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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.4 São Paulo Oct. 2010

     

     

    ANTIBIÓTICOS

    De volta à era pré-antibiótica: a busca emergencial por novos arcabouços

     

    Há controvérsias se o termo "antibiótico" teria sido cunhado por Selman Waksman, laureado com Prêmio Nobel "pela descoberta da estreptomicina, o primeiro antibiótico efetivo contra tuberculose", ou pelo discípulo de Louis Pasteur, Paul Vuillemin, que introduziu o conceito de "antibiose", processo no qual um organismo produz uma substância que impede ou dificulta o crescimento de outro organismo. Mas quando o assunto é a crescente taxa de resistência bacteriana a tais medicamentos – em função do uso abusivo e inadequado –, o consenso entre os especialistas impera. As principais urgências da área, amparadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) são: controle rigoroso da venda, monitoramento constante do consumo e desenvolvimento de novos antibióticos.

    "A resistência bacteriana é um problema mundial de saúde pública", afirma Julival Ribeiro, chefe do Departamento de Microbiologia do Hospital de Base de Brasília . O grave problema da resistência desenvolvida pelas bactérias Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp é um exemplo claro de quão crítica é a situação. Segundo Ribeiro, tais bactérias respondem somente a um único antibiótico, a polimixina, desenvolvida na década de 1950. A existência desse tipo de bactérias, chamadas multirresistentes, nos deixa vulneráveis a esses microrganismos. "Estamos vivendo a era pré-antibiótica, ou seja, estamos voltando a viver sem antibiótico", alerta.

     

     

    Lauri Hicks, médica do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) nos Estados Unidos, acredita que rastrear o uso de antibióticos é fundamental para entender quais profissionais de saúde prescrevem mais e para quais condições clínicas ou doenças, como uma forma de entender o uso inapropriado de antibióticos. "Usamos essas informações para definir o alvo de intervenções e ações educacionais", diz. Hicks é diretora do "Get smart: know when antibiotics work", programa que tem uma agenda de pesquisa e também organiza campanhas educativas voltadas para os profissionais de saúde e o público em geral. Um dos alvos é esclarecer que os antibióticos curam infecções bacterianas e não virais, como gripes e resfriados, a maioria das tosses e bronquites, dores de garganta não causadas por estreptococo ou uma simples coriza.

    Uma recente pesquisa de percepção pública sobre a resistência bacteriana, realizada pelo Eurobarômetro (órgão responsável por pesquisas de opinião pública da União Europeia) e publicada em abril, revela que, apesar de 95% dos europeus dizerem ter obtido antibióticos por meio de prescrição ou diretamente de um médico, 53% deles ainda acredita que esse tipo de medicamento pode combater os vírus e 47% acha que são eficazes contra a gripe e resfriados. Além da falta de informação dos consumidores, outros aspectos contribuem para o consumo indiscriminado de antibióticos: mais de 50% das prescrições médicas para essas substâncias no mundo são inadequadas, segundo a OMS.

    Campanhas conduzidas mundo afora mostram que diferentes esforços na tentativa de diminuição do consumo de antibióticos podem trazer resultados positivos, conforme análise feita por pesquisadores da área e publicada na revista Lancet Infectious Diseases (Vol.10, no.1, 2010). Na França, a campanha "Antibióticos não são automáticos", realizada entre 2002 e 2007, reduziu em 26,5% o consumo do medicamento no país.

    Outro monitoramento importante é o de microrganismos resistentes presentes em hospitais, uma vez que o frequente uso de antimicrobianos nesses ambientes potencializa a seleção de linhagens que não respondem a múltiplos antibióticos. No Brasil, estimativas da OMS apontam que as infecções hospitalares atingem 14% dos pacientes internados. No mundo todo, estima-se que 1,4 milhão de pessoas sofram de infecções contraídas em hospitais.

    CONTROLANDO A VENDA NO BRASIL A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) convocou, em março, uma audiência pública para discutir medidas mais restritivas para a prescrição e venda dos antibióticos no Brasil. Só no país, tal comércio movimentou, em 2009, cerca de R$ 1,6 bilhão, segundo relatório do instituto IMS Health. O consumo médio de antibióticos nos oito países de maior mercado farmacêutico da América Latina aumentou em cerca de 10% entre 1997 e 2007, segundo estudo publicado em março na Revista Panamericana de Saúde Pública (Vol.27, no.3, 2010). No Brasil, esse aumento foi da ordem de 8% no mesmo período.

    "Éde suma importância um controle rigoroso na venda de antimicrobianos, já que seu uso indiscriminado pode predispor a uma maior resistência bacteriana e, portanto, a uma vida útil menor dos mesmos", diz Augusto Diogo Filho, membro da Comissão de Controle de Antimicrobianos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.

