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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.4 São Paulo out. 2010

     

     

    Transição alimentar/ nutricional ou mutação antropológica?

    Malaquias Batista Filho
    Luciano Vidal Batista

     

     

    Em termos de saúde populacional, o processo mais diferenciado e mais desafiador dos tempos atuais como objeto de estudo, referencial de políticas e programas e temas de reflexão epistemológica, pode ser configurado nas mudanças rápidas nos padrões de morbimortalidade. De fato, hoje o homem nasce, vive, adoece e morre de forma bem diferente do modelo prevalente da primeira metade do século XX e, evidentemente, do século XIX, desde quando se dispõe de dados estatísticos para retratar as variações do processo saúde/doença. Numa imagem alegórica, estamos diante de uma metamorfose epidemiológica como acontece na entomologia, delineando, em nível coletivo, uma situação inteiramente nova, designada há cerca de 40 anos como transição (1; 2).

    Assim, num espaço relativamente curto em termos históricos, a dinâmica da natalidade e da mortalidade diferenciou-se radicalmente. Do padrão modal de 8/10 filhos por casal, o número de descendentes tende para dois ou menos, ou seja, para um crescimento em torno de zero: dois pais, dois filhos. Por outro lado, a mortalidade infantil que, no início dos tempos modernos (pós-Renascença) era de 500 a 600 óbitos por 1000 nascidos vivos, baixou para menos de 10/1000 nos países desenvolvidos. Nesse sentido, o caso da China, que ainda não pertence ao seleto bloco das nações mais avançadas, é simplesmente espetacular: duas mortes para cada 1000 nascidos vivos segundo as Nações Unidas (3). Mas, além da redução da mortalidade infantil e pré-escolar, decaíram todas as taxas de óbitos, sobretudo entre crianças, adolescentes, mulheres no período reprodutivo e adultos jovens. Resultado: diminuindo rapidamente a natalidade e a mortalidade por causas evitáveis, operou-se uma inversão nos resultados da equação demográfica: de uma situação em que a vida média da população humana se situava em torno da idade de Cristo (um longevo demográfico aos 33 anos), se caminha para uma expectativa de sobrevivência de mais de 80 anos, em algumas das nações mais avançadas (4).

    Nessa rápida mudança do modelo de morbimortalidade, caracterizando a transição epidemiológica, o componente alimentar/nutricional tem um papel de fundamental importância (5). Antes, o binômio alta natalidade/alta mortalidade de crianças, adolescentes e mulheres em idade reprodutiva como desfecho se explica por outro binômio como fatores causais: a interação doenças infecciosas/processos carenciais. Ou seja, a desnutrição energético-protéica, ainda hoje associada a 55% das mortes em crianças no mundo em desenvolvimento (3); a deficiência de vitamina A (DVA) que concorre para 25% do risco de morte das diarreias em crianças (6); a anemia, a mais resistente das doenças carenciais, com uma prevalência de 25% na população humana, ainda acomete entre 47,4 e 41,8%, respectivamente, de todos os pré-escolares e mulheres grávidas do mundo (7). Já no outro polo da transição, representando as doenças da modernidade e vitimando predominantemente populações maduras e idosas, se conjugam os processos crônicos não transmissíveis: o diabetes mellitus, a obesidade, a hipertensão arterial sistêmica, os processos degenerativos do sistema nervoso central, agrupando-se em comorbidades associadas à alimentação hipercalórica, às gorduras trans, aos ácidos graxos saturados, ao consumo excessivo do açúcar e do sal, às calorias vazias dos refrigerantes, ao uso imoderado do álcool, ao fumo, ao sedentarismo e outras práticas não saudáveis do estilo de vida ocidental (8). É o novíssimo modelo da economia de mercado, com seu viés para o modismo do consumo pelo consumo, como imagem e valores da modernidade ou da pós-modernidade, que tem como uma das características de seu discurso a falta de rumo da história. Antes se coletava, se produzia e se consumia os alimentos in natura, a partir, muito simbolicamente, do leite materno. Hoje, compramos marcas e embalagens promovidas pelos interesses e estratégias do mercado liberal. Na modernidade, imagens de máquinas (as indústrias); na pós-modernidade, máquinas de imagens (televisão, computador, internet, shopping center) na citação de Raimundo de Lima (9).

