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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.spe1 São Paulo  2010

     

     

    Premios Nobel de 1948

     

     

    Couberam a P. M. S. Blackett, A. Tiselius e P. Mueller, respectivamente, os prêmios Nobel de Física, Química e Medicina correspondentes ao ano de 1948.

     

    Professor Blackett

    O professor Patrick Maynard Stuart Blackett nasceu em 18 de novembro de 1897 e preparou-se nos Colégios Navais de Osborne e Dartmouth para ser oficial de marinha, posto em que realmente serviu seu País durante a guerra de 1914-1918. Depois disto passou a ensinar ciência no Magdalene College, em Cambridge. Logo ingressou no Laboratório Cavendish, onde realizou trabalhos de pesquisa sob a direção de Lord Rutherford. Um de seus primeiros trabalhos foi o de tornar automática a câmara de Wilson, com a qual tirou cêrca de quinhentas mil fotografias, duas ou três das quais confirmaram de maneira visível a dedução de Rutherford quanto à transformação do núcleo do azoto em outros elementos, sob ação do bombardeio por partículas alfa.

    Tornou-se Blackett um dos mais reputados especialistas no emprêgo da câmara de Wilson, que mais tarde passou a usar para estudar os «showers» de raios cósmicos, inventando, com Occhialini, a câmara controlada por meio de contador de Geiger. Esta nova técnica é hoje universalmente usada e veio substituir o antigo método, pouco satisfatório, de fotografias de raios cósmicos em câmara de Wilson, que se faziam ao acaso.

    Com o novo aparelho Blackett e Occhialini verificaram a existência de electrons positivos antes mesmo da publicação do trabalho de Anderson; retardaram, entretanto, a publicação de seu trabalho, para apurar certas minúcias, e nesse interim surgiu a publicação de Anderson, que, precedendo de dois dias a dos ingleses, dessa forma tirou-lhes a prioridade. A êles, entretanto, se deve o conhecimento aprofundado do electron positivo, ou positron, e a solução, à custa dessa descoberta, de algumas dificuldades essenciais da teoria relativística de Dirac sôbre o electron.

    Para estudo da penetração dos raios cósmicos Blackett estabeleceu uma estação especial subterrânea em Holborn.

    No Birkbeck College, onde trabalhou de 1933 até 1937, Blackett dedicou-se especialmente ao estudo dos raios cósmicos, formando excelente núcleo de pesquisa, que continuou a desenvolver-se brilhantemente mesmo após sua partida para Manchester. Em Birkbeck Blackett teve o auxílio da Royal Society, que lhe concedeu fundos especiais para instalação de certos aparelhos necessários à pesquisa cósmica. Deixando Birkbeck por Manchester, onde sucedeu a Sir Lawrence Bragg na cadeira Langworthy de Física, Blackett foi substituído por J. D. Bernal, outro físico «político» como êle.

    Quando a guerra de 1939 sobreveio, Blackett voltou sua atenção para os problemas de natureza militar e naval, tornando-se um dos pioneiros da «pesquisa operacional», a que a Inglaterra deve tão grande parte de sua vitória contra as poderosas e numerosas armas alemãs. Êste foi um período muito brilhante da vida de Blackett, no qual êle aparece não apenas como cientista mas também como organizador de notaveis qualidades e revolucionador das táticas militares, nas quais introduziu a precisão do método científico. Graças a essa atividade, Blackett e seu pessoal, pitorescamente conhecidos na gíria dos tempos de guerra como o «circo de Blackett», ostentam hoje a glória de terem sido o motivo principal da derrota dos submarinos alemães.

    Retornando das atividades de guerra Blackett reiniciou em Manchester, com redobrado vigor, seus trabalhos de pesquisa. Em torno dêle já se formou largo círculo de pesquisadores interesssados nos problemas da física nuclear, ao mesmo tempo que se vai desenvolvendo, perto de Manchester, novo laboratório para estudo dos meteoros por meio do radar. Muito recentemente, retomou as idéias de Schuster a respeito da existência de lei simples regulando o momento magnético dos grandes corpos em rotação; quiz dessa forma explicar o magnetismo terrestre. Embora não esteja ainda de modo algum provada a existência de tal lei, a apresentação do problema por Blackett, com argumentação nova e entusiasta, teve o mérito de pôr a questão novamente em foco e chamar para ela a atenção e o interêsse dos astrônomos e dos geofísicos. Dêsse interêsse muitos frutos sem dúvida surgirão, e não pequeno será o crédito de Blackett pelo que de novo aparecer nesse terreno.

