SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.63 issue1 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.1 São Paulo Jan. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000100003 

     

    ENERGIA

    Brasil inova nas redes elétricas inteligentes

     

    O projeto de implantação do Clima- Grid foi lançado no início de dezembro passado, no auditório do Teatro Folha do shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. Trata-se de uma nova concepção em sistema elétrico conhecida por "rede elétrica inteligente" ou SmartGrid, caracterizada pela aplicação intensiva de tecnologias de informação e de comunicação nas suas cadeias de geração, distribuição e consumo. O país inovará com a incorporação maciça de dados climáticos ao sistema, o que ainda não existe em nenhuma rede inteligente do mundo. O objetivo é diminuir os custos e o desperdício de energia, bem como as emissões de carbono na atmosfera, e minimizar o impacto das mudanças climáticas na rede. A primeira fase da implementação deverá estar concluída em 2013.

     

     

    Um dos princípios básicos das redes inteligentes é o enfrentamento do problema energético por meio do gerenciamento maciço de dados, com ênfase no consumo, ao invés de apenas pelo aumento da produção. Para tanto, o projeto prevê a troca de todos os medidores eletromecânicos de consumo por versões eletrônicas "inteligentes" dos mesmos. Segundo Pedro Jatobá, da Eletrobrás e presidente da Associação de Empresas Proprietárias de Infraestrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações (Aptel), com os novos dispositivos, será possível coletar dados como a que horas e que tipo de energia cada família consome. Quando o resto do sistema estiver completo, as informações deverão estar disponíveis aos clientes em tempo real. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) submeteu à consulta pública, até 17 de dezembro de 2010, a substituição dos 63 milhões de medidores tradicionais pelos novos. Em estágios posteriores da implantação de um SmartGrid, entram em cena três outros conceitos básicos: o de geração distribuída, o de mobilidade elétrica e o de distribuição virtual. Para explicá-los, Jatobá comparou com o sistema atual, concebido como "alguém que coleta energia em um ponto concentrado e distribui para consumidores fixos em locais conhecidos (o medidor está preso na parede)". Nas redes inteligentes, a geração passa a ser mais local, em qualquer ponto da rede e em pequena escala, como em painéis solares e aerogeradores nos telhados das casas – é a "geração distribuída". A distribuição virtual tem algumas características semelhantes à da internet: ela não "sabe" onde estão os clientes nem os locais de produção, mas "proverá demanda num universo conectado de consumidores e produtores", concluiu Jatobá.

    Quanto à mobilidade elétrica, ela já é uma necessidade por causa do advento dos veículos elétricos, que podem ser carregados em tomadas em qualquer ponto da rede. Além disso, equipamentos como geladeiras e televisores também terão adaptações, de modo a poderem ser controlados à distância. Aderbal Penteado Jr., diretor de Regulação Técnica e Fiscalização do Serviço de Energia da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), exemplificou com um episódio que testemunhou na Finlândia, no qual uma moça lidava com uma máquina de refrigerantes por meio de um telefone celular, há cerca de 30 anos.

    MOBILIZAÇÃO BRASILEIRA Várias entidades nacionais estão envolvidas na implementação das redes inteligentes por meio de diversos projetos. Um deles, coordenado desde 2009 pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) e pela Aptel e descrito por Jatobá, tem como objetivo a elaboração de cenários de migração do setor elétrico no Brasil para a rede inteligente e tirar subsídios para a elaboração de políticas públicas para implantar no país. A execução deverá durar de 2 de janeiro a 1º de julho deste ano.

    Empresas brasileiras também estão apostando no novo sistema. Uma das que mais avançaram é a Companhia Paranaense de Energia (Copel), que investiu em 2010 cerca de R$ 20 milhões e pretende injetar mais R$ 300 milhões até 2014, segundo um artigo de novembro, de Cyro Vicente Boccuzzi, presidente da empresa de consultoria Expertise, Consultoria e Ordenamento em Energia Eficiente (ECOee), para o jornal Diário Comércio, Indústria & Serviços (DCI). De acordo com uma avaliação da ECOee, até 2013 as empresas nacionais deverão investir cerca de R$ 4 bilhões na área.

     

     

    Ao mesmo tempo, uma pareceria entre a EDP e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou em 2008 a construir o projeto ClimaGrid, que desenvolverá, segundo Vitor Gardiman, do Grupo EDP no Brasil, gerente do projeto Clima- Grid, "um novo sistema computacional que integrará um conjunto amplo de variáveis meteorológicas e ambientais ao sistema elétrico". A iniciativa ainda não havia sido tomada por nenhum país. "Em todos os fóruns em que fui, o SmartGrid não olhava para o céu", relatou. A primeira fase do projeto tem como metas gerais a interligação do sistema elétrico inteligente, a agregação de ferramentas climáticas ao sistema e a integração à rede de bancos de dados climáticos históricos. A chegada das informações a quem as queira – inclusive aos consumidores – deverá ser automatizada.

