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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.3 São Paulo  2010

     

     

    O FUTURO DA PESCA E DA AQUICULTURA MARINHA NO BRASIL: A PESCA OCEÂNICA

    Fábio Hissa Vieira Hazin

     

     

    Diferentemente da pesca costeira, abordada no artigo anterior, que se realiza predominantemente sobre a plataforma continental da costa brasileira, a pesca oceânica é realizada no alto-mar, além da isóbata de 200m do talude continental, incluindo tanto a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) como as águas internacionais (1). No caso da pesca pelágica, como a pesca de espinhel para a captura de atuns e afins, as operações geralmente ocorrem em locais onde a profundidade ultrapassa os 1.000m, embora a pesca seja realizada em camadas muito mais próximas da superfície, raramente ultrapassando os 200 metros cúbicos.

    As principais espécies comercialmente pescadas na área oceânica são os peixes pelágicos altamente migratórios, como os atuns, agulhões e tubarões. Como a distribuição dos seus estoques, porém, se estende por grandes regiões oceânicas, fazendo com que os mesmos sejam pescados por vários países e por diferentes métodos e aparelhos de captura, o ordenamento de sua pesca só é possível a partir de Organizações Regionais de Ordenamento Pesqueiro (Orop), tarefa que, no Oceano Atlântico e mares adjacentes, pertence à Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (Iccat, na sigla em inglês). Fundada em 1966, a Iccat conta hoje com 48 países membros, sendo a maior Orop do mundo (2).

    A partir dos anos 1990, com a constatação de que os limites de sustentabilidade da capacidade produtiva dos oceanos do mundo já estavam se aproximando, conforme evidenciado pela estagnação do crescimento da produção mundial de pescado marinho por captura, a comunidade internacional passou a se preocupar, de forma crescente, não apenas com a sustentabilidade dos estoques explotados (3), mas com os impactos da atividade pesqueira nas outras espécies que não constituem o alvo direto da pesca, seja como fauna acompanhante, como no caso dos tubarões, seja como capturas incidentais, como no caso dos mamíferos, tartarugas e aves marinhas (4).

    Como consequência, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aprovou, em 1995, o Código de Conduta para a Pesca Responsável. No mesmo ano foi aprovado, também, no âmbito da ONU, o Acordo sobre a Aplicação das Disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, relativas à Conservação e Ordenamento das Populações de Peixes Transzonais e das Populações de Peixes Altamente Migratórios, conhecido como o Acordo de Nova Iorque, o qual, porém, só veio a entrar em vigor em 2001. No Acordo de Nova Iorque, alguns conceitos introduzidos no Código de Conduta da FAO, como o enfoque precautório e a necessidade de se levar em conta os aspectos ecossistêmicos no manejo pesqueiro, foram consolidados e elaborados de forma mais detalhada (4).

     

     

    Com o esgotamento dos principais recursos pesqueiros costeiros (5), conforme discutido no artigo anterior, a principal alternativa para o desenvolvimento do setor pesqueiro nacional, excetuando-se a aquicultura, reside indubitavelmente na pesca oceânica, voltada para a captura de atuns e peixes afins (espadarte, agulhões e tubarões), os quais apresentam uma série de vantagens comparativas, em relação aos recursos costeiros, entre as quais é possível destacar: a) grande proximidade das principais áreas de pesca, no caso do Brasil; b) algumas espécies capturadas, como as albacoras, apresentam um alto valor comercial para exportação, constituindo-se em uma importante fonte de divisas para o país; c) outras espécies, também presentes nas capturas, como os dourados, apresentam preço relativamente mais baixo, apesar do seu alto valor nutritivo, representando uma importante fonte de proteínas para o consumo interno; d) ciclo de vida independente dos ecossistemas costeiros, já intensamente degradados; e) ampla distribuição; e f) biomassa elevada. Uma vantagem adicional é que, desde que adequadamente planejado, o desenvolvimento da pesca oceânica nacional poderia resultar em uma redução do esforço de pesca sobre os estoques costeiros, já tão intensamente pescados e, em muitos casos, sobre-explotados (2).

    Em 2008, no oceano Atlântico e mar Mediterrâneo, foram capturadas cerca de 550 mil toneladas de atuns e espécies afins, incluindo as albacoras (laje, branca e bandolim), o bonito listrado, o espadarte (meka), os agulhões (branco, negro, vela e verde), e diversas espécies de tubarão (principalmente o tubarão azul), além de outros peixes como a cavala, o dourado, o peixe-prego, entre outros. Entre as mais de 30 espécies ordenadas pela comissão, no entanto, o bonito listrado, com uma produção, em 2008, igual a 127 mil toneladas, a albacora laje, com 108 mil toneladas, e a albacora bandolim, com cerca de 70 mi toneladas, responderam juntas por mais da metade da produção de todas as espécies (2).

