SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.63 issue2 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

    Related links

    • On index processCited by Google
    • Have no similar articlesSimilars in SciELO

    Share


    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.2 São Paulo Apr. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000200007 

     

    REVOLUÇÕES A LA WEB

    Ferramentas da internet se mostram importantes na organização de manifestações políticas

    A maioria dos relatos aponta que a onda começou na Tunísia, dando início ao movimento que ganhou o nome de Revolução Jasmim, em alusão ao caráter pacífico das manifestações — embora a repressão tenha sido quase sempre violenta. Lá, culminou com a renúncia do presidente Zine El Abidine Ben Ali, há 23 anos no poder. Em seguida, atingiu o Egito, também levando à queda do chefe de Estado, Hosni Mubarak, presidente há trinta anos. Logo depois, chegou à Argélia, Líbia, Iêmem, Jordânia e outros países, no norte da África e Oriente Médio. Em comum, além da oposição a regimes ditatoriais, a utilização da internet na organização das manifestações, principalmente na Tunísia e no Egito, com mais acesso à rede.

    A grande mídia, sobretudo a especializada em assuntos tecnológicos, elevou sobremaneira a importância da rede, em especial dos sites de mídia social, como Facebook e Twitter. Um artigo em blog ligado à revista estadunidense Wired, ao listar ações de censura da rede promovidas por Túnis e a crescente insatisfação popular com o conteúdo de telegramas vazados pelo Wikileaks, que demonstravam a corrupção do governo, contribuiu para enfatizar o papel da internet nas primeiras manifestações no país norte-africano. Logo surgiram termos como Revolução Facebook ou Revolução Twitter, o último também ecoando os protestos acontecidos no Irã em 2009, na chamada Revolução Verde, a massa de protestos acontecida após as eleições no país.

    Entre os pesquisadores, logo surgiu uma controvérsia polarizada, alguns acusando a redução da análise de um complexo movimento social, com bases populares muitas vezes sem acesso à rede, a uma perspectiva um pouco publicitária, que dá importância exagerada às novas ferramentas de comunicação. "As redes de relacionamento online foram utilizadas indiscutivelmente para articular e repercutir os protestos, mas eles não foram as sementes da revolta. Estas origens estão no desgaste profundo do autoritarismo pró-americano no Egito representado pelo governo de Mubarak.", pondera o sociólogo Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). "Todavia, as redes permitiram que a revolta ocorrida na Tunísia gerasse um rápido efeito no Egito, garantiram a articulação dos primeiros protestos e foram importantes para sensibilizar a opinião pública mundial".

     

     

    O também sociólogo Luiz Carlos Pinto, da Secretaria de C&T de Recife, prefere analisar a centralidade que as tecnologias ganham nas análises recentes dos movimentos sociais. "Nossa tradição tenderá a atribuir a essas duas redes sociais uma importância capital na queda de Mubarak, em sintonia com uma das perspectivas através das quais o Ocidente interpreta a relação entre os homens e suas tecnologias. Nessa perspectiva, prometeica, as técnicas e as tecnologias são artífices de desenvolvimento, da iluminação, da liberdade, da autonomia". Criticando as abordagens jornalísticas das manifestações, Carlos Pinto afirma que um dos efeitos dessas representações equivocadas é omitir os verdadeiros agentes. "A revolução no Egito foi apropriada pela ideia de que ela é a revolução das redes sociais, e não de seu povo! Essa perspectiva despolitiza o debate; põe em suspensão a historicidade da revolta popular no Egito; esconde os artífices que conquistaram sua legitimidade como tal na vivência cotidiana, ou seja, o povo".

    VULNERABILIDADE DA REDE O argumento sobre a importância da rede na organização dos movimentos no Egito ganhou mais força após o governo de Mubarak ter desligado o sinal da internet por cinco dias, buscando evitar seu uso para a organização de mais manifestações. Mas a medida teve pouco efeito, as pessoas já estavam nas ruas e a repercussão internacional do ato só prejudicou ainda mais a imagem do dirigente. Segundo Carlos Pinto, essa vulnerabilidade da rede, o fato de poder ser "desligada", é um aspecto que acabou por ser omitido por aqueles que colocaram sites como Twitter e Facebook no centro do processo revolucionário. "Este aspecto é um dos grandes temas políticos do início desta década. Enquanto o ambiente de trocas globais da rede de computadores vem progressivamente sendo ameaçado por variadas tentativas de controle, centralização e privatização, celebra-se em última instância e contraditoriamente a 'conquista da liberdade graças à internet'".

