livre, outros utilizam a variação de pressão do ar em câmaras devido a passagem de ondas, além de alternativas. Para o planejamento adequado de sua instalação e potencial energético, é indispensável que seja investigada criteriosamente a climatologia de ondas em regiões oceânicas, tanto através de medições diretas como através de modelos numéricos de geração de ondas utilizando forçantes atmosféricos. A figura 5 apresenta a climatologia média de ondas para o mês de janeiro na costa brasileira, utilizando resultados da integração por diversos anos de um modelo de geração de ondas (9). Como exemplo da capacidade inovadora brasileira, um dispositivo de geração de energia a partir das ondas foi desenvolvido e patenteado pela Coppe/UFRJ (10). Vários parceiros estão colaborando com o aprimoramento dessa tecnologia, e espera-se que em futuro breve o equipamento seja utilizado em escala real.

     

     

    Outras fontes de geração de energia do mar, tais como correntes oceânicas ou fortes correntes geradas por marés, vêm sendo estudadas e testes de campo estão sendo realizados em alguns países para aprimoramento de mecanismos que garantam sua competitividade econômica no médio e longo prazo, em um planeta que está preparando-se para conviver, no futuro, com o racionamento de fontes energéticas tradicionais que aumentam o volume de CO2 na atmosfera. Torna-se necessário selecionar regiões oceânicas, estuários ou rios cujas correntes permaneçam acima de limiares estabelecidos pelos equipamentos por razoável período de tempo. Modelos de circulação oceânica permitem avaliar possíveis pontos de intensificação de correntes no litoral ou estuários, que no futuro possam facilitar a instalação de dispositivos de geração energética por correntes.

    Como conclusão deste artigo, é importante ressaltar a importância do investimento em medições meteo-oceanográficas na região oceânica brasileira para garantir pleno conhecimento do seu vasto potencial energético. Esforços como o Programa Nacional de Boias (PNBoia) devem ser incentivados e apoiados de forma contínua com recursos governamentais (MCT, MME, Ministério da Defesa, Ministério da Pesca e MMA) que possibilitem sua manutenção no longo prazo, conforme é realizado em outros países. Já existem empresas brasileiras capacitadas na fabricação de casco e instalação de boias de medição e seus componentes. Na área computacional, iniciativas como a Rede de Modelagem e Observação Oceanográfica (Remo) permitirão o desenvolvimento de ferramentas numéricas de previsão oceânica (correntes, ondas, temperatura etc), assimilando os dados disponibilizados pelos programas de observação oceanográfica. Esse planejamento integrado de medições e modelos numéricos permitirá, no futuro, um amplo conhecimento da nossa região oceânica, possibilitando a utilização plena da herança energética do mar territorial brasileiro e, em última instância, colaborando com a nossa soberania nacional.

     

    José Antonio Moreira Lima é consultor sênior na disciplina Oceanografia do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo A. M. Mello (Cenpes), da Petrobras. Email: jamlima@petrobras.com.br

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. MEC – Ministério da Educação. "Geografia: o mar no espaço geográfico brasileiro". Coleção Explorando o Ensino, Vol.8. Coordenação Carlos Frederico Simões Serafim. Brasília. 304 p. 2005.

    2. Fraga, Carlos T. C. O pré-sal e seus desafios. Audiência Pública no Senado Federal, Brasília, 29p. 2008.

    3. Silva, Paulo C. M. Usos do mar. Publicação do Instituto de Pesquisas da Marinha, 38p. 1978.

    4. Isaacs, J.D. & Schmitt, W.R. "Ocean energy: forms and prospects". Science, Vol. 207, no. 4428, pp.265-273. 1980.

    5. Hurtt, J.; Pellen, A.; Nagurny, J. OTEC power efficiency challenges. Proceedings da 2010 Offshore Technology Conference OTC, Houston. Paper 20498. 12p. Maio 2010.

    6. Srinivasan, N.; Sridhar, M.; Agrawal, M. Study on the cost effective ocean thermal energy conversion power plant. Proceedings da 2010 Offshore Technology Conference OTC, Houston. Paper 20340. 13p. Maio 2010.

    7. Tanajura, C.A.S., Silva, R.R.; Ruggiero, G.; Belyaev, K.; Einsiedler, J.; Daher, V.B.; Paiva, A.M.; Martins, R.P.; Lima, J.A.M. "A rede de modelagem e observação oceanográfica (Remo): resultado preliminar de assimilação de dados altimétricos no Hycom sobre o oceano Atlântico". IV Congresso Brasileiro de Oceanografia, Rio Grande. Maio 2010.

    8. Andrioni, M.; Ribeiro, E. O.; Martins, R. P.; e Matheson, G.S.G. "Análise de campos climatológicos de ondas no oeste do Atlântico Sul utilizando resultados do WW3". VIII Simpósio sobre Ondas, Marés, Engenharia Oceânica e Oceanografia por Satélite OMAR-SAT, Arraial do Cabo. Novembro 2009.

    9. Alves, J.H.G.M.; Ribeiro, E.O.; Matheson, G.S.G; Lima, J.A.M.; e Ribeiro, C.E.P. "Reconstituição do clima de ondas no Sul-Sudeste brasileiro entre 1997-2005". Revista Brasileira de Geofísica, Vol. 27, no.3, pp.427-445. 2010.

    10. Estefen, Segen F. "Energia das ondas do mar". Apresentação no X Congresso Brasileiro de Energia, Rio de Janeiro. 24 p. Outubro 2004.