SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.63 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.2 São Paulo Apr. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000200006 

     

    60 ANOS DO CNPQ

    Da política nuclear ao desafio da descentralização

    A ideia de se criar um órgão federal para o fomento à ciência brasileira partiu de um militar da Marinha e começou a ser gestada quando a produção científica passou a ser vista como estratégica no jogo político internacional, depois que a explosão das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, decretou o fim da Segunda Guerra Mundial. O Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nasceu em 15 de janeiro de 1951, fruto de um decreto lei e sob inspiração do almirante Álvaro Alberto Motta e Silva, que foi também seu primeiro presidente. Por décadas órgão central na política nacional de ciência e tecnologia, nesses 60 anos o CNPq perdeu centralidade nas tomadas de decisões, mas, em contrapartida, fortaleceu o foco na formação de pesquisadores, com o crescimento contínuo do número de bolsas, e consolidou seu papel de executor de programas federais de financiamento à pesquisa.

    "O desenvolvimento de políticas de C&T exige a formação de pesquisadores e toda uma cultura científica ao menos básica", diz Lauro Morhy, que foi vice-presidente do CNPq entre 2006 e 2007.

    No pós-guerra e refeitos do espanto que a bomba atômica causou, "muitos países se deram conta de que a arma refletia um novo estágio no conhecimento que não era possível ignorar; os que dispunham de reservas de materiais para a indústria nuclear trataram de dimensioná-las e estender a elas cuidados especiais visando seu melhor aproveitamento", conta Alfredo Marques, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Segundo ele, o almirante Álvaro Alberto, químico, especialista em explosivos, e então presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), tentou sensibilizar o governo brasileiro para a necessidade de cuidar melhor de nossas reservas e de criar as estruturas necessárias para seu beneficiamento e aproveitamento. Conseguiu, porém, apenas uma indicação como representante brasileiro na Comissão de Energia Atômica das Nações Unidas. Seus esforços iniciais para implementar uma política nuclear no país não foram bem sucedidos por falta de visibilidade da ciência brasileira, que tinha poucos especialistas na área. "Em 1945, a física, a despeito de contar com grandes nomes, como Gleb Wataghin, Marcelo Damy e Joaquim da Costa Ribeiro, entre outros, não tinha nem a notoriedade fora das áreas especializadas, nem propriamente a competência reconhecida em assuntos especificamente nucleares, a ponto de sensibilizar a burocracia governamental para o vulto dos investimentos necessários", explica Marques.

     

     

    O IMPACTO DE CÉSAR LATTES Mas os ventos favoráveis à ciência no pós-guerra também chegaram aqui. Em 1947, o físico brasileiro César Lattes, egresso da USP, causou grande impacto nos meios científicos internacionais e conquistou reconhecimento com sua descoberta que elucidou alguns problemas pendentes de solução no campo da radiação cósmica e confirmou a teoria do físico japonês Hideki Yukawa sobre a existência de uma partícula supostamente responsável pela ligação entre prótons e nêutrons nos núcleos atômicos. "Esse último aspecto foi bastante para dar um relevo todo especial à descoberta, enriquecendo seu significado com a possibilidade de novas aberturas no controle das forças nucleares, tão cobiçado depois das explosões atômicas. Toda a imprensa mundial e brasileira aclamou a descoberta e a ciência brasileira saiu do porão para a sala de visitas", relata Marques.

    No ano seguinte, Lattes voltou a causar impacto, sendo destaque em matérias de capa de revistas norte-americanas, após conseguir a produção artificial daquela partícula em um acelerador do tipo circular em Berkeley, nos Estados Unidos. Em 1949, a física do país começou a se institucionalizar com a criação do CBPF. E junto com ela, a ciência, em geral, também organizava sua entidade representativa, com o surgimento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) naquele mesmo ano. Foi nesse caldo cultural que o almirante Álvaro Alberto ganhou mais argumentos para persuadir o governo brasileiro. Segundo seus depoimentos reproduzidos na coletânea 50 anos do CNPq contados pelos presidentes, organizada por Shozo Motoyama, em maio de 1949, após a leitura de relatórios sobre a questão atômica, o presidente Dutra enviou ao Congresso um anteprojeto para criação do Conselho Nacional de Pesquisas, já prevendo seu papel na política nuclear. Depois de uma longa tramitação na Câmara e no Senado, nascia o CNPq com o almirante como primeiro presidente.

    PRIMEIRA CRISE: QUESTÃO NUCLEAR E EUA "Em sua primeira fase, quando vinculado diretamente à Presidência da República, o CNPq teve momentos de êxitos, com a criação de institutos e intenso intercâmbio com pesquisadores no exterior", enfatiza Lauro Morhy. Ele ressalta a criação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (atual Ibict) e do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais, (atual Inpe), todos vinculados ao CNPq.