    As medidas sugeridas pela Anvisa receberam grande apoio dos profissionais da saúde. A inclusão dos antibióticos na categoria de medicamentos de controle especial, como proposto pelo órgão, tornaria mais rigoroso o controle da apresentação da prescrição médica para a venda desse tipo de remédio – já previsto na legislação, mas que nem sempre é cumprido –, com a retenção da receita médica no ato da compra e o controle eletrônico da movimentação de alguns antibióticos nas farmácias e drogarias pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados.

    A BUSCA POR NOVOS ANTIBIÓTICOS A maioria dos antibióticos disponíveis atualmente são derivados de estruturas básicas introduzidas entre meados da década de 1930 e final da década de 1960, de acordo com revisão publicada por Fischbach e Walsh na revista Science, (Vol.325, no.5944, 2009). Segundo os cientistas, as novas gerações de antibióticos são, em sua grande maioria, resultados de modificações químicas periféricas desses arcabouços antigos. Por exemplo, a amoxicilina é uma simples modificação da penicilina.

    A OMS alerta para a diminuição de novas famílias de drogas antimicrobianas, que por muito tempo garantiam estarmos "à frente" dos patógenos, e para a escassez de incentivos para o desenvolvimento de novas drogas desse tipo. Aliado ao fato de que o tratamento de infecções bacterianas geralmente é curto, durando apenas alguns dias (o que não é rentável), o próprio mecanismo de resistência bacteriana é um fator que desmotiva a indústria, "porque sempre serão necessários novos antibióticos, o que demandaria investimentos contínuos", afirma Ricardo Henrique Kruger, pesquisador da Universidade de Brasília. Aqui entra a iniciativa dos pesquisadores na busca de novos agentes microbianos.

    Michael Fischbach, pesquisador da Universidade da Califórnia em São Francisco, acredita que três estratégias são igualmente promissoras na busca por novos antibióticos: pesquisar nichos microbiológicos pouco explorados, desenhar estratégias que previnam o uso de arcabouços que já estão no mercado e redirecionar o uso de bibliotecas de moléculas sintéticas. "Parte de nossa pesquisa envolve o uso de estratégias de genômica para descobrir novos antibióticos de Streptomyces e actinomicetos relacionados", diz. Em colaboração com o pesquisador Christopher Walsh, da Universidade de Harvard, Fischbach estuda como as bactérias sintetizam uma classe de antibióticos conhecidos como peptídeos thiazolyl.

    No Brasil, Kruger desenvolve um projeto em parceria com o HBDF, na busca por drogas que combatam as principais cepas bacterianas causadoras de infecções no local: Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa. Ele explora o solo do Cerrado em busca de microrganismos que produzem antibióticos, a fim de encontrar algum composto que se mostre eficaz contra as cepas multirresistentes. "O solo tem a maior diversidade e riqueza de produtos bacterianos de todas as amostras ambientais, e quanto mais diversa é a amostra inicial, maior a sua chance de encontrar [um novo antibiótico]", argumenta.

    Outras iniciativas foram dadas por um grupo de cientistas liderado pelo pesquisador Octávio Franco, do Centro de Ciências Genômicas e Biotecnologia da Universidade Católica de Brasília que, recentemente, descobriu no ouriço-do-mar um peptídeo com atividade antimicrobiana eficiente contra as bactérias Escherichia coli, Salmonella, Proteus e Klebsiella, que causam infecções intestinais, renais e pulmonares. O grupo já tem cinco moléculas antibióticas patenteadas.

     

     

    O momento atual é de buscar novos arcabouços. Uma visão promissora, de acordo com cientistas que estudam o papel ecológico de antibióticos na natureza, é passar a olhar tais moléculas mais como pacificadoras em suas comunidades e menos como armas biológicas. Antibióticos produzidos por bactérias no solo ligam e desligam genes de outros microrganismos e orquestram o crescimento da comunidade, consolidando uma função muito mais de facilitadores de comunicação do que de guerra. "Faça um amplo rastreamento por sinalização e você achará novos antibióticos", disse Roberto Kolter, pesquisador da Universidade de Harvard, à revista Science. Entender o real papel dos antibióticos na natureza pode trazer nova luz ao problema da resistência bacteriana.

     

    AS BACTÉRIAS MAIS PRESENTES NOS HOSPITAIS DO PAÍS

    Os dados coletados pela Rede Nacional de Monitoramento da Resistência Microbiana em Serviços de Saúde – Rede RM, entre julho de 2006 e junho de 2008, revelam que os organismos mais presentes nos hospitais brasileiros foram os do gênero Staphylococcus, (47% das notificações), seguidos da Klebsiella pneumoniae, que respondeu por 13%, Pseudomonas aeruginosa (11%), Acinetobacer (11%), Enterobacter (6%), Enterococcus (5%) e Candida (4%).

     

    Ana Paula Morales e Cristina Caldas