SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.63 issue1 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.1 São Paulo Jan. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000100024 

     

    Cláudio Mafra

     

    TEMPO DE LEVITAR
    Juiz de Fora, 2000

    ANJO DA GUARDA

    Parecia a continuidade
    de um sonho.

    Mas o sol estava ali
    no dia azul
    só p'ra desmentir.

    Estavam ali os objetos
    do quarto,
    os sons da casa,
    o latido do cão .

    Havia mesmo despertado.
    Mas o corpo não:
    mantinha a sensação
    de flutuar
    e uma alegria efervescente
    e cintilante
    dominava a alma.

    E mesmo que uma ligeira nuvem
    de tristeza,
    pairasse nesse céu do quarto

    (ao pensar no peso
    das horas que viriam:
    alegria e pânico
    no mesmo palco, onde
    vida e morte contracenariam)

    mesmo assim,
    era a alegria que
    me vestia o corpo
    quando ajeitei
    o terno
    e adentrei o dia.

    Já não me comunico
    com este ser
    secreto e desmaterializado
    que vive em mim.

    Ouço-lhe vez por outra
    apenas um alerta
    em tom de reclamação.

    Quando escrevo um poema
    sinto que fica por perto
    curioso
    (feito meu antigo anjo da guarda
    descesse daquele quadro);

    e nesses momentos
    sinto saudade do tempo
    em que sentia os cheiros
    junto com a cor
    e nem dava
    pelo milagre!

    Hoje nos vemos
    de vez em quando
    sempre que o alarido
    desses dias
    permitem:

    apenas um roçar
    de lembranças
    como quem vive
    um rápido "déjavù".

    POEMA BRANCO
    Juiz de Fora, 28.06.06
     

    Nosso lençol secando
    branco na praia (do sol que viria)
    agitado pelo vento
    da manhã (que seria);

    ainda o orvalho empalidece
    a grama (na espera da viagem
    pelo sol);

    ainda brancas cintilâncias
    anunciam a luz
    no horizonte;

    branca
    a lua mergulha
    num desmaio de brancura
    e a praia começa
    a se colorir
    de branco.

    Meu olhar inquieto propõe
    à paisagem
    os tons pastel
    que ainda resistiam
    à nuvem branca
    que nos envolveu:

    de repente nossa vida
    apaga assim
    no infinito de uma tela branca.

    Diante de min
    as investidas do vento
    descolorem de vez
    o momento

    brincando irresponsavelmente
    com a brancura agonizante
    de nosso lençol.

     

    Claudio Mafra é arquiteto mineiro bem conhecido, com projetos premiados na área de museus e de bibliotecas universitárias. Muito menos conhecida é a sua veia poética, cultivada discretamente, da qual a Ciência & Cultura revela aqui três exemplos até agora inéditos.