    Não se trata de aplicar juízos finais de valores para o processo de transição, condenando-o ou absolvendo-o. O simples fato de que a expectativa de vida tenha transitado de 33 para 80 anos num breve intervalo da história humana, constitui uma mudança revolucionária no campo de saúde. Grande parte das doenças da fome global (calorias) ou específica (macro e micronutrientes) foi potencialmente vencida em décadas ainda recentes. O mesmo ocorreu com suas parcerias ou comorbidades, como a varíola, o sarampo, a difteria, a peste e a poliomielite. (A propósito, na seca de 1877 no semi-árido nordestino do Brasil, morreu de fome, sede e doenças epidêmicas agregadas, metade de toda população do Ceará (10). Já agora, os impactos epidemiológicos das secas acham-se minimizados, praticamente não mensuráveis em escala epidemiológica). Várias outras doenças estão sob controle ou caminham para a erradicação, representando triunfos inquestionáveis da tecnologia de saúde ao lado do progresso econômico, social e ambiental. No entanto, a coexistência dos dois modelos que demarcam os polos da transição epidemiológica e seu correspondente alimentar e nutricional, produzindo a dupla carga de doenças, bem como a emergência de uma terceira carga (compreendendo novos agravos, iatrogenia, doenças ocupacionais emergentes) abre um campo imprevisível e ameaçador para o futuro e mesmo para o presente de grande parte da humanidade.

    Surpreende, por exemplo, o fato de que a desnutrição das crianças (baixo peso ao nascer, déficit estatural acentuado) bem característica de um estágio atrasado do processo saúde/doença seja, paradoxalmente, um preditor, isto é, um fator de risco para o modelo 2, antecipando, portanto, o cenário das doenças crônicas não transmissíveis. É o caso do diabetes mellitus tipo 2, ou diabetes do adulto, notadamente após os 30 anos de idade, que agora passa a ocorrer, crescentemente, em adolescentes e mesmo em crianças menores de até dois anos (11). O risco que era demarcado como um dos indicadores da semiologia clínica para a terceira década de vida em diante, desloca-se, progressivamente, para os grupos infanto-juvenis, assumindo uma direção inesperada.

    Na mesma e surpreendente direção, as dislipidemias, a hipertensão arterial, o comprometimento precoce dos vasos coronarianos. Assim, as doenças de adultos com raízes na infância, passam a ser riscos para a própria infância e adolescência à maneira de adultos e velhos, antecipando a lógica da história natural clássica dessas enfermidades (12; 13). É curiosa, como no caso do Brasil e outros países em desenvolvimento, a colinearidade em nível ecológico, entre o sobrepeso/obesidade das mães e a anemia das crianças, juntando no mesmo tempo, espaço e famílias, problemas que, por sua natureza etiopatogênica, se opõem, mas que passam a caminhar nos trilhos paralelos da epidemiologia nutricional, quando deveriam representar linhas distintas e até mesmo divergentes (14). Mudou a natureza? Ou mudamos nós?

