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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.62 no.4 São Paulo Oct. 2010

     

     

    BIOETANOL

    Chile quer dobrar área de plantações florestais para obter combustível

     

    Estima-se que o Chile tenha pouco mais de 2 milhões de hectares de plantações florestais para uso comercial. A intenção do seu governo é que essa área seja duplicada até 2012. O esforço está associado a um projeto governamental para a produção de bioetanol, a partir de árvores, e foi comentado pela bióloga chilena Sofía Valenzuela, da Universidade de Concepción, no evento UK-Brazil Frontiers of Science — um encontro internacional multidisciplinar de 76 jovens cientistas do Chile, Reino Unido e Brasil, que aconteceu em agosto, em Itatiba, no interior paulista.

    As pesquisas divulgadas pela bióloga usam a engenharia genética para maximizar a resistência ao frio e a eficiência para a produção de bioetanol a partir do Eucalyptus globulus. A maior parte do financiamento previsto de R$ 8,5 milhões para as investigações científicas e tecnológicas provém do governo, por meio da agência InnovaChile. Os estudos estão sendo feitos pela Bioenercel, um consórcio formado em agosto de 2009 por instituições de pesquisa associadas a empresas privadas que, segundo a Corporação de Fomento à Produção (Corfo), representam 60% das plantações do país e 75% de suas exportações.

     

     

    A busca de fontes energéticas alternativas é estratégica para o Chile porque o país importa 72% de sua energia, incluindo 98% do petróleo, 96% do coque e 75% do gás natural, segundo informou Sofía em sua palestra. Além disso, estimativas de estudos de 2008 da Comissão Nacional de Energia do Chile — "Política energética: nuevos lineamientos" —, preveem que o consumo energético do país aumentará cerca de 3,3 vezes até 2030.

    O bioetanol será extraído principalmente do eucalipto e, também, de pinheiros e álamos. O modo de aproveitar as árvores varia. Pode-se cortá-la inteira, ou então aproveitar o que sobra de outros usos, ou ainda retirar-se apenas os galhos ou administrar pequenas plantações. Segundo Sofía, as novas áreas de plantações que deverão dobrar as já existentes serão feitas principalmente entre Santiago e Valdívia, no centro-sul do país — a região com a maior área de plantações arbóreas (não naturais), segundo dados de 2008 do Instituto Florestal do Chile (Infor, na sigla em espanhol).

    IMPACTO AMBIENTAL DO EUCALIPTO Durante a conferência, participantes comentaram sobre os problemas ambientais e sociais causados por plantações de eucalipto. Trata-se de um assunto polêmico. Com relação à parte ambiental, as críticas em geral mencionam que o eucalipto é uma espécie exótica, que resseca a terra e que possui efeitos alelopáticos, ou sejam, prejudicam o desenvolvimento de outras espécies ao seu redor. Os impactos sociais envolvem ocupação de terras de comunidades tradicionais e diminuição de empregos. Destacam-se os problemas com os índios mapuche, que habitam o centro-sul do país e têm uma longa tradição de luta pela devolução de suas terras, ocupadas por empresas madeireiras, mineradoras e hidrelétricas, especialmente durante o governo do ditador Augusto Pinochet (1973-1990).

    Vários cientistas contestam os impactos ambientais negativos do eucalipto. Uma fonte muito citada é o livro de Walter de Paula Lima, Impacto ambiental do eucalipto, de 1993, que rebate as críticas acima após análises cuidadosas sobre a biologia dessas árvores. Lima observa também que existe muita variação entre as mais de 600 espécies descritas de eucalipto e mesmo dentro de cada espécie, por causa da variedade de ambientes em que são cultivadas. Isso dificulta afirmações generalizantes, tanto de um lado quanto de outro. Além disso, o impacto de cada variedade também depende do ambiente em que está.

    Um manejo mal-feito, porém, pode provocar os problemas mencionados. Atualmente, existem técnicas que reduzem tais efeitos negativos, como o uso de corredores para que plantas de outras espécies possam crescer entre as árvores de eucalipto e assim mitiguem a diminuição da biodiversidade causada pela monocultura. Porém, "grande parte dos reflorestamentos homogêneos foram implantados quando a legislação e a conscientização ambientais ainda eram incipientes", lembra um documento de 2004 do geólogo Maucício Boratto Viana, feito no seu trabalho de consultoria legislativa para a Câmara dos Deputados brasileira.

    RISCOS EM COMUNIDADES TRADICIONAIS Mais difícil de ser resolvida é a inadequação dos modelos de exploração, que se imbrica com questões políticas e macroeconômicas. O problema é que nas áreas exploradas, mesmo as de solo pobre, encontram-se comunidades tradicionais que têm seu sustento retirado quando o ambiente nativo é substituído pela plantação. São forçadas, então, a mudarem radicalmente de atividade, causando grande transtorno social. Os empregos gerados pela atividade florestal são de má qualidade e temporários — apenas de 25% a 30% dos trabalhadores florestais do Chile possuem emprego fixo e 82% encontram-se abaixo da linha de pobreza, segundo uma apresentação de Javier Sanzana, vice-presidente do Grupo de Engenheiros Florestais pela Floresta Nativa, no II Congresso Florestal em Los Muermos, no Chile, em 26 e 27 de agosto.

    Sofía menciona que o projeto governamental prevê o uso da agricultura familiar para a exploração das árvores e que as áreas a serem plantadas têm pouco potencial agrícola. Além disso, há controle contra a expansão natural dos eucaliptos para as vizinhanças das áreas plantadas.

    O caso mais conhecido entre os problemas sociais chilenos é o chamado conflito mapuche, no qual os índios têm enfrentado o governo e empresas privadas, e que tem se intensificado desde os anos 1990. O último grande episódio começou em 12 de junho deste ano, quando 23 presos mapuches começaram uma greve de fome em protesto contra o que consideram prisões políticas e o uso, contra seu povo, da lei antiterrorista, vigente desde a época de Pinochet.

     

    Roberto Belisário