SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.62 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.3 São Paulo  2010

     

     

    O FUTURO DA PESCA E DA AQUICULTURA MARINHA NO BRASIL: A MARICULTURA

    Ronaldo Olivera Cavalli
    Jaime Fernando Ferreira

     

     

    A percepção dos oceanos como fonte inesgotável de recursos para suprir as necessidades humanas, principalmente em termos de alimentos, tem afetado significativamente os ecossistemas marinhos. A estagnação das capturas da pesca e o crescimento da demanda por pescados não deixam dúvidas que a produção de alimentos de origem marinha é insuficiente para atender às necessidades globais. Em vista disso, a aquicultura, que abrange o cultivo de organismos aquáticos, é considerada como um dos caminhos mais eficientes para a redução do déficit entre a demanda e a oferta de pescado no mercado. Não é surpresa, portanto, que a participação da aquicultura na produção mundial de pescado venha aumentando nas últimas décadas. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (1), em 1970 a aquicultura era responsável por apenas 3,9% de todo pescado consumido no mundo, mas em 2006 sua participação na produção mundial de pescado já havia chegado a 47% desta produção. Acompanhando a tendência mundial, a aquicultura brasileira também vem aumentando sua participação na produção de pescados. Em 1995, eram produzidos apenas 46 mil toneladas (ou 7,1% da produção total), mas em 2007 esta taxa passou para 27,0%, ou 289 mil toneladas produzidas (2).

    Se a aquicultura tem se mostrado uma atividade importante na produção de pescado, a expansão da maricultura se torna estratégica, pois apesar das reservas de água doce ainda serem elevadas, sabe-se que são esgotáveis, tornando-se, por isso, um produto cada vez mais valorizado. Devido a sua privilegiada extensão litorânea (8,5 mil km), seu mar territorial e sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de duzentas milhas (4,5 milhões km2) e mais de 2,5 milhões de hectares de áreas estuarinas, o Brasil apresenta excepcionais condições para a expansão da maricultura. Avanços significativos vêm sendo observados neste sentido, principalmente com o cultivo de moluscos no sul do país e de camarões na região Nordeste (3).

    O cultivo de moluscos se desenvolveu a partir de 1990, primeiro em Santa Catarina e depois em outras regiões. Hoje em dia, praticamente todos os estados litorâneos apresentam alguma atividade de pesquisa e/ou produção de moluscos. Apesar disso, das cerca de 15 mil toneladas produzidas anualmente no Brasil, a região Sul concentra mais de 90% da produção nacional, com o restante provendo do sudeste do país. A produção ainda tem caráter familiar e artesanal, com poucas empresas autorizadas a comercializar com o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) e, portanto, com a produção restringindo-se exclusivamente ao mercado local. A organização da atividade é localizada e fraca, com poucas iniciativas de criação de cooperativas de produção e entidades de empresas produtoras. Entre as espécies produzidas destacam-se o mexilhão (Perna perna), com cerca de 12 mil toneladas, e a ostra japonesa (Crassostrea gigas). Há também uma pequena, porém crescente produção de vieiras (Nodipecten nodosus). Graças ao cultivo de moluscos, o Brasil passou a contar com o Programa Nacional de Parques Aquícolas, cujo objetivo é delimitar áreas propícias para aquicultura em águas de domínio da União. A delimitação desses parques em ambientes marinhos vem sendo executada a partir dos Planos Locais de Desenvolvimento da Maricultura (PLDM). Outro avanço alcançado pelo setor é a realização de programas regulares de sanidade com monitoramento de áreas de cultivo, incluindo contaminação bacteriana e algas tóxicas.

     

     

    A carcinicultura (cultivo de crustáceos, como camarões e caranguejos), por sua vez, teve grande avanço nos últimos 20 anos. A produção brasileira está baseada no cultivo do camarão branco do Pacífico (Litopenaeus vannamei), espécie exótica introduzida na década de 1980. Na primeira metade dos anos 1990, com o domínio da produção de pós-larvas dessa espécie em laboratório, os produtores brasileiros passaram a cultivar unicamente esse camarão. Os resultados satisfatórios levaram a um período de expansão da atividade, que culminou com uma produção recorde de 90.190 toneladas em 2003. O surgimento de enfermidades, aliado a problemas de câmbio e comércio exterior, fez com que a atividade entrasse em crise a partir de 2004, embora, gradativamente, venha apresentando sinais de recuperação. Em 2007, a produção brasileira de camarão marinho foi estimada em 65 mil toneladas (2), a maior parcela sendo comercializada no mercado interno. Na região Nordeste, que responde por mais de 95% da produção brasileira, a atividade tem caráter empresarial e cadeia produtiva organizada. Embora a atividade se caracterize pela utilização de extensas áreas, atualmente existe uma tendência de migração para cultivos intensivos em áreas menores, com uso de tecnologias de recirculação, bioflocos e reciclagem, e minimização dos impactos ambientais. A crise que o setor vem experimentando desde 2004 reforçou ainda mais a necessidade de mudanças no seu sistema de produção.

