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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.2 São Paulo Apr. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000200004 

     

    PATRIMÔNIO

    Cresce número de museus no Brasil

    Museus são pontes. São portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes. São lugares que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. A definição acima está no portal do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ligado ao Ministério da Cultura (MinC), e vai na direção contrária do senso comum, de que museus são espaços que aprisionam e paralisam o passado. No Brasil mais portas como essas têm sido abertas nos últimos anos.

    Em pesquisa conjunta Ibram/MinC, descobriu-se mais de três mil museus no país atualmente, com uma incrível variedade de acervos, dos mais modestos aos que abrigam mostras e exposições de qualidade internacional. Se pensarmos que no início do século XX eram apenas doze instituições, o salto quantitativo é digno de nota. Os resultados foram obtidos por meio de uma espécie de censo museológico que mapeou 3025 instituições brasileiras no período de 2006 a 2010. Entre os aspectos investigados estão localização, acervo, acessibilidade, infraestrutura para receber estrangeiros, segurança, recursos humanos, atividades oferecidas aos visitantes e orçamento.

     

     

    O levantamento Museu em Números mostrou que a quantidade de museus já ultrapassa a de teatros e salas de cinema no país: 21,1% dos municípios brasileiros têm museus. A maior parte deles é pública e tem entrada gratuita. "O desafio agora é a formulação de planos museológicos de cada instituição", conta o presidente do Ibram, José do Nascimento Junior. "O plano museológico é um instrumento previsto pelo Estatuto dos Museus que estabelece parâmetros gerais de organização e gestão.

    ACESSO E INFRAESTRUTURA O que mais nos distancia dos grandes museus da Europa e dos Estados Unidos, além da riqueza e antiguidade de muitos acervos, talvez seja a qualidade da infraestrutura disponível no Brasil. A pesquisa do Ibram deixa clara a necessidade de criar condições para explicar e situar o que está exposto, principalmente para receber turistas estrangeiros: 74,8% das instituições não têm etiquetas e textos, sinalização visual ou publicações em língua estrangeira para receber esse visitante.

    Além disso, falta aqui uma preocupação com o acesso a esses locais, que facilite e motive a visitação. O historiador Claudio Carlan, professor da Universidade Federal de Alfenas, lista uma série de facilitações e estímulos existentes para a visita a museus no exterior: muitos abrem à noite; os visitantes têm metrô e ônibus à disposição; a visita a museus faz parte do calendário escolar; há oferta de cursos de pós-graduação ou programas em conjunto com escolas, diversificando o uso desses espaços. "Além de criar espaços museológicos, é preciso criar uma cultura de visitação", ressalta.

    Em situações mais evidentes, como Itália, França, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, museus cumprem papel fundamental na agenda turística desses países, e consequente fonte de renda do turismo. Na Alemanha, por exemplo, há forte tradição de visitar museus, seja na fase escolar ou como lazer dos adultos. Mais de 100 milhões de visitantes passam anualmente pelas dezenas de museus espalhados pelo país. Há museus clássicos nas áreas de arte, história, ciência e tecnologia e há que abordam temas curiosos como um museu de arte falsificada, museu da banana ou do penico. Esse interesse pelos museus também é demonstrado em um evento anual chamado Longa Noite dos Museus (Lange Nacht der Museen) quando as instituições permanecem abertas durante toda a madrugada, ao mesmo tempo em que acontece uma série de eventos culturais paralelos.

    MUSEUMSINSEL É também na Alemanha que está a Ilha dos Museus (Museumsinsel), no Rio Spree, centro de Berlim. Na ilha existem cinco museus: Pergamon, Altes, Neues, Alte Nationalgalerie e Museu Bode. O Pergamon, por exemplo, recebe 850 mil pessoas todos os anos interessadas nas coleções de arte da antiguidade clássica e arte islâmica. Já o Altes Museum é considerado o maior e mais importante museu do mundo no campo da arte antiga da Grécia, Roma e Etrúria. "Na Europa a tradição de visitar museus é cultivada desde a escola. Nesse sentido nossa pedagogia é conservadora ao considerar que aula só pode acontecer na escola", ressalta Carlan.

    Nos Estados Unidos, outro exemplo, a tradição do mecenato multiplicou fundações e museus que abrigam o leque mais variado de acervos, pulverizados por toda parte naquele imenso território, atingindo o incrível número de 17,5 mil instituições, de acordo com um levantamento do Institute of Museum & Library Services (2005). Esse espírito de socializar coleções privadas para o acesso público acabou alimentando uma cultura de divulgação científica bastante interessante, que chega aos dias atuais, com o evidente desenvolvimento tecnológico- científico que aquele país atingiu. Segundo a Associação Americana de Museus, os museus de ciência são os mais visitados pelos norte-americanos, com público quatro vezes maior do que os museus de arte.