    No mesmo ano, as embarcações sob jurisdição nacional, brasileiras e arrendadas, capturaram 35.000 t, ou o equivalente a pouco mais de 6% do total capturado no Atlântico e mar Mediterrâneo. Do ponto de vista do resultado econômico, entretanto, uma vez que quase dois terços da produção nacional são atualmente constituídos por bonito listrado, uma das espécies de atum mais costeiras e de menor valor comercial, a participação brasileira no rendimento proporcionado por essa pesca é muito mais reduzida. Curiosamente, a pesca de atuns e afins no oceano Atlântico se iniciou, em 1956, a partir da costa brasileira, por meio da operação de embarcações japonesas arrendadas.

    Atualmente, a pesca de atuns e afins no Brasil é realizada principalmente a partir dos portos de Rio Grande (RS), Itajaí (SC), Santos (SP), Recife (PE), e Natal (RN). A frota de pesca é composta por aproximadamente 100 embarcações industriais, sendo cerca de 40 barcos de pesca com vara e isca-viva, cujas operações se concentram no Sudeste e Sul, e 60 barcos de pesca com espinhel, aproximadamente uma dezena dos quais são arrendados de outros países, principalmente da Espanha. Além desses barcos mais industriais, existem cerca de 300 embarcações de menor porte em operação no país, pertencentes a pequenos armadores e capturando atuns e espécies afins, com várias artes de pesca, mas principalmente com o espinhel pelágico de deriva. Inicialmente sediados no Porto de Itaipava (ES), essa frota de pequena escala se expandiu rapidamente, tanto em número de barcos, como em área de atuação, operando no momento em praticamente toda a costa brasileira.

    Se considerarmos a limitada participação brasileira nos volumes de atuns e afins capturados no oceano Atlântico, à luz da estatura geopolítica, é natural inferir que o país ainda possua um importante potencial de crescimento de sua produção pesqueira pela pesca oceânica. Da mesma forma que a maioria dos estoques pesqueiros costeiros, porém, os estoques da grande maioria das espécies de atuns e afins já está sendo capturada em níveis próximos de suas capacidades máximas sustentáveis, de forma que a ampliação da produção brasileira pela pesca oceânica dependerá diretamente da sua capacidade de negociação com os países pesqueiros tradicionais, não só no âmbito da ICCAT, mas também na FAO, no seu Comitê de Pesca, na Organização Mundial do Comércio (OMC) e na própria ONU.

    Além da necessidade de negociar a ampliação das suas quotas de captura, porém, há vários outros entraves a serem vencidos para que o Brasil possa consolidar a sua participação na pesca oceânica no Atlântico, destacando-se entre os mesmos a falta de mão-de-obra especializada, de tecnologia e de embarcações adequadas, as quais, devido ao seu elevado custo, encontram-se comumente muito além da capacidade de investimento das empresas de pesca brasileiras (6).

    Para que o país consiga ampliar a sua participação na pesca oceânica, porém, não bastará apenas ampliar quotas de captura, consolidar uma frota pesqueira oceânica nacional e formar mão de obra especializada. A consolidação do Brasil como importante ator na pesca oceânica do Atlântico Sul só poderá se concretizar se todo o esforço de desenvolvimento pesqueiro for adequadamente alicerçado na condução de pesquisas científicas que permitam, não apenas gerar as informações biológicas essenciais para uma correta avaliação dos estoques explotados, aspecto crucial para a adoção de medidas de ordenamento que possam assegurar a sustentabilidade da atividade, mas também informações técnicas capazes de contribuir para aumentar a competitividade e a eficiência da frota nacional (2).

     

    Fábio H. V. Hazin é professor associado do Departamento de Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Pesca e presidente da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (Iccat)

     

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em 1988 e em vigor desde 1995, estabeleceu que todos os países costeiros possuem 12 milhas de mar territorial, sobre o qual possuem soberania, e uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que se estende do limite do mar territorial até a distância de 200 milhas, a contar da linha da costa. Sobre essa área, embora o país não possua "soberania", já que não compõe o seu território, o mesmo detém o direito de utilização exclusiva dos recursos vivos aí presentes. A partir das 200 milhas está o alto-mar, região onde todos os países do mundo, quer possuam costa ou não, possuem o direito de pescar livremente, desde que respeitados os limites da sustentabilidade.

    2. Hazin, F. H. V.; Travassos, P. "Aspectos estratégicos para o desenvolvimento da pesca oceânica no Brasil". Parcerias Estratégicas. Brasília: CGEE, Vol.23, pp.289-309. 2006.

    3. Explotar: [do grego exploiter] tirar proveito econômico de (determinada área), sobretudo quanto aos recursos naturais. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição, revista e aumentada. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Ed. Nova Fronteira. 1986.

    4. FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations. The state of the world fisheries and aquaculture. Fisheries and Aquaculture Department. Viale delle Terme di Caracalla, Rome, Italy. 176p. 2009.

    5. Dias-Neto, J. Gestão do uso dos recursos pesqueiros marinhos no Brasil. Brasília: Ibama, 242p. 2003.

    6. CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Mar e ambientes costeiros. Brasília, DF. 323p. 2007.