    Feito êsse rápido bosquejo da atuação de Blackett como cientista e organizador, seria impossível deixar de relembrar sua atividade política. Esquerdista, e tendo do mundo uma concepção bem próxima do marxismo, não é entretanto um comunista na acepção comum da palavra. Há quem o classifique como fabiano avançado. De suas tendências não faz mistério e todos os ingleses cultos ainda se recordam de sua irradiação na série da BBC sôbre «A frustração da Ciência», a qual foi, sem dúvida, literatura científica acentuadamente vermelha. Durante a Guerra Civil Espanhola foi um dos mais ativos organizadores e angariadores de auxílio para o Govêrno ameaçado, e afinal derrotado, pelo General Franco.

    Recente livro por êle publicado («The Military and Political Consequences of Atomic Energy») despertou muita controversia, especialmente em face da atitude, aparentemente pouco crítica e bastante emocional, que assume em relação à Rússia e aos Estados Unidos. Os críticos estranham atitude tão altamente emocional no cientista que se celebrizou, nos tempos da guerra, por banir dos assuntos militares todos os fatores emocionais.

    Em Blackett sempre esteve muito viva a preocupação com as repercussões sociais da Ciência e porisso a Associação dos Escritores Científicos nele encontrou um dos mais ardentes patronos. Dessa Associação êle foi presidente, e como representante dela foi o primeiro professor de ciência a tomar parte em Congresso Sindical.

     

    Prof. Tiselius

    ARNE TISELIUS nasceu a 10 de agôsto de 1902 em Estocolmo e fêz estudos básicos em Upsala, onde recebeu o título de doutor em filosofia em 1930. De 1925 a 1938 serviu como assistente na Universidade de Upsala, tendo passado nos Estados Unidos o período de 1934 a 1935, como «fellow» da Fundação Rockefeller junto à Universidade de Princeton. Retornando à sua Universidade, e como prêmio de seus trabalhos fundamentais, recebeu o título de professor, sem encargos de ensino. Em 1938 recebeu a incumbência de dirigir o Instituto de Bioquímica, fundado na Universidade de Upsala graças a uma doação de 500.000 corôas, e para o qual muito, e generosamente, contribuiu o professor The. Svedberg, mestre de Tiselius, que à disposição dêste pôs tôdas as facilidades imaginaveis em matéria de equipamento científico. A partir dessa época os institutos de Svedberg e Tiselius têm trabalhado em íntima e frutífera colaboração.

    Muitos títulos e distinções foram conferidos a Tiselius, entre os quais os de membro da Harvey Society de Nova York, da Sociedade Real Científica de Upsala, da Academia de Ciências da Suécia, assim como encargos da mais alta significação, como o de membro do Conselho do Instituto Wenner-Gren de Biologia Experimental (da Escola de Altos Estudos de Estocolmo), do Conselho de Pesquisas Médicas e da Comissão Atômica.

    A obra inicial de Tiselius está tôda ela concentrada em torno da electroforese. Embora outros cientistas, a principiar com Lodge, Whetham e Masson, tenham no fim do século passado estudado a migração dos ions no campo elétrico, inúmeras dificuldades haviam restado, a entravar a aplicação dêsse fenômeno à caracterização dos ions migrantes das proteinas, especialmente quando em misturas complexas. Os primeiros estudos de Tiselius, em colaboração com Svedberg, resultaram no desenvolvimento de uma técnica para detecção dos «boundaries» das proteinas. Essa técnica foi largamente desenvolvida e aplicada por Tiselius em 1930, em trabalho que definia os mobilidades e os pontos iso-elétricos com precisão até então desconhecida. O método direto de observação da migração elecitroforética, então em uso (micro-electroforese), era muito limitado quanto às suas aplicações, pois só servia para o estudo de partículas. O método desenvolvido por Tiselius, dos «boundaries» moveis, permite operar também com soluções e representou notavel progresso.

    De 1930 a 1937 Tiselius dedicou-se de maneira segura e paciente ao aperfeiçoamento de sua técnica original, chegando afinal, no último ano referido, a estabelecer o aparelho preciso que ainda hoje se usa, com pequenas alterações, para estudos de electroforese. Os principais aperfeiçoamentos feitos consistiram: 1. no uso da água na temperatura de densidade máxima, a qual, reduzindo a tendência para a convecção, torna possível gradientes de potencial muito mais altos do que os antes obtidos; 2. no uso de células chatas retangulares que melhoraram a resolução ótica do sistema e facilitaram a transferência do calor; 3. a divisão do tubo em U em 4 compartimentos, tornando possível o estabelecimento de «boundaries» nítidas; 4. na adoção do método «schlieren», de Toepler, para medida dos gradientes do índice de refração, o qual dispensou e substitui ucom vantagem o primitivo método da absorção no ultravioleta, inicialmente usado pelo próprio Tiselius.