    Como forma de encadear o processo que configura a transição, pode-se recorrer a um esquema idealizado de eventos que se sucedem, constituindo, tentativamente, uma cronologia. Como todo modelo, o ideograma da transição alimentar/nutricional descreve uma representação simplificada da realidade. As formas graves de desnutrição (kwashiorkor e marasmo) desapareceram, depois de milhares de anos, como problema epidemiológico entre as nações desenvolvidas ainda na primeira metade do século passado, rareando, no momento atual, nos países em desenvolvimento. Seguem-se as formas moderadas e leves, o déficit de altura, até o patamar ideal de equivalência genótipo/fenótipo. Deve-se observar que a transição não representa uma sucessão linear e descontínua de etapas que se excluem. A superposição parcial de caselas expressa essa observação. Ademais, a significação do ideograma se faz como leitura de uma linha de situações direcionadas pelo estado de nutrição energético-protéica. Na realidade, o processo de transição é bem mais complexo, reunindo desde as carências nutricionais específicas e suas associações com doenças nutricionais e não-nutricionais (vertente ascendente do modelo) até a vertente descendente, tipificada no binômio sobrepeso-obesidade. Mais ainda, as situações da vertente descendente podem ocorrer também na escala ascendente. É um contínuo que pode ser descontinuado.

    Muitos fatos conflitantes com a lógica conceitual do modelo estão surgindo ou ressurgindo. É o caso da deficiência primária de iodo, uma carência nutricional específica e de fácil controle (basta a iodatação rotineira do sal de cozinha para resolver o problema) e que está reaparecendo como um risco potencial na rica e culta Europa de nossos tempos, segundo um relatório da OMS (1995-2005). Demonstra-se que em 19 países do velho continente, 52,4% dos escolares tem uma ingestão de iodo baixa (<100 mcg por dia), seguindo-se de sete países do Mediterrâneo Oriental, com 48,8% (15). Ou o beribéri, doença causada pela deficiência de vitamina B1 (tiamina) que, depois de pavorosas endemias e epidemias no passado, principalmente na Índia, China e a antiga Manchúria, reaparece em brotes epidêmicos em Cuba, na Rússia, na Colômbia, no Canadá e no Brasil Central, em pleno front do desenvolvimento econômico.

     

     

    Outro conjunto de problemas conjugados à nova situação dos mercados alimentares, ou seja, às novas técnicas de produção de alimentos, está sendo revelado pelo uso crescente dos defensivos agrícolas: inseticidas, fungicidas e pesticidas. Observações na Região dos Lagos (Estados Unidos), Holanda e Japão, informam que o emprego excessivo desses produtos, que foram essenciais para o sucesso da primeira Revolução Verde está relacionado com a multiplicação de casos de hipospádia e de criptorquidia, alterações morfológicas congênitas do aparelho genital masculino. Ademais, alimentos contaminados por agrotóxicos quando consumidos durante a gestação (a chamada poluição intrauterina) estão sendo relacionados com acentuado retardo do desenvolvimento mental. Por fim, a poluição intrauterina tem sido estreitamente associada à mortalidade de embriões do sexo masculino no momento da diferenciação sexual. Em princípio, o risco relativo já era universalmente mais elevado nos embriões machos. No entanto, como no caso do Japão, essa relação vem sendo aumentada em proporções consideráveis nas últimas décadas: 2,5 vezes em 1966, 3,1 vezes em 1976, 6,2 vezes em 1986 e 10 vezes em 1996. Ou seja, um aumento de quatro vezes em trinta anos (16).

    Outro fato muito emblemático foi a "síndrome da vaca louca". Na verdade a encefalopatia esponjeiforme (substrato patológico da doença) já era bem conhecida da prática médica há algumas décadas. No entanto, sua ocorrência no gado vacum é recentíssima: deve-se a agentes pré-virais, desenvolvidos a partir do farelo de peixes na ração animal, em razão de seu baixo custo quando comparado às farinhas de grãos, principalmente leguminosas e oleaginosas. Os prions (esta a denominação dos novos contaminantes) passaram a produzir a doença nos animais numa reedição do que já se conhecia na patologia e clínica humana, a doença de Creutzfelet-Jacob. Sua ocorrência sinaliza na direção já apontada por precursores da epidemiologia prospectiva, advertindo para os riscos do consumo de novos produtos (entre os quais, alimentos industrializados), a despeito de sua aprovação sumária em ensaios experimentais nos biotérios. Esses e outros exemplos reforçam o princípio de ponderação que, além dos defensivos agrícolas e dos aditivos químicos nos alimentos industrializados, deve ser aplicado em relação ao uso extensivo dos transgênicos, patenteados mediante estratégias e objetivos monopolistas, por empresas de insumos agrícolas (16; 17). É, sobretudo, uma situação reveladora de que as mudanças alimentares, violando princípios naturais da própria vida, podem ser desastrosas. Afinal, a partir da doença da vaca louca, fica a lição de que peixe não é comida de gado.

