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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. v.62 n.spe2 São Paulo  2010

     

    Pavan: o extravagante divulgador científico

     

    Glória Kreinz; Osmir Nunes

     

     

    Com Crodowaldo Pavan, a ciência era uma festa. O conhecimento era paixão sem limites. Solitário, ainda há pouco tempo, ia com alegria ao laboratório se divertir com as "bactérias do bem", pouco se importando se aquele dia era domingo, feriado ou dia de Natal. Em seguida, procurava alguns dos inúmeros amigos, outros cientistas, alunos, uma plateia, jornalistas e, sobretudo, o grupo do Núcleo José Reis de Divulgação Científica (NJR) para compartilhar suas extravagâncias científicas. A ciência para Pavan era acontecimento social e provocação para sua adrenalina mental.

    Exatamente um mês antes de falecer, em plena reunião no NJR - em que se comemorava o aniversário de alguém do grupo e melhoras no seu estado de saúde -, cobrou o andamento do seu grande projeto, que vinha sendo gestado desde meados do ano de 2008: montar um laboratório no B9, um dos prédios da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) em uma sala ao lado da sede do NJR. Quando faleceu, as bases do laboratório já estavam sendo providenciados. Não deu tempo de ele se mudar e ficar conosco o dia todo, como queria. Mas continua em memória.

    Junto a essas providências, estava em andamento um projeto para ser enviado ao CNPq e à Fapesp. Tratava-se do "Ciência ao vivo", uma pesquisa sobre as bactérias no interior dos ovos de aves e replicações de segmentos do embrião, visando o estudo de células-tronco. Um projeto que envolvia ciência e divulgação científica, digamos, em tempo real. A euforia pelo trabalho fora dada pelos resultados promissores que vinha obtendo nesses últimos anos nos seus trabalhos de laboratório no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), mas Pavan não podia mais ficar por lá.

    Esse projeto era o coroamento da sua vida de cientista e divulgador científico, que começou com uma dupla da pesada da ciência e da divulgação do Brasil: André Dreyfus e José Reis. Aliás, o sonho teve como ponto de partida o filme A história de Louis Pasteur, com Paul Muni, produzido em 1935, que ele assistiu em 1937, no cine Metro, na Av. São João, na cidade de São Paulo. Por acaso, a dupla acima estava envolvida com o assunto que o filme lhe despertou.

    Por sorte, logo depois de assistir o filme Pavan descobriu que, na semana seguinte, Dreyfus iria fazer uma palestra na Biblioteca Municipal sobre temas de biologia. Foi até lá, aguardou o término da conferência. Disse ao mestre que queria ser igual ao Pasteur. Saiu de lá e foi fazer história natural na recém-fundada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, por recomendação do professor. Dreyfus recomendou também, ao inquieto candidato a cientista, que assistisse às reuniões das sextas-feiras do Instituto Biológico e, lá, procurasse pelo amigo José Reis, médico que conheceu nos tempos de Rio de Janeiro.

    Com José Reis, Pavan descobriu o bom papo sobre ciência e a amizade foi instantânea, afinal, o novo amigo tinha algo em comum: um espírito comunicativo e perspicaz. Reis tinha apelidado aquela reunião, em que se discutia de tudo que era possível na área cultural e científica da época, de"sextaferina".

    O sonho juvenil de ser cientista acabou se consolidando naquele espírito irrequieto e ágil. Encantou-se com o universo multidisciplinar borbulhante que a FFCL da USP lhe proporcionou com a interação entre diversos conhecimentos que aprendeu a gostar nas sextaferinas.

    A vida política passava ao largo. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e do governo Vargas, no calor da discussão da Constituinte, seu amigo José Reis começou a escrever nas Folhas alguns esboços, para serem incluídos na Constituição do estado de São Paulo artigos sobre financiamento de pesquisas científicas de forma mais sistemática. Saiu, em 1947, um texto com a manchete de Fundação para o Amparo à Pesquisa. Era um anseio da pequena e desorganizada comunidade científica da época.

    Mas, somente em 1948 e, mais uma vez, pelas ações de Reis, viria surgir um organismo que, de fato, criaria um fórum, um espaço de discussão dos rumos da ciência em nível nacional, a SBPC. Pavan se filiou à Sociedade logo no início, se tornou o sócio 181 e participou de todas as reuniões a partir de 1949 até 2008.

    Pavan gostava de afirmar que a ciência, em São Paulo, teve três grandes momentos de importância para sua formulação política: as sextaferinas do Instituto Biológico durante os anos 1930 e inícios dos 1940; a fundação da USP, em que a FFCL possibilitou as trocas em um universo intelectual vibrante onde circulavam brasileiros e estrangeiros; e a SBPC, que foi por fim, o grande espaço da integração nacional para um pensamento científico. Nesses eventos um elo comum os unia: praticava-se a divulgação científica.

