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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.3 São Paulo  2010

     

    JOGO NA EDUCAÇÃO

    COMO O VIDEOGAME PODE SERVIR NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

     

     

    Duas naves nanométricas. Uma delas deve ajudar as células do sistema imunológico de uma cientista a se recuperarem e voltarem a combater as infecções. Outra, muito menor, ajuda na captura de partículas subatômicas que precisam ser analisadas: mas cuidado, elas podem explodir em seu compartimento de carga. Em ambas o piloto não é um profissional super treinado, mas alguém que se proponha a enfrentar o desafio, que tenha capacidade de reter informações importantes e fazer associações criativas. Além disso, é preciso certa imaginação, pois as duas naves não existem. Pelo menos não fisicamente.

    A primeira nave é o equipamento que o jogador vai usar ao se aventurar em Immune Attack – jogo idealizado pela Federação Americana de Cientistas. Enquanto a segunda pertence ao Sprace, jogo cujo conceito foi desenvolvido pelo Centro Regional de Análise de São Paulo, projeto do Instituto de Física Teórica do campus de São Paulo da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Esses são apenas dois exemplos de inúmeros jogos eletrônicos (videogames) que tem sido empregado como plataforma de projetos educacionais.

    Um edital conjunto do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Ministério da Educação (MEC), em 2006, já identificava pelo menos 16 projetos, de todo o Brasil, com ideias similares. Esse resultado se deve, em parte, à procura por novas formas de aproximar os alunos do ensino regular. Mas o que também se observa é a quantidade de profissionais formados em cursos de design de jogos – que incluem desde cursos técnicos, e de breve duração, até de graduação e mestrado – e que, longe do cenário glamoroso e milionário da indústria de jogos comerciais (a grande maioria produzidos nos EUA, Europa e Japão), vislumbra uma forma de desenvolvimento profissional e, de quebra, de aproximar duas gerações são distintas: aqueles que nasceram off-line – a grande maioria dos professores – e aqueles que costumam conhecer o mundo através de dispositivos eletrônicos.

    AMBIENTE DE GAME E APRENDIZADO A primeira discussão do uso do ambiente de jogos – ou games, já que a palavra pode ser usada tanto como sinônimo de jogo como de videogame – como ambiente de aprendizado é quanto a sua diferença dos chamados jogos educativos. "A finalidade, o fim de um game, situa-se dentro dele mesmo. Os filósofos chamam isso de spielraum – espaço do jogo. O jogo abre um espaço de experiência que age retroativamente no sentido de estimular a continuidade do espaço dessa experiência", explica Luis Carlos Petry, professor assistente e pesquisador do curso de jogos digitais do Centro de Ciências Matemáticas Físicas e Tecnológicas da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Enquanto o objetivo do jogo educacional, explica Petry, está em produzir uma dada aprendizagem sobre algum conceito ou conteúdo. "De certo modo, o game educacional se vale de aspectos do amplo conceito de jogo e técnica para realizar os seus fins. Isso não se constitui em um impedimento em si mesmo, mas deve sempre ser pensado como um elemento limitador da experiência de jogo oferecida ao usuário e, fundamentalmente, que leva necessariamente a uma relação entre processos lúdicos e de ensino-aprendizagem", completa.

    De acordo com Jaderson Souza, pesquisador do mesmo centro de pesquisa de Petry, a grande maioria dos jogos educativos focam apenas no conteúdo. "É como alguns jogos com objetivos de letramento: eles praticamente 'substituem' os docentes pelo software. Além disso, são, na grande maioria, chatíssimos, pois praticamente não tem a emoção do jogo", afirma. Uma saída para esse impasse, acredita, é entender o jogo como potencial ambiente de aprendizado, mas que foque na descoberta e retenção de conhecimento, que não necessariamente é mensurável objetivamente. Assim, um aluno que jogue um game com ambiente histórico, por exemplo, pode aprender sobre arquitetura ou se interessar por detalhes que não sejam o objetivo inicial do jogo (estratégias, ou padrões matemáticos envolvidos no software que dá vida ao videogame).

     

     

    "O ambiente virtual de aprendizagem, mesmo nos jogos comerciais – sem um conteúdo específico escolar – desenvolve competências para a vida extra-game. Isso ajuda na construção de conhecimento e conceitos, por exemplo", aponta Filomena Moita, professora do Departamento de Letras e Educação da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). O jogo, nesse caso, seria um facilitador da prática pedagógica. "Mas esse tipo de metodologia é diferente do aprendizado clássico, onde a educação pelo 'livro/apostila' – ou seja, onde conhecimento científico, objetivo e mensurável através de determinadas metodologias clássicas – impera", diz Filomena. "O que temos que observar é que o sujeito aprendente atual é diferente. É a geração 'C', de 'conectada'."

    Utilizar o game como plataforma para desenvolver o conhecimento é diferente de apenas jogá-lo. "Os games são, com certeza, ótimos ambientes de aprendizagem. No entanto, para serem melhor aproveitados no ambiente escolar, é importante que o professor conheça o jogo, seus recursos e temática a ser explorada", diz Arlete dos Santos, psicóloga e professora no curso Tecnologia Superior em Jogos Digitais, da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo. O educador pode, assim, se apropriar do ambiente do jogo para dar-lhe novos significados, objetivos. "Há diversos games comerciais que são tão complexos que há várias opções para tratar a narrativa de formas diferentes", lembra Jaderson Souza.

    Prioridade ao lúdico Para Souza a construção dos games deve ocorrer de forma "natural", ou seja, a motivação para a atividade deve vir antes do conteúdo. "O Immune Attack é um bom exemplo que não é necessário fazer o conteúdo 'descer goela abaixo'. Claro que as informações devem fazer parte do conteúdo; é preciso harmonia. Mas também estudar o assunto, parar o game para anotar em um caderno enquanto se joga não é o ideal. O conhecimento é melhor adquirido se for feito durante o jogar. São atividades paralelas e correlatas", explica. A inversão dos papéis clássicos, onde o aluno – que costuma ter participação passiva, apenas recebendo as informações – passa a ser parte da construção do sentido do jogo é um dos objetivos essenciais dos games.

    "Quando brincamos aprendemos muitos conceitos de forma espontânea. Girar um balde d'água no ar mostra a estrutura gravitacional simulada e é um fascinante exercício-brinquedo. Às vezes deixamos o balde cair e, então, compreendemos muitas outras coisa", conclui Petry.

     

    Enio Rodrigo Barbosa