    DESNATURAÇÃO DA VIDA Na realidade, a transição alimentar/nutricional, depois de grandes conquistas, está se encaminhando para uma vertente perigosa: a desnaturação dos alimentos, a desnaturação da vida humana e dos biomas em seu conjunto, o confronto com a natureza, como uma guerra não declarada: os ganhos da tecnologia a serviço dos mercados. Assim, 80% a 90% dos alimentos, antes de entrar em nossas bocas, passa pela boca das máquinas. O alimento hoje é emblematicamente um sanduíche: seja nos fast foods das esquinas, seja no recheio da vertente industrial que produz insumos para a agropecuária e a outra vertente industrial que transforma os produtos primários do campo em manufaturados. Já se chega ao paradoxo de se empobrecer alimentos pelo processo de industrialização e depois enriquecê-los, por nova reciclagem tecnológica: caso do ferro, dos folatos, da vitamina A e das vitaminas do complexo B, adicionados artificialmente para reverter o prejuízo nutricional do próprio processamento. A Revolução Verde, saudada como a solução científica e tecnológica para salvar a humanidade contra a fome pelos séculos afora, está com seus dias contados: a caminho, para substituí-la, como pensamento e como nova prática, vem aí uma Segunda Revolução Verde, tratando o solo, as águas, as sementes, as plantas e os animais mediante princípios naturais chamados de orgânicos. A revolução inovadora dos ecossistemas de produção, transformação, conservação, transporte e distribuição, articulados em cadeias que tendem a se fechar é, agora, a busca de práticas e princípios conservadores, visando a sustentabilidade.