    Esse êxito inicial, no entanto, foi abalado justamente pela questão que motivou a sua criação: a política nuclear. O primeiro estatuto do CNPq tinha uma parte significativa dedicada ao tema e instituiu a criação da Comissão de Energia Nuclear, a ele vinculada. Segundo Alfredo Marques, cabia à comissão gerenciar todos os aspectos do desenvolvimento da energia nuclear, desde os diplomáticos e comerciais, passando pela prospecção e dimensionamento de jazidas, até a formação de pessoal qualificado e de instrumental para o beneficiamento de minerais. A crise começou depois que os Estados Unidos adotaram a política de comprar o máximo possível de minerais dos países com jazidas, após a recusa da ONU à sua proposta de internacionalização das reservas de interesse nuclear. "Em face disso, Álvaro Alberto aprovou no CNPq a doutrina chamada de 'compensações específicas', segundo a qual a concessão da venda de materiais de interesse nuclear estaria condicionada ao repasse de direitos sobre instrumentos e processos relevantes para o beneficiamento desses materiais, mantidos em segredo pelos americanos", conta Marques.

    O almirante passou, então, a ser visto pela diplomacia dos Estados Unidos como um entrave ao bom relacionamento entre os dois países. Sem apoio político, ele retira-se da presidência do CNPq em 1955. No governo de Juscelino Kubitschek, a Comissão de Energia Nuclear sai do CNPq e passa a se subordinar diretamente à Presidência da República. "Entre 1956 e 1961, a dotação do CNPq decresceu e houve consequências negativas. Na medida do possível, o CNPq busca cooperação com universidades, visando incrementar a formação de cientistas e técnicos", diz Lauro Morhy. Em 1963, um contrato de cooperação do CNPq com a Fundação Ford possibilita a colaboração de programas brasileiros de pós-graduação com universidades estrangeiras. "O CNPq concentrou-se, então, na formação de pessoal de nível superior", confirma Marques.

    ENFOQUE NA PÓS-GRADUAÇÃO Morhy observa que no período militar, em meio às crises e perseguições nas universidades e meios científicos, o governo passa a colocar a política de C&T a serviço do desenvolvimento econômico. Em 1964, o Banco Nacional de Desenvolvimento (atual BNDES) criou o Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), que anos mais tarde viria a se tornar a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). "Nesse período, o CNPq implanta a 'operação retorno' de cérebros brasileiros no exterior, sem grande êxito", conta Morhy. Mas seu foco na formação de cientistas, tanto por aqui quanto lá fora, se refletiu no aumento do número de bolsas: de acordo com a Assessoria de Estatística e Informação (AEI) do CNPq, foram concedidas 299 bolsas no país e 20 no exterior em 1961; as bolsas de pós-graduação no exterior saltaram para 140 e as demais, incluindo iniciação científica, aperfeiçoamento e pós-graduação no país, para mais de três mil em 1971, de acordo com o Relatório de Atividades do CNPq daquele ano. Para se ter uma ideia do que isso representava naquele período, a pós-graduação só havia se institucionalizado no Brasil em bases legais em 1965, quando o país tinha 27 cursos de mestrado e 11 de doutorado.

    "A despeito das dificuldades orçamentárias, o CNPq desempenhou um papel muito importante na reforma universitária que veio a se consolidar nos anos 1970", diz Marques. Após o fim do regime militar, em 1985, o governo Sarney cria o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), que absorveu o CNPq e a Finep. "Buscava-se maior presença política da área de C&T no governo federal, com maior envolvimento do Estado e da sociedade. O MCT passou a ser o órgão central do sistema federal de C&T e foi criado o Conselho Nacional de C&T", afirma Morhy.

    NOVO FÔLEGO Enquanto a vocação do CNPq de fomento à formação de pesquisadores continuava se reafirmando, com as bolsas no exterior chegando a 2.455 e, no país, a 30.586 em 1991, seu leque de atuação se ampliava. Vários programas foram criados, com finalidades diversas, como cooperações internacionais, manutenção e ampliação da infraestrutura de centros de pesquisa ou importações de equipamentos ou insumos para pesquisa. Mas a centralidade do MCT na política de C&T também cresceu e, a partir de 2001, os institutos de pesquisa antes ligados ao CNPq, como o Inpe, o Ibict e o CBPF (a ele integrado desde 1976), passaram todos a se vincular diretamente ao ministério.

    "O CNPq fica apenas como uma agência do sistema de C&T", diz o ex-vice-presidente da instituição. Por outro lado, nessa última década, também surgiram programas como os fundos setoriais, para financiar áreas específicas, como biotecnologia ou engenharia de extração de petróleo, e os Institutos do Milênio, para financiar projetos abrangentes, como o Observatório das Metrópoles. Ambos os programas são do MCT, mas sua execução está a cargo do CNPq através de seus editais.

    DESCENTRALIZAR "Para muitos o CNPq ficou em crise existencial com a perda de poder político e estratégico da ciência brasileira. Mas, na verdade, o CNPq, como agência do sistema de C&T, ficou com parte do seu papel inicial, goza ainda de saldo histórico e procura assumir nova importância no sistema", avalia Morhy.

     

    Rodrigo Cunha