     

     

    Outro conceito básico no Clima- Grid é a convergência, a possibilidade de se correlacionar informações e ações de diferentes naturezas (temperatura, abertura de um disjuntor, umidade em certo lugar, desempenho da rede em outro lugar). Isso, mais a transparência dos dados, permitiria às empresas reagir adequadamente a efeitos climáticos severos. "Sem que isso aconteça, olhamos quadros separados que não conseguimos juntar", avaliou Gardiman. Segundo ele, cerca de R$2 milhões serão gastos nessa fase, envolvendo as distribuidoras de eletricidade EDP Bandeirante (SP) e EDP Escelsa (ES). Os resultados "poderão e deverão ser replicados" por outras empresas, afirmou.

    INOVAÇÃO CONTRA RAIOS Especificamente, a parte climática do Clima- Grid tratará de dados sobre descargas elétricas nuvem-solo, nuvem-nuvem, ventos, temperatura, umidade, precipitação e vegetação. A inclusão das descargas nuvem-nuvem é também uma inovação brasileira. Sua importância é que permitirá maior precisão na previsão de tempestades com raios, algo extremamente difícil em climatologia. Trata-se de um problema sério para o Brasil, país com a maior incidência de raios do mundo (60 milhões de descargas por ano). De acordo com Osmar Pinto Jr., coordenador do projeto ClimaGrid e do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Inpe, 99% da rede elétrica nacional é aérea, exposta a esses fenômenos. Uma das regiões mais vulneráveis é a do Cerrado, informou Carlos Nobre, chefe do Centro de Ciências do Sistema Terrestre do Inpe, onde os raios são importante motivo de queimadas. Por outro lado, o aumento do número de descargas nos últimos anos é uma tendência global – dados coletados por satélites revelaram um aumento médio de 18% nas ocorrências, na última década. Os estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que o aquecimento global pode ser uma das causas dessa evolução. No Cerrado, segundo projeções do Inpe relatadas por Pinto Jr., a quantidade de descargas deverá duplicar até o fim do século, supondo uma estimativa de aquecimento de 4 graus Celsius no período.

    Apesar das dificuldades inerentes ao assunto, o ClimaGrid possibilitará a previsão de descargas nuvem-solo com alta precisão (menos de 5 quilômetros) para subsidiar ações de manutenção da rede elétrica. Para isso, em setembro de 2010, chegou em São José dos Campos (SP) um supercomputador da empresa Cray Inc. adquirido pelo Inpe, o qual aumentará em 50 vezes a capacidade computacional do Instituto.

    Os sistemas inteligentes já começaram a ser implantados em países como os Estados Unidos e os da Europa. Em outubro de 2009, o governo norte-americano anunciou um financiamento federal de US$ 3,4 bilhões (cerca de R$ 5,8 bilhões) para a construção do SmartGrid no país. Segundo Jatobá, a modernização do setor elétrico daquele país é um dos principais elementos da política anticrise do presidente Barack Obama.

    Em Portugal, o projeto InovGrid já possui 50 mil clientes, com previsão de 6 milhões até 2017. Destaca-se a cidade de Évora, a primeira do país onde o sistema foi implantado.

    PRIVACIDADE A quantidade maciça de dados sobre a vida das pessoas que o sistema tem potencial de coletar preocupa entidades defensoras da privacidade e até mesmo empresas voltadas à energia elétrica, temerosas de que isso faça diminuir a adesão das pessoas ao sistema. Martin Pollock, do braço britânico da Siemens Energy, afirmou, na Conferência sobre Smart Grids e Energia Limpa em Cambridge, Reino Unido, em junho de 2010, que sua empresa tem tecnologia para coletar dados em tempo real, com os quais podem "inferir quantas pessoas estão na casa, o que fazem, se estão no andar de cima ou no de baixo, se têm cachorro, quando você normalmente acorda, quando toma banho". O empresariado vem pressionando para que a legislação seja rapidamente adaptada à nova realidade. "Estabelecer, desde o início, regras relativas à privacidade dos consumidores e à segurança das informações é fundamental para evitar que a rede elétrica abra as portas para uma nova modalidade do Big Brother energético", advertiu Cyro Boccuzzi, em um artigo na edição de 2010 da revista Metering International América Latina.

     

    Roberto Belisário