    No caminho histórico da transição nutricional, um grande recuo no tempo seria ilustrativo para se perceber duas tendências: de um lado, a mobilização decrescente do esforço físico para prover as necessidades humanas. É a desativação progressiva do metabolismo de trabalho. Pode-se conjecturar que o homem primitivo, num regime de atividade coletora (caça, pesca, busca de frutos e raízes) dispendia 60% ou mais de suas calorias no árduo esforço de coleta e transporte de alimentos. Com o advento da agricultura e da pecuária, provavelmente o esforço produtivo, à base de energia muscular, passou a demandar 60% ou mais de seu metabolismo de trabalho. Com a modernização tecnológica, o trabalho muscular foi sendo substituído gradualmente e com grandes vantagens, em termos de produtividade e redução de custos, seja na agropecuária seja em várias outras atividades produtivas. Resultado: liberados do trabalho físico, praticamente nos alimentamos para atender pouco mais que o metabolismo basal. Configura-se, assim o Homo sedentarius da modernidade. No início do século XX, as necessidades mundiais médias de consumo energético da população humana eram de 2.800 a 3000 calorias por pessoa/dia. Hoje, situam-se em 2.100 calorias, em função das baixíssimas demandas energéticas das ocupações profissionais ou domésticas e até do próprio lazer. É o que se pode chamar de "confortocracia". Mas isso tem seu preço, em termos de saúde: o componente de atividade física a que o homem (ou seus precursores) e algumas espécies de animais domésticos recorriam há de milhares de anos foi praticamente descartado pelo crescente sedentarismo, que representa uma marca da modernidade e seus novos estilos de vida. A obesidade e seu séquito de doenças associadas, assumindo proporções epidêmicas, constitui um produto representativo dos modos do homem moderno, ou mais apropriadamente, do modelo ocidental de vida. Não existe em outras espécies animais, a não ser nos que, domesticados, convivem de perto com o homem em estreita dependência, como gatos, cães e aves. São os novos co-habitantes do ambiente obesogênico (comida ad libitum e sedentarismo sem limite). Na realidade, a transição alimentar e nutricional, mais do que um campo da leitura recortado no painel da epidemiologia em rápida mudança, constitui um dos movimentos mais ousados do homem como agente e como objeto de nova e desconcertante civilização que está sendo construída, com o avanço da ciência e da tecnologia para rumos desconhecidos. Perdeu-se o impulso darwiniano da adaptação sucessiva, por conta dos desafios do passado e seus ambientes. Agora, já se faz artificialmente ambientes adaptados à imagem e semelhança dos interesses e circunstâncias do próprio homem. A transição alimentar e nutricional é uma reprodução dos novos ecossistemas de vida. Configura-se na rápida passagem de uma economia baseada em atividades primárias para um modelo dominado pelas indústrias de transformação, suas demandas crescentes de bens e serviços, algumas para atender necessidades básicas, outras (muitas outras, por sinal) para responder a demandas supérfluas, plenamente descartáveis. A população mudou-se do campo para a cidade. Os meios de comunicação, sem fronteiras geográficas e políticas e muitas vezes sem fronteiras éticas, impõem novas, volúveis e até inúteis e nocivas exigências de consumo. Por sinal, as mudanças recentes nos hábitos alimentares da população brasileira (Quadro 1) são bem indicativas dos riscos que estão se instalando a partir de nossos pratos (18). Somando prós e contras, com base no documento referencial das Nações Unidas (19), há mais sinais vermelhos do que cores verdes no trânsito das novas tendências de consumo alimentar no Brasil. Destacam-se, como elementos positivos, a redução do consumo de açúcar, gordura animal e ovos. Em relação aos aspectos negativos, o aumento no consumo de embutidos, biscoitos, refrigerantes, de par com a diminuição do feijão e outras leguminosas, raízes, tubérculos e peixes. Em alguns itens, essas variações chegam a 218% e até 425%, sendo as maiores em itens indicativos de alimentos não saudáveis, como embutidos, refrigerantes e biscoitos. A avaliação recente do consumo de frutas e verduras (3-4% do valor calórico da dieta), evidencia como está longe de se alcançar os valores recomendados de 6% e 7%. São alertas urgentes que devem ser assumidos como responsabilidades de políticas públicas de promoção de saúde. São deveres de Estado e direitos de cidadania que estão num jogo desigual, pelo poder da indústria e comércio de alimentos. Neste sentido, cabe reconhecer as posições e as lutas firmemente assumidas, há quase vinte anos pela sociedade brasileira (da I a IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar), há dez anos pela Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, há cinco anos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, em nível global, pelas Nações Unidas, ao estabelecer recomendações, normas e compromissos para regular o mercado de alimentos, com vistas nos interesses de saúde da população.

     

     

    As automações, os servomecanismos, entraram, visceralmente em nossos corpos, incluindo seu próprio metabolismo, agora quase restrito às atividades vegetativas. Por outra parte, a obsolescência programada pelos modismos do mercado está levando a um impasse ambiental: assim, se o padrão de consumo dos Estados Unidos e Japão fossem espalhados por toda a humanidade seriam necessários três planetas Terra para atender a efetiva demanda de matérias-primas (20). Já se questiona: o homem ainda é naturalmente humano? Para onde caminha o conflito homem/natureza? Como se projetam, nesse cenário de imprevisões, as perspectivas da alimentação e nutrição? Para onde transitamos? Para as fronteiras do sem fim e sem direção de um futuro sem valores referenciais? Valerá a pena um projeto de civilização que deve constituir o desenvolvimento humano em várias dimensões simultâneas e interativas? Ou seja, unificando os desafios econômicos, sociais, políticos, ecológicos, culturais e coparticipativos, direcionados por princípios éticos e por razões de sustentabilidade? Mais que uma utopia, é o que se discute, se estuda e se propõe no Centro Internacional de Desenvolvimento, fundado por um brasileiro exilado, Josué de Castro, um pioneiro da luta contra a fome e as desigualdades, na Universidade de Paris VIII. Ou ficamos com o discurso radical da pós-modernidade, enunciando que a história não tem nem terá rumos? E viva o niilismo! Mas isto não seria uma sentença de morte?

