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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.1 São Paulo ene. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000100005 

     

    SAÚDE

    Controvérsias na medicina: como fica o paciente?

     

    Assuntos relacionados à saúde são de grande interesse público e por isso recebem um espaço considerável na mídia. Doenças que afetam um grande número de pessoas e que ainda não possuem a cura, como no caso do câncer, ou doenças que se tornam um problema para a sociedade e o indivíduo, como obesidade, geralmente recebem uma atenção maior. Também na comunidade médica existe um constante debate sobre tais temas, e nem sempre um consenso é alcançado. "A medicina é a ciência das verdades temporárias", diz o médico Thomas Szego, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Controvérsias surgem a partir das diferentes opiniões médicas diante de uma mesma doença e das diferentes possibilidades de tratamento disponíveis. E essas discussões muitas vezes atingem o paciente, gerando dúvidas e insegurança.

    "Existem diversas maneiras de abordar uma doença e não dá para dizer se uma está certa e outra está errada. Na verdade, para cada situação, pode haver mais de uma maneira de agir", diz José Getúlio Martins Segalla, médico e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Oncologia Cirúrgica, referindo-se ao câncer, uma das doenças mais estudadas e debatidas atualmente, tanto no ambiente médico profissional, quanto no dia-a-dia das pessoas leigas. Além da alta incidência na população e da gravidade da maioria dos tipos de câncer existentes, as sucessivas descobertas na área da oncologia, ora complementares ora contraditórias, mantêm o assunto em destaque nas editorias de saúde dos mais diversos meios de comunicação.

    A cada novo resultado divulgado, uma nova abordagem é colocada em prática. Um exemplo são as controvérsias em torno do câncer de próstata. Enquanto alguns médicos indicam que a alimentação pode influenciar no risco do desenvolvimento deste tipo de câncer, outros dizem que os resultados de estudos nesse sentido não são conclusivos. Da mesma forma, orientações para práticas preventivas também variam, podendo ser indicada a realização anual do exame de toque para homens acima de 50 anos, enquanto outros médicos sugerem que a idade para o início da realização do exame seja 45 anos, aliado à dosagem de PSA (uma proteína chamada Antígeno Prostático Específico, cujo aumento da taxa no sangue pode indicar a presença de câncer de próstata).

    DIFERENTES ABORDAGENS A medicina, como qualquer outra área da ciência, está sujeita a mudanças de paradigmas, que refletem tanto na metodologia das ciências biomédicas, quanto nas intervenções e tecnologias adotadas. E o processo de transição entre um paradigma e outro pode ser lento, de forma que diferentes abordagens para um mesmo problema possam ser aceitas e indicadas por segmentos da comunidade médica. "Geralmente há uma diretriz recomendada, que pode ser utilizada por várias especialidades médicas, mas os casos mais complexos devem ser tratados pelo especialista", afirma Cristiane Martins Moulin, médica endocrinologista colaboradora do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

    Apesar de existirem protocolos de procedimentos médicos, o paciente que procura um tratamento para determinada enfermidade pode encontrar diferentes tratamentos, dependendo do especialidade ou opinião pessoal do profissional.

    No caso da obesidade, especialidade de Cristiane, o tratamento geralmente inclui aconselhamento, restrição calórica, terapia comportamental e atividade física. "O especialista em obesidade é o endocrinologista, mas há a necessidade de uma equipe multidisciplinar, cada um com seu papel", diz. A escolha do tratamento, segundo a especialista, é baseada no índice de massa corpórea (IMC) do paciente, somado à presença de condições médicas relacionadas à obesidade, tais como diabetes e hipertensão arterial, por exemplo. Dessa forma, e dependendo da resposta do paciente à abordagem inicial, opta-se pelo tratamento medicamentoso ou por intervenção cirúrgica.

    "A cirurgia bariátrica é atualmente a única terapia efetiva para obesidade grave (também chamada de obesidade mórbida) tendo benefício comprovado na melhora das comorbidades e da qualidade de vida", afirma Cristiane Moulin. Diversos fatores são considerados pelos especialistas para que se decida por um procedimento cirúrgico, independentemente da técnica a ser utilizada. No entanto, a gravidade de cada fator depende da análise de especialistas em diferentes áreas, que podem ter opiniões conflitantes, e a decisão fica a cargo de outro profissional ainda, o cirurgião. "Cada médico deve reconhecer sua limitação em conseguir tratar a doença [obesidade] e suas repercussões; mas, isto depende da experiência de cada um", enfatiza Cristiane. E, exatamente devido às diferenças entre os médicos, à segmentação da medicina e ao caráter subjetivo da decisão de cada especialista, que cirurgias bariátricas são realizadas tanto em casos de obesidade mórbida quanto por motivos estéticos.

    SUPERESPECIALIZAÇÃO "Todo o ensino da medicina foi baseado no modelo cartesiano. A gente retalhou o paciente inteirinho para criar grandes especialistas", diz Dalva Matsumoto, coordenadora do Programa de Humanização do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM-SP). As áreas terapêuticas e de diagnóstico de doenças como conhecemos hoje sofreram mudanças ao longo dos séculos, conforme as formas de produção do conhecimento médico foram se modificando. Segundo Flávio Coelho Edler, historiador da área médica e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, "no século XVIII, o diagnóstico era construído de uma forma muito íntima entre o médico e o paciente. [...] A concepção ontológica da doença, ou seja, a doença como um ser, como tendo uma existência independente do indivíduo, é muito recente e se dá a partir do século XIX", comenta. Dessa forma, hoje se fala da gripe, do câncer e de outras doenças, com se estas existissem de forma isolada do paciente.

     

     

    Além disso, o paciente de hoje apresenta uma postura mais ativa, devido ao fácil acesso à informação e ao grande volume de materiais sobre saúde disponíveis em diversos veículos de comunicação, "Apesar de o paciente ter alguma informação, existe uma expectativa do encontro [com o médico]", argumenta. E nem sempre essa expectativa se cumpre, por diversos motivos, desde a falta de preparo de alguns médicos, ou pouco tempo disponível para uma consulta mais abrangente. Outro motivo de conflito entre médico e paciente, derivado da soma da ultra-especialização nas ciências médicas com a bagagem de informações (mesmo que superficiais) que o paciente traz para a consulta, são as diferentes intervenções apontadas, para um mesmo diagnóstico, por especialistas em áreas distintas.

    Um cardiologista que se depara, por exemplo, com um entupimento de veias, pode optar por implantar uma ponte de safena ou colocar um stent, dependendo do caso, com igual eficiência para o paciente. Um angiologista apresentará argumentos para defender o stent, uma vez que ele os conhece muito bem, por ser a sua especialidade. Já o cirurgião, que opera há anos e conhece a eficiência da ponte de safena nos seus pacientes, optaria por esta intervenção, baseado em argumentos tão convincentes quanto os do outro especialista.

    NOVOS SUJEITOS "O ser humano foi reduzido ao aspecto biológico, passamos a ser um todo organizado de células", reflete Dario Pasche, coordenador da Política Nacional de Humanização (PNH), do Ministério da Saúde. Em sua opinião, as relações entremédicosepacientes,bemcomo entre profissionais da saúde de uma forma geral, é fundamental para um cuidado eficaz, motivo pelo qual a preocupação com a humanização na área da saúde tem ganho destaque. Para Pasche, é fundamental resgatar as dimensões subjetivas e sociais das relações entre profissionais da saúde eentreesteseospacientes,queforam sendo esquecidas, e recompor a integridade do sujeito.

     

    Ana Paula Morales