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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.1 São Paulo ene. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000100008 

     

    ENTREVISTA

    Valorizando a visualização de dados biológicos na era da informação

     

     

    Desde que Bang Wong começou sua formação acadêmica, estava certo de que queria combinar ciência, medicina, ilustração e expressão artística da ciência em sua carreira. Durante a pós-graduação em imunologia na prestigiosa Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, passava todos os dias pelo mesmo prédio para comprar o indispensável café matinal. Ali era oferecido um curso de ilustração médica e Wong sempre acompanhava o que acontecia no programa, tão concorrido quanto a escola de medicina. Mesmo tendo o pedido de assistir como ouvinte a algumas aulas de ilustração negado, Wong pediu licença da pós-graduação e passou três meses preparando seu portfólio, que deveria incluir uma prova de habilidades artísticas tradicionais. Deu certo. Ele foi aprovado e terminou os cursos de arte e imunologia. Hoje ele é diretor de criação do Instituto Broad, ligado ao MIT e à Universidade de Harvard, em Cambridge, e trabalha com expressão visual de conceitos científicos. Recentemente, foi eleito pela revista Nature Medicine como um dos líderes inovadores na interface entre arte e medicina e ganhou, em 2010, a coluna mensal "Points of view" na revista Nature Methods, onde trata da comunicação visual da ciência. "O foco da coluna é estabelecer um enquadramento conceitual para comunicação visual da ciência, mas também fornecer dicas que as pessoas possam usar diretamente em seus trabalhos", diz. Nessa entrevista, Wong fala sobre a importância da área de visualização de dados biológicos, muito menos avançada, segundo ele, do que a visualização de dados sociais. Dados de genomas, proteínas, células, organismos e populações podem ser apresentados de maneiras cada vez mais atrativas. "Se as pessoas valorizarem a visualização de dados como ferramenta poderosa de comunicação que gostariam de usar, passariam a pensar mais sobre o quanto e em como a visualização impacta a mensagem a ser transmitida", afirma.

    A pesquisa em biologia está gerando dados cada vez mais complexos e em maior quantidade. Como a visualização ajuda os cientistas a lidar com esse mar de informação?

    Com muitos dados, computação e modelagem são críticos. Um dos jeitos que a computação ajuda é aumentando o poder de visualização. Veja o caso do quarteto de Anscombe: quatro grupos de números, idênticos estaticamente, mesma regressão, mesma variância, mas quando você plota nos gráficos, parecem muito diferentes. Isso mostra a importância de se olhar para os números antes de analisá-los.

    Penso que o outro papel da visualização é ajudar quando não se sabe o que perguntar sobre o dado; a visualização pode trazer um pouco de intuição que ajuda a ver padrões, permitindo desenvolver um algo-ritmo computacional inteligente. Um mergulho nos resultados. Esses são os dois papéis da visualização, especialmente importantes, considerando a maneira como fazemos ciência atualmente: gerar dados primeiro, sem necessariamente uma hipótese clara, e dar seguimento à pesquisa a partir daí.

     

     

    Quais são os principais erros de visualização de dados cometidos pelos cientistas?

    A interação de cores pode inserir vieses, e é preciso estar ciente disso. Além disso, plotamos dados usando gráficos de pizza, de barra, dispersão, principalmente por conta da percepção visual. Tentamos organizar coisas em padrões, de modo que quando as vemos depois de decifrá-las, as leremos diferentemente. Outro ponto que observo, que não é necessariamente um erro, é que cientistas tendem a lidar com um conjunto novo de dados olhando para trabalhos que eles publicaram antes, usando os mesmos métodos gráficos, o que pode ou não servir aos seus objetivos. Outras maneiras podem ser mais efetivas. Gastar tempo representando dados pode ser muito vantajoso e proveitoso. Veja o caso dos infográficos, cada vez mais presentes nos veículos de comunicação. Quando determinada informação é bem apresentada, a comunicaçãosetornamaisefetiva.Hojeemdia, não são só as manchetes que chamam a atenção, mas também os infográficos. Com isso, melhora a interpretação de gráficos feita pelo público geral.

    Como ajudar os cientistas a trabalhar melhor a visualização de dados?

    Penso que é uma questão de valor. Se as pessoas valorizarem a visualização de dados como ferramenta poderosa de comunicação que gostariam de usar, passariam a pensar mais sobre o quanto e em como a visualização impacta a mensagem a ser transmitida. Estamos acostumados a pedir que outros leiam e comentem nossos textos, mas não fazemos o mesmo com figuras e ilustrações. Precisamos mostrar figuras para nossos colegas e perguntar o que acham. No entanto, fazer gráficos em computadores não é tão fácil quanto escrever. Montar gráficos usando o PowerPoint, por exemplo, não é natural e é limitado.

    Há outras ferramentas como o Illustrator, mas não é tão fácil de usar e nem é intuitivo; é preciso memorizar vários passos e normalmente dependemos de outra pessoa.

    Os cientistas precisam pensar mais sobre visualização, em como representar dados. Vale desenhar no guardanapo, como sugere o interessantíssimo livro The back of the napkin [de Dan Roam, 2008]. Fazer um rascunho no guardanapo e depois traduzir para o formato digital. Desenhos em guardanapos são uma maneira muito boa de comunicar. Claro que é difícil transferir para a tela do computador o que está na sua cabeça. O que o cientista pode fazer? Trabalhar com alguém acostumado com softwares de desenho, ilustradores e, de preferência, familiarizado com o tópico científico.

    O livro de autoria de Edward Tufte, The visual display of quantitative information [Graphics Press, 2001], contém exemplos convincentes de como histórias podem ser contadas por meio de gráficos estatísticos bem desenhados ou como gráficos ruins podem induzir a erros. No entanto, o trabalho seminal na apresentação visual de dados quantitativos é do cartógrafo francês Jacques Bertin. Em seu livro Semiology of graphics: diagrams, networks, maps (reimpresso em 2010), Bertin mostra como "variáveis da retina" podem ser usadas para codificar informação.

    Quais são os desafios da área?

    Os cientistas percebem que há um valor na visualização, mas não sabem muito bem onde colocá-lo. Onde realizar o trabalho? Quem financia? Quem faz? Aqui no Instituto Broad, as pessoas dizem que visualização é importante, que precisamos ver todos esses dados gerados, mas nem sempre fica claro quem exatamente vai fazer o trabalho. Um dos desafios é achar o grupo adequado de pessoas. Atualmente, as pessoas que fazem são engenheiros de software e cientistas da computação. Não tenho certeza se designers gráficos tradicionais seriam os melhores, embora pensem o tempo todo no visual. Penso que a saída é fazer uma grande mescla de pessoas com diferentes formações, incluindo psicólogos que estudam como entendemos e interpretamos o que vemos. Certas representações visuais são mais eficientes em nos ajudar a enxergar certos dados. Pensar na codificação visual primeiro e depois no software pode ser uma outra abordagem.

     

    Cristina Caldas