    Com exceção de alguns aperfeiçoamentos de natureza ótica, introduzidos por Philpot, Longsworth e Mac Innes, o aparelho de Tiselius tem permanecido inalterado até hoje. Seu uso operou verdadeira revolução no estudo das misturas complexas de proteinas. Como exemplo disso podem ser citados os trabalhos de Tiselius sôbre as proteinas que formam o sôro sanguíneo, as quais identificou e parcialmente separou, e os de Longsworth e Mac Innes sôbre as da clara do ovo. Imensa bibliografia tem-se acumulado nos últimos tempos a respeito da aplicação do método de Tiselius à solução de muitos outros problemas relativos à composição de substâncias de natureza biológica.

    Mais recentemente Tiselius tem-se dedicado ao desenvolvimento de métodos de separação de moléculas de tamanho intermediário entre o das proteinas e o das unidades simples que as compõem, terreno no qual atualmente existe deficiência de métodos práticos de trabalho. Construiu Tiselius um aparelho extremamente util para identificação de tais produtos, o qual representa passo importantíssimo para o ataque ao problema da estrutura mesma das proteinas. Êsse aparelho, que já tem permitido separar e caracterizar alguns dêsses produtos intermediários entre as proteinas e as unidades mais simples, possivelmente encontrará aplicação em outros campos, como por exemplo na separação de ácidos graxos e carbohidratos.

    Ao relatar a obra científica de Tiselius e o seu significado para o progresso da ciência, não seria possível esquecer que essa obra é uma projeção do Instituto de Físico-Química da Universidade de Upsala, conhecido em todo o mundo pelas magníficas e originalíssimas técnicas com que tem enriquecido, desde sua fundação, o estudo da física e da química coloidal, assim como da bioquímica. Dessas contribuições merecem ser destacadas, como particularmente significativas, a construção de tipos diversos de ultracentrífugos para purificação e caracterização de macro-células, especialmente devida a Svedberg, a técnica de difusão desenvolvida por Lamm, a técnica electroforética imaginada e desenvolvida por Tiselius, as instalações experimentais para estudo da dupla refração do fluxo de proteinas fibrilares, o aparelho para análise de adsorção pelo método «chlieren» de Toepler ou o método interferométrico para observação ótica, e muitas outras técnicas de larga aplicação em delicados trabalhos experimentais.

     

    Dr. Mueller

    Paul Mueller nasceu a 12 de janeiro de 1899 em Olten, Suiça. Desde os tempos de ginásio interessou-se muito pelas questões de física e de química, às quais dava especial atenção, realizando, nos momentos de folga, experiências por conta própria. Dêsses tempos se recorda que, certa vez, quando o professor dava sua aula em presença do diretor da escola, o jovem Mueller teve oportunidade de corrigir determinado êrro do mestre, discutindo com êle e deixando claro que possuia já conhecimentos mais profundos do que os daquele que lhe ministrava lições.

    Em 1925 doutorou-se em química, depois de haver abandonado por uns tempos os estudos para trabalhar em laboratórios analíticos e de pesquisa. Discípulo dos professores Fichter e Rupe, em assuntos de química inorgânica e orgânica respectivamente, serviu ao primeiro como assistente no curso de metais raros.

    Ainda em 1925 ingressou na secção de corantes e mordentes da Geigy S. A., em Riehenring, trabalhando intensamente em taninos sintéticos. Em 1930 passou-se para o terreno dos inseticidas sintéticos, e isto por motivos por assim dizer domésticos; com efeito, havendo alugado uma casa de campo na região do Jura, para passar os fins de semana com a família, aí entrou em contacto com o problema da luta contra os parasitos das plantas. Êsse contacto casual estimulou-lhe a curiosidade e o interêsse pela ação dos inseticidas. Iniciou, então, paciente trabalho de síntese sistemática de novos inseticidas e de sua experimentação rigorosa, evitando a todo custo deixar influenciar-se por qualquer espécie de preconceitos, os quais, como êle mesmo declara, são muitas vêzes o motivo do fracasso de não poucas tentativas nesse terreno.