    Sérgio Amadeu lembra ainda das acusações que o Facebook tem recebido de colaborar com as ações de inteligência dos Estados Unidos. "A administração do Facebook foi acusada de colaborar com o sistema de inteligência dos Estados Unidos que atuou até o último momento para desarticular o movimento anti-Mubarak. O Twitter agiu de modo distinto. Quando a maioria dos provedores de acesso à internet foi desconectada no Egito, o Twitter divulgou um número de telefone em que as pessoas poderiam gravar depoimentos que eram remetidos para a rede social e poderiam ser ouvidos pelos seguidores do @speak2tweet". Segundo ele, os acontecimentos certamente levarão o sistema de defesa do governo norte-americano a criar procedimentos de rastreamento nas redes e exigirão a colaboração dos seus gestores. Amadeu lembra ainda da ingerência que esse tipo de empresa pode receber por estar situada nos EUA. "É preciso dizer que nenhuma rede social sediada nos Estados Unidos está livre das pressões e das regras impostas pelo governo norte-americano".

    Se o papel da Twitter e Facebook no Egito e na Tunísia é algo discutível, há pouca controvérsia com relação à popularização do uso das redes sociais em manifestações na Europa, formada por países em que os jovens têm mais acesso à tecnologia. O continente atravessa um momento difícil, com queixas de muitos jovens com relação à falta de perspectivas para o futuro e com o trabalho precário. A isso, soma-se uma aversão aos partidos e à política tradicional, que irrompe com manifestações como a que aconteceu no início de março em Portugal, a da chamada "geração à rasca", geração enrascada. Aproximadamente trezentas mil pessoas tomaram as ruas de Lisboa e do Porto, no dia 12 de março, a protestar contra os baixos salários e a piora crescente nas condições de trabalho.

     

     

    SIMILARIDADES NA APROPRIAÇÃO O comunicólogo português, Miguel Caetano, embora diferencie o contexto e as reivindicações das manifestações, compara a forma de seu desenvolvimento. "Os eventos surgiram a partir de movimentos formados espontaneamente por pessoas que não eram propriamente personalidades públicas nas suas respectivas sociedades nem representavam oficialmente partidos, sindicatos, religiões ou outras instituições tradicionais". De acordo com ele, por serem movimentos abertos, descentralizados e surgidos de baixo para cima, eles teriam conseguido "superar todas as tentativas de apropriação da sua agenda por parte das instituições tradicionais. O mesmo se pode dizer das acusações de colagem política a determinados partidos e religiões lançadas pelos críticos". Nessa agenda aberta estaria um dos segredos do sucesso das manifestações. "Se tivessem adotado um vasto conjunto de reivindicações muito concretas o fracasso seria quase assegurado", afirma.

    Caetano lembra ainda que o uso da internet na organização de protestos não é algo recente e não se restringe à borda norte e sul do Mediterrâneo. "No Reino Unido, os estudantes universitários também organizaram vários protestos contra o aumento das propinas no ensino superior. E a verdade é que os gregos foram os primeiros a estrear a moda logo em 2008, quando rebentou a crise financeira". E os motivos para o uso seriam tanto econômicos quanto políticos. "A equação parece simples: movimentos de pessoas comuns mais ou menos filiadas politicamente, mas com poucos recursos financeiros que veem no Facebook e no Twitter ferramentas bastante úteis e econômicas para se organizarem e coordenarem entre si as suas reivindicações, nada mais, nada menos. Mas só isso já é muito poderoso porque até aqui era muito difícil chegar a tanta gente em tantos lugares num tão curto espaço de tempo. A mídia apenas dá voz a quem tem dinheiro para tal ou a quem já conquistou relevância pública por intermédio de outras instituições tradicionais".

    Caetano espera que a continuidade das manifestações em Portugal seja, de certa forma, similar à egípcia. E ele se expressa na linguagem do Twitter, usando de uma hashtag para falar do movimento em seu país. "Uma coisa que eu, enquanto português, espero que aconteça também aqui é que estas manifestações não se limitem a um evento isolado e os organizadores do #geraçãoàrasca sigam o exemplo do que sucedeu na Tunísia e no Egito no sentido de dar continuidade à pressão", afirma esperançoso.

     

    Rafael Evangelista