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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.spe2 São Paulo  2010

     

    A escola tropical de genética brasileira

     

    Dayana de Oliveira Formiga

     

     

     

    Nos anos de 1930, enquanto o debate entre a genética e evolução era acalorado no mundo científico - o que acabou gerando um novo paradigma na biologia, a chamada Teoria Sintética da Evolução ou Neodarwinismo - eram organizadas as bases da Universidade de São Paulo (USP). Fundada em 1934, ela era constituída pelos seguintes institutos: Faculdade de Direito; Faculdade de Medicina; Faculdade de Farmácia e Odontologia; Escola Politécnica; Instituto de Educação; Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais; Escola de Medicina Veterinária; Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq); Escola de Belas Artes e Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) - além de outros institutos já existentes como o Butantan, Biológico e o Agronômico de Campinas, que foram incorporados posteriormente com o Decreto Estadual no. 6283(1).

    Segundo os idealizadores da USP (2), sua célula mater era a FFCL, pois abrigava as áreas - das ciências matemáticas, físicas, químicas e naturais, geografia e história, ciências sociais e políticas; e letras clássicas e línguas estrangeiras - consideradas essenciais para o desenvolvimento da nação brasileira.

    É nesse ambiente tão propício à pesquisa científica que se desenvolveu uma das primeiras escolas de genética no Brasil, dentro do curso de história natural (antes denominado ciências naturais) que envolvia os seguintes departamentos: biologia geral, zoologia, botânica, mineralogia, petrografia, fisiologia geral e animal, geologia e paleontologia. O centro da escola era o Departamento de Biologia Geral, do curso de história natural, dirigido pelo professor André Dreyfus. Dreyfus era médico, havia lecionado histologia, aulas de laboratório e preparava material didático sobre as teorias da evolução e genética na Faculdade de Medicina de São Paulo e fora convidado para dirigir o departamento na fundação da USP.

    O evolucionismo e a genética eram discutidos com alunos, apresentados em cursos e conferências feitas por Dreyfus em vários lugares do Brasil (3).

    Havia também pesquisas voltadas à determinação do sexo e a histologia dos invertebrados. Para coletar materiais de pesquisa (insetos, principalmente) foram realizadas inúmeras excursões, entre 1934 e 1943, nos arredores de São Paulo, Iporanga (no sul do estado de São Paulo) e até o Pantanal matogrossense. As excursões eram normalmente lideradas por alguns dos assistentes do departamento como Crodowaldo Pavan, Gualberto Evangelista Nogueira e Antonio Brito da Cunha. Os resultados das pesquisas de campo apareceram em várias publicações de revistas brasileiras, como a Revista de Medicina, Revista Brasileira de Biologia, entre outras (4).

    A partir de 1943, o Departamento de Biologia mudaria o rumo das pesquisas realizadas. André Dreyfus e seu pequeno grupo de assistentes - que também incluía Rosina de Barros, Marta Erps Breuer, Ruth Lange de Morretes e Elisa do Nascimento Pereira - atraíram os olhares dos representantes da Fundação Rockefeller na América Latina (5), que planejou um plano de desenvolvimento da genética na FFCL. O projeto era liderado por um dos idealizadores da Teoria Sintética Moderna, Theodosius Dobzhansky, e envolvia o início de estudos na sistemática e morfologia de Drosophila, genética de populações - áreas consideradas como pesquisa avançada na época.

    O objetivo das pesquisas era entender a microevolução a partir da distribuição geográfica e da variabilidade das populações naturais, procurando analisar o processo através das espécies tropicais de Drosophila - havia um interesse de se comparar o processo evolutivo em regiões temperadas e tropicais. O Departamento de Biologia se tornava um lugar estratégico de pesquisa (6), pois muitos alunos foram convidados pela Rockefeller para fazer pós-graduação na Universidade de Columbia, ou outras universidades norte-americanas - este caminho foi feito por Pavan, Brito da Cunha, Chana Malogolowkin, Newton Freire-Maia, Oswaldo Frota-Pessoa, Luiz Edmundo Magalhães, entre outros.

    As pesquisas desenvolvidas entre 1943 e 1956 - período de duração do projeto e do financiamento da Fundação Rockefeller - acabaram por auxiliar o desenvolvimento da Escola de Genética Tropical na USP. O projeto era liderado por Dobzhansky, Dreyfus e Pavan (que assume oficialmente departamento com o falecimento de Dreyfus, em 1952) e envolviam diversas excursões no litoral de São Paulo, Paraná, Maranhão, Goiás, Acre, Rio Grande do Sul, Bahia, Ilha do Marajó, Amazônia, e outras regiões. Nas excursões eram realizadas coleta de espécies de Drosophila, análise da fauna e da flora brasileiras e eram financiadas pelo fundo de pesquisa da USP e pela Rockefeller, que também fornecia materiais, equipamentos e reformas na estrutura de laboratórios - além das bolsas de estudo já citadas.