    A vida de Pavan pode ser reduzida em dois grandes momentos. Na primeira fase (1938-1975), a tônica foi o que ele chamava de pesquisa básica, na qual transitou entre laboratórios, ensino em grandes universidades - Brasil e EUA - e palcos internacionais, dando conferência para mostrar e provar a inconstância do DNA nos genes. Fez-se, nesse período, o grande cientista de renome internacional.

    A partir de 1975 se reencontrou com José Reis, após retorno dos Estados Unidos, quando inicia a segunda fase. Esta fase foi centrada na política científica onde a divulgação científica é a metodologia de conduta. Com José Reis, Sérgio Mascarenhas e Shigueo Watanabe, Pavan fundou e assumiu a presidência da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Em 1976, juntamente com José Jeremias de Oliveira Filho e um grupo de professores da USP, criam a Associação dos Docentes da USP (Adusp) e ele foi eleito seu primeiro presidente. Tornou-se conselheiro da Fapesp, foi reeleito por três mandatos na função de presidente da SBPC e foi chamado pelo governo federal para ocupar a presidência do CNPq. Pavan obteve grande sucesso em todos os cargos que ocupou.

    Pavan usou de astúcia intelectual no jogo pesado da política, medindo poderes, portando uma arma de guerrilha para desarmar os pretensos senhores do poder político, que pouco avaliavam o poder da política científica. Essa arma sempre foi a divulgação científica. Cultivada em discussões com os diversos representantes dos diversos campos do saber, desde os juvenis anos de 1937.

    As conversas com o antigo amigo José Reis giravam em torno do tema predileto dos dois: a divulgação científica. Para eles isso significava um suporte para melhorar a educação básica e pressão para obtenção de melhoria das verbas para pesquisas, visando o desenvolvimento da ciência e tecnologia que, por sua vez, retornava à sociedade trazendo benefícios de aplicabilidade e independência. Essa postura ficou bem clara quando se implantou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Exigiu-se que o projeto priorizasse o emprego de material produzido no Brasil, afinal, havia pesquisa para desenvolver equipamentos aqui mesmo, fugindo da dependência estrangeira.

    Uma das ações mais vistosas que surgiram das conversas entre os dois, voltada para a divulgação científica, foi a Estação Ciência. Reis convencia Pavan de que o incentivo para o gosto do conhecimento tinha que ser feito para aqueles que estavam começando os estudos. Não queriam um museu, tinha que ser um espaço de experimentação. A energia infanto-juvenil tinha que ser canalizada para o conhecimento. A oportunidade de se usar uma estação de trem industrial antiga ofertada pelo então governador Orestes Quércia e o formidável nome dado pelo publicitário Washington Olivetto para o projeto de Estação Ciência foi perfeito para Pavan, então presidente do CNPq, investir em divulgação científica em São Paulo.

    Pavan tinha visão das demandas do momento. Por ocasião da clonagem da ovelha Dolly (1996), percebeu que estávamos vivendo uma revolução científica de mudanças de paradigma ao estilo de Thomas Kuhn. Seria o momento da biologia se firmar como marco histórico. E assim foi. Nada ainda desbancou o momento Dolly.

    Com prazer especial, Pavan participou do curso de divulgação científica "Ciência e ética", realizado em 1997 no NJR/ECA/USP, e passou a fazer parte do núcleo de pesquisa. Para selar essa nova visão da divulgação científica, iniciou a coordenação com Glória Kreinz da coleção de livros Divulgação científica que produziu seu primeiro volume em 1998 e o 13º no presente ano, o primeiro sem Pavan.

     

     

    Logo em seguida, em 1998, reuniu uma comitiva e foi à Fapesp para solicitar verbas para aqueles que queriam se dedicar à divulgação científica. José Reis acompanhava, recolhido em sua casa, o amigo nas novas peripécias. O então diretor científico da fundação, José Fernando Perez, apoiou a ideia e foi criado o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Cientifico, ou simplesmente Mídia Ciência.

    "Há certa urgência" em melhorar a educação no país, dizia Reis, que tinha acabado de comemorar 90 anos, em 1997. Ele continuava afirmando que, para isso, o país podia melhorar a educação com a ajuda da divulgação científica. Pavan apressa-se: há providências a tomar nesse rumo. Fundou a Associação Brasileira de Divulgação Científica (Abradic) em 2001 e ajudou a coordenar o 1º Congresso de Divulgação Científica da USP, com parceria da Unesco, em 2002. Teve empenho pessoal junto a essa instituição, em Paris, para obtenção da Cátedra Unesco, assinada em 2006. As "bactérias do bem" começam a anunciar o laboratório da divulgação científica. Sabemos o caminho. Pavan continua entre nós.

     

    Glória Kreinz é professora titular da PUC de Campinas, atua como pesquisadora e professora do Núcleo José Reis de Divulgação Científica(NJR)daEscoladeComunicaçãoeArtesdaUSPe naCátedra Unesco José Reis de Divulgação Científica
    Osmir Nunes é mestre em ciências da comunicação e doutorando em história da ciência pela USP, e é membro do Núcleo José Reis de Divulgação Científica (NJR-USP)