     

    Malaquias Batista Filho é professor e pesquisador do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) Recife, Brasil. É membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e bolsista do CNPq. Email: mbatista@imip.org.br
    Luciano Vidal Batista é entomologista com doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Email: lvidalbatista@yahoo.com.br

     

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Friederiksen, H. "Feedbacks: economic and demographic transition". Science, 166: 837-847, 1969.

    2. Omran, A.R. "The epidemiologic transition. A theory of the epidemiology of population change". Milbank Mem Fund Q. 49:509-538, 1971.

    3. Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). "Situação Mundial da Infância", 2009 (tradução). Unicef, Brasília, 2009.

    4. Organização Mundial de la Salud (OMS). "Estadisticas Sanitarias Mundiales". (Printed in France). Geneve, 2009, 149p.

    5. Popkin, B. M. "Nutritional patterns and transitions. Populations and Development". Review, 19: 138-157, 1993.

    6. McLean E.; Egli I.; Cogswell M.; Benoist B. "Worldwide prevalence of anaemia, vitamin A and mineral nutrition". Information System, Geneve, 2004.

    7. World Health Organization (WHO). "Worldwide prevalence of anemia; 1993-2005". WHO/CDC, 2008.

    8. World Health Organization (WHO). "Global strategy on diet, physical activit and health". Food and Nut Bull, 25(3): 292 – 302, 2004.

    9. De Lima, R. "Para entender a pós-modernidade". [Notas de pesquisa]. Revista Esp Acad 35, abril, 2004. Acesso: http://www.espacoacademico.com.br/035/35eraylima.html

    10. Castro, J. Geografia da fome, 11ª. Ed. Griphus, Rio de Janeiro, 1992.

    11. Gallou-Cabane C; Junien, C. "Nutritional epigenomics on methabolic syndrome". New Persp. Diabetes, 54:1899-1905, 2005.

    12. Barker, D.J.P.; Oswond, C.; Forsen, T.J.; Kajantie, E.; Ericksson, J. G. "Trajectories of growth among children who have coronary events as adults". N. England, 353: 1802-9, 2005.

    13. Alves, J. G.; Figueira, F. "Doenças do adulto com raízes na infância". Medbook, 25. ed, Rio de Janeiro, 2010.

    14. Batista Filho, M.; Rissin, A. "A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais." Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2003.

    15. Benoist. B.; Mclean, E.; Andersson, M.; Rogers, L. "Iodine deficiency in 2007: Global progress since 2003". Food and Nutrition Bulletin, vol. 29, no. 3, 2008.

    16. Odent, M. O camponês e a parteira: uma alternativa à industrialização da agricultura e do parto. (Tradução: Sarah Bailey). Ed. Gound. São Paulo, 2003. 187p

    17. Smith, J.M. Roleta genética. Riscos documentados dos alimentos transgênicos sobre a saúde (Tradução: Leonardo T. Morais) Ed. João de Barros, São Paulo, 2009, 305p.

    18. Levy-Costa, R. B.; Sichieri, R.; Pontes, N. S.; Monteiro, C. A. "Disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil: distribuição e evolução (1974-2003)". Rev. Saúde Publ. 39 (4): 530-540, 2005.

    19. World Health Organization(WHO). "Global strategy on diet, physical activity and health". Food and Nutr Bull, 25(3): 292-302, 2004.

    20. Gore, A. Uma verdade inconveniente. Campo Grande. Ed. Manole. 2006. 325 p.