    Com o crescimento da pesquisa, a Escola de Genética Tropical formou uma rede de pesquisadores que se dedicava aos estudos das análises cromossômicas, translocação entre cromossomos-X e autossômicos, taxonomia, ecologia, análise da frequência de genes letais naturais ou induzidos por radiação, bem como sua eliminação na natureza.

    O principal material de análise das pesquisas eram as espécies brasileiras de Drosophila e os resultados dos pesquisadores - tanto brasileiros como vários estrangeiros como Hans Burla, da Suíça; Marta Wedel, da Argentina, e Bruno Battaglia, da Itália - apareceram em inúmeros trabalhos publicados, incluindo a descoberta de mais de 28 espécies de Drosophila.

    Algumas descobertas alteraram o projeto inicial de pesquisa proposto pela Rockefeller. Em 1951, Pavan descobriu uma mosca denominada Rhynchosciara angelae. Nos estudos com problemas genéticos e fisiológicos as larvas da Rhynchosciara apresentavam cromossomos politênicos muito mais desenvolvidos do que a Drosophila, o que a tornava um objeto de estudo muito interessante do que as populares Drosophilas.

    Em meados de 1950, os objetivos da Escola Tropical de Genética não se limitavam somente à pesquisa, mas também em criar uma organização que pudesse congregar pesquisadores interessados nas áreas de genética, melhoramento, citologia e evolução. Havia também a ideia de realizar uma reunião anual junto com a SBPC, criada em 1949.

    Assim foi fundada a Sociedade Brasileira de Genética (SBG), em 1955, um fruto da Escola Tropical de Genética. Nesse período, também se iniciava o fim do apoio da Fundação Rockefeller e o afastamento dos brasileiros com Dobzhansky. Novos temas seriam desenvolvidos na genética e, com a liderança de Pavan, a Escola Tropical de Genética se tornou uma multiplicadora de pesquisadores. Uma rede de geneticistas que se espalharia para diversas regiões do país, formando novos grupos de pesquisa em várias universidades como as federais do Paraná, do Rio Grande do Sul e da Bahia.

    A genética humana foi um dos novos desenvolvimentos da escola. As primeiras pesquisas estudavam a estrutura genética das populações e envolvia o estudo de casamentos consanguíneos e raças isoladas, como comunidades indígenas; grupos sanguíneos; efeitos biológicos das radiações; e a genética médica. Os programas de pesquisa na genética humana também acabaram trazendo novas técnicas para o Brasil, como a genética molecular, e resultou em inúmeros laboratórios e departamentos de genética humana, molecular e médica.

    Hoje, as pesquisas relacionadas ao genoma humano, células-tronco, câncer, entre outras, podem também ser consideradas desdobramentos da Escola Tropical de Genética da Universidade de São Paulo. Há que se mencionar o desenvolvimento de institutos de pesquisa como o Centro de Genoma Humano, do Instituto de Biociências da USP, entre outros que resultaram da reação catalisadora da Escola de Genética Tropical da USP.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Decreto Estadual n.º 6283, de 25 de janeiro de 1934. Disponível em: http://perfil.fundap.sp.gov.br/site/legislacaoi.asp?atoid=20631. Acesso em: 5 out. 2007.

    2. Cardoso, I. A. R. A universidade da comunhão paulista: o projeto de criação da Universidade de São Paulo. São Paulo: Cortez, 1982. 187p.

    3. Coelho, Marco Antonio (entrevistador). "Faculdade de Filosofia da USP: lições inesquecíveis. Depoimentos dos professores Antonio Brito da Cunha e Crodowaldo Pavan". In: Estudos Avançados, São Paulo, v.7, n.18, p.189-201, maio/ago., 1993.

    4. As publicações realizadas pelo Departamento de Biologia encontram-se nos Anuários da FFCL de 1939-1956.

    5. O plano de desenvolvimento científico da Fundação Rockefeller foi sentido em toda a América Latina. Ver Marinho, G.S. Norte-americanos no Brasil: uma história da Fundação Rockefeller na Universidade de São Paulo (1934-1952). Ed. da Universidade São Francisco, 2001.

    6. Glick,T."A Fundação Rockefeller e a emergência da genética no Brasil (1943-1960)". In: Domingues, H. M.; SÁ, M. R. (orgs.). A recepção do darwinismo no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, p.145-161, 2003.

     

    Dayana de Oliveira Formiga é mestra pela USP, professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo - campus de Engº Coelho (Unasp)