    De acordo com o levantamento do Ibram, no Brasil, quando há cobrança de ingresso, os preços são bastante acessíveis, mas, mesmo assim, os museus padecem de falta de público. De acordo com o Cadastro Nacional de Museus, em 2009, os museus brasileiros foram visitados por cerca de 82 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, só o complexo Smithsonian, recebeu mais de 30 milhões de visitantes no mesmo ano.

    Atrair o público é outro desafio para os museus em todo Brasil, desde os mais conhecidos até as pequenas instituições. Para José do Nascimento Junior, presidente do Ibram, a melhora da visitação em museus está relacionada diretamente à questão econômica do país. "A população adquire capital cultural a partir do momento que já tenha se resolvido questões básicas do cotidiano: moradia, emprego, educação, alimentação.

    MUSEUS PARA TODOS Ainda segundo Nascimento, outro desafio é a distribuição das instituições museais no país. O Museu em Números revela uma concentração dessas instituições no litoral e nos estados do Sul e Sudeste. No Sudeste são 1.151 museus e no Sul 878. Em seguida vem o Nordeste com 632 instituições. Com número bem menor de museus estão as regiões Centro-Oeste (218) e Norte (146). Mesmo em cada região a concentração é irregular, com destaque para as capitais. De acordo com ele, os editais para criação de museus tem tido grande receptividade por parte das prefeituras. O edital Mais Museus, por exemplo, apoia a criação de instituições museais em cidades com menos de 50 mil habitantes que não tenham museu.

    O levantamento comprova esse desejo de que fala Nascimento. A maioria das instituições mapeadas tem menos de 30 anos e são administradas pela esfera municipal. Na opinião do presidente do Ibram a juventude das instituições se deve principalmente ao processo de democratização do país. "A tendência sempre é que os países busquem na recuperação da memória e da identidade os elos para a reconstrução social, das redes sociais. Todos os países que passaram pelo processo de democratização construíram um projeto de memória inovador, rompendo com os processos autoritários anteriores", acredita.

    NOVAS RELAÇÕES COM O PASSADO Apesar dos grandes desafios que têm pela frente, os novos espaços de memória brasileira têm sido criados com uma perspectiva inovadora de apropriação de nossa história. Conforme explica Mário Chagas, em artigo publicado na Revista Museu (2008), esses espaços buscam constituir e institucionalizar as memórias de diferentes grupos étnicos, sociais, religiosos e familiares. São exemplos: Museu dos Povos Indígenas do Oiapoque, (AP); Museu Casa de Chico Mendes, em Xapuri, (AC); o Museu da Maré, no Rio de Janeiro, a Casa de Memória do Centro Espírita, em Rio Branco (AC) ou o Ecomuseu da Amazônia, em Belém (PA).

    Segundo Chagas, museólogo e coordenador do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan, durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar os registros de memória e a visão de mundo das classes mais abastadas ou como dispositivos ideológicos do Estado. "O museu está passando por um processo de democratização, de ressignificação e de apropriação cultural.

     

    Patrícia Mariuzzo

     

    MEMÓRIA COMO LEGITIMAÇÃO POLÍTICA

    O termo museu tem origem no termo grego mouseion ou Templo das Musas, filhas de Zeus com Mnemosine, a deusa da memória. Os primeiros museus têm origem em coleções de nobres e soberanos que guardavam obras de arte, moedas e outras peças para ostentar riqueza. Mais tarde a Igreja e também a família burguesa passaram a colecionar obras de arte, instrumentos musicais, ferramentas etc. Foi a partir da Revolução Francesa que foram instituídos os primeiros decretos para proteção do patrimônio histórico francês. "Os bens da Igreja, realeza e nobreza passam a pertencer ao Estado. Em 1793, o palácio de Louvre é transformado em museu com objetivo de instruir a Nação, difundir o civismo e a história. Os cidadãos teriam conhecimento do passado e, ao mesmo tempo, ocorria uma legitimação ideológica dos Estados Nacionais", explica Claudio Carlan, da Universidade Federal de Alfenas.

    Momentos de afirmação da nacionalidade em geral incluem a criação de símbolos. No Brasil, para a comemoração dos 100 anos de Independência (1922), foi criado o Museu Histórico Nacional. Segundo Carlan, o objetivo da instituição era indicar a trajetória da nação, destacando traços da história nacional. "Hoje, com a globalização, vivemos em um mundo sem fronteiras onde é preciso manter vivo o nosso passado. Trata-se também de legitimação política", acredita o historiador. Ele lembra que o euro é aceito em 90% da Europa, porém as representações nas moedas são nacionais: na Espanha, as moedas de 20 centavos, estampam Cervantes; em Portugal, Camões: na Itália, o poeta Dante Alighieri e assim por diante.