    Em 1939 notou os efeitos do difeniltricloretano sôbre moscas, que eram os animais usados como prova da eficiência dos produtos de síntese. A ação dessa substância revelara-se muito intensa, mesmo em pequenas concentração, e por contacto. Condensando clorobenzeno com cloral, obteve então o diclorodifeniltricloretano, que de muito excedia, em eficiência, todos os outros preparados até então conseguidos. Ampliou as experiências com êsse composto, aplicando-o em moscas, mosquitos e pulgões e verificando sua ação residual, depois de pulverizado nos vidros das janelas. Encontrou, de colegas biologistas, certa resistência inicial, pois êles alegavam, sem reparar na ação residual, que o produto agia muito lentamente. Apesar disso, Mueller passou a aplicá-lo em pragas vegetais, com resultados tão animadores que o inseticidade foi enviado para aplicações de campo, e em maior escala, ao Instituto Federal de Waedenswil, onde o dr. Wiesmann pôde corroborar amplamente as verificações iniciais, que o próprio Mueller, por sua vez, havia já ampliado, fazendo aplicações sôbre outros parasitos.

    Êsses ensaios demonstraram ainda a inocuidade do novo preparado para as fôlhas e outros órgãos vegetais. Experiências feitas com animais demonstraram a pequena toxidez do produto para animais de sangue quente, e assim mesmo só em doses elevadas.

    A descoberta do produto, que outro não é senão o hoje popular DDT, data de setembro de 1939, isto é, das vésperas da grande guerra. O DDT encontrou logo inúmeras oportunidades de ser posto à prova, contra piolhos e mosquitos transmissores de moléstias e que sempre constituíram séria ameaça para as legiões de soldados empenhados em combates e outras operações de guerra em tão extensas regiões como aquelas a que chegou a última guerra. Tanto os alemães quanto os seus oponentes tiveram oportunidade de experimentar o produto e aplicá-lo. Em Nápoles êle deu impressionante demonstração de sua eficiência, comtando uma epidemia de tifo que em pleno inverno ameaçava a população sub-alimentada, no ano de 1943. Nesse mesmo ano os Estados Unidos fabricaram 75 toneladas do produto, em 1944 cinco mil e em 1945 dezoito mil. Êsses números mostram a larga difusão que teve o DDT, o qual representa, sem dúvida, uma das mais poderosas armas que a humanidade conseguiu para a luta contra alguns dos seus mais antigos flagelos, como o tifo e a malaria.

    A descoberta do DDT foi declarada pelo Instituto Caroliniano de Estocolmo, que distribui o prêmio Nobel de Medicina, como «valor inaprecaivel para a humanidade, refletindo dessa forma os princípios estabelecidos no testamento de Nobel».

    Terminando essa nota, convém ainda lembrar que a descoberta do DDT constitui exemplo, não muito comum na história da ciência, de descoberta feita por pesquisador a serviço de firma particular. Considerando o que essa descoberta representou para o bem-estar da humanidade e o que trouxe, por outro lado, de benefício, aliás muito merecido, para a firma Geigy, outra coisa não é possível concluir senão que a pesquisa compensa largamente o dinheiro que nela se investe.

     

    J.R.

     

     

    O VOCÁBULO «CIENTISTA»

     

     

    «Devemos o têrmo ao Rev. William Whewell, professor de Filosofia Moral na Universidade de Cambridge. Poucas palavras inventadas de propósito alcançaram uma voga "tão grande, e muita gente ficará, provàvelmente, surprêsa ao saber que ela tem apenas pouco mais de cem anos de idade. Whewell não inventou de ânimo leve a palavra. Os seus «Aforismos sôbre a linguagem da Ciência» ocupam mais de setenta páginas de The Philosophy of the Inductive Sciences (1840).

    Os «Aforismos» constituem um exame atento dos modos como as novas palavras devem ser constituídas. Êle observa que as terminações ize, ism e ist são aplicaveis às palavras de tôdas as origens. Inventa incontinenti a palavra, universalmente aceite, physicist (físico), fazendo notar que physician (médico) não pode ser usada na mesma acepção. Passa logo à invenção de uma palavra ainda mais necessária. «Precisamos muito de um nome para caracterizar o cultor da ciência em geral. Eu inclino-me a chamar-lhe um Scientist (cientista).»

     

    (John R. Baker, «A Ciência e o estado planificado», trad. de Antonio de Souza, Coimbra, 1947, págs. 13 e 14).