    CULTIVO DE ALGAS Outra alternativa importante para a maricultura nacional é o cultivo de algas. Apesar de existirem estudos científicos desde a metade do século passado, o cultivo de algas no Brasil ainda é incipiente, estando concentrado em pequenos empreendimentos ligados a entidades públicas de pesquisa e extensão que geralmente utilizam métodos artesanais. O cultivo de algas se limita à obtenção de subprodutos para as indústrias alimentícias e farmacêuticas, como ágar e a carragenana, não havendo relatos de produção visando à alimentação humana. As principais algas produzidas experimentalmente no Brasil são Gracilaria e Hypnea. Recentemente, a alga Kappaphycus alvarezii, originária das Filipinas e introduzida no Brasil em 1995, teve seu cultivo liberado pelo Ibama para a região entre a Baía de Sepetiba, RJ, e Ilha Bela, SP (4). A possibilidade de se estender o cultivo desta espécie para o litoral de Santa Catarina também vem sendo considerado. Atualmente, porém, apenas uma empresa no estado do Rio de Janeiro conta com infraestrutura adequada para o cultivo dessa espécie exótica.

    Mais recentemente, o interesse pela piscicultura marinha tem crescido no país, principalmente pelo cultivo do beijupirá (Rachycentron canadum), espécie naturalmente encontrada no litoral brasileiro e que apresenta uma excepcional taxa de crescimento (5). Após o domínio da tecnologia de produção de formas jovens por vários laboratórios brasileiros, as primeiras toneladas desse peixe, produzidas em cativeiro por uma empresa pernambucana, chegaram ao mercado nacional em 2009. A expectativa é de que, a partir de resultados positivos, experiências similares venham a se repetir em outras áreas do país. Segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), em 2009, já havia 39 solicitações de cessão de águas de domínio da União para o cultivo desse peixe.

    OBSTÁCULOS AO DESENVOLVIMENTO O principal gargalo da piscicultura marinha é a dependência da farinha e do óleo de peixe, subprodutos da pesca que são as principais fontes de proteína e ácidos graxos essenciais na alimentação dos peixes cultivados. Como a produção mundial de farinha e óleo de peixe encontra-se no limite máximo (6), o futuro do cultivo de peixes carnívoros, portanto, dependerá da substituição desses ingredientes.

    A questão legal é também um obstáculo importante no desenvolvimento da maricultura no Brasil. Apesar do incentivo à atividade e das diversas ações de ordenamento para regularizar a demarcação, monitoramento e concessão de áreas por parte do recém-criado MPA, ainda ocorrem conflitos sobre as atribuições legais entre órgãos governamentais, em particular os de fiscalização e licenciamento ambiental. A regularização da atividade, além de proporcionar segurança ao produtor e acesso ao crédito, também levaria à oferta regular de produtos oriundos da maricultura. Tais iniciativas, associadas a campanhas de consumo, com garantias de procedência e qualidade, poderiam ampliar a produção e a fixação dos produtos da aquicultura nos mercados e na mesa da população. Vale ressaltar que o consumo per capita de pescado no Brasil situa-se pouco abaixo de 8,0 kg, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que sejam consumidos, pelo menos, 12,0 kg/ano.

    Apesar da pouca experiência brasileira, existem ótimas perspectivas para o desenvolvimento da maricultura no país. Entretanto, para que esse potencial possa se expressar plenamente há a necessidade de se adotar, cada vez mais, práticas de cultivo ecologicamente sustentáveis, como a diminuição do uso de insumos oriundos da pesca. Destaca-se também a opção pelo cultivo de espécies de base da cadeia trófica – algas, moluscos bivalves e peixes/camarões onívoros. Além disso, a adoção e aplicação de medidas regulatórias de proteção aos ecossistemas costeiros devem ser uma preocupação não somente do poder público, mas também dos produtores e consumidores. Respeitados esses preceitos, o Brasil passará a contar com uma fonte inesgotável de empregos, renda e alimentos de altíssima qualidade.

     

    Ronaldo Olivera Cavalli é professor titular do Departamento de Pesca e Aquicultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde coordena o Laboratório de Piscicultura Marinha
    Jaime Fernando Ferreira é professor associado do Departamento de Aquicultura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), atuando principalmente em maricultura. É supervisor do Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC desde 1997

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. FAO. 2009. El estado mundial de la pesca y acuicultura 2008. Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, Roma, Itália, 2009.

    2. Ibama. 2007. Estatísticas da Pesca 2007: Brasil e Grandes Regiões e Unidades da Federação. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Brasília, 2007.

    3. Roubach, R.; Correia, E.S.; Zaiden, S.; Martino, R.C.; Cavalli, R.O. "Aquaculture in Brazil". World Aquac, Vol.34, no.1, pp.28-35. 2003.

    4. Panorama da Aquicultura. "Algas: Ibama dá permissão para a produção". Panorama da Aquicultura, Vol.18, no.108, pp.22-25. 2008.

    5. Liao, I.C.; Leaño, E.M. Cobia aquaculture: research, development and commercial production. Taiwan: Asian Fisheries Society, 178p, 2007.

    6. Tacon, A.G. J.; Metian, M. "Global overview on the use of fish meal and fish oil in industrially compounded aquafeeds: trends and future prospects". Aquaculture, Vol.285, pp.146-158, 2008.