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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.2 São Paulo abr. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000200008 

     

    30 ANOS DE AIDS

    Desenvolvimento de vacina efetiva esbarra em série de obstáculos

    A epidemia de Aids teve início na primeira metade da década de 1980 nos Estados Unidos. Desde então, a parcela da comunidade científica que luta contra a doença busca um meio de cura ou imunidade contra o vírus causador da imunodeficiência humana — HIV. Embora avanços no tratamento com antirretrovirais e a diminuição da epidemia em algumas regiões da África tenham ocorrido, as promessas de uma vacina eficaz ainda estão longe de se concretizar.

    Para Pedro Chequer, coordenador no Brasil do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UnAids), houve de fato uma série de avanços extremamente significativos em áreas como prevenção, detecção e tratamento da infecção. No entanto, no caso da vacina, isso ainda não aconteceu de maneira impactante. "Vários foram os produtos candidatos a vacina que foram e estão sendo testados, sem, no entanto, obtermos um resultado adequado do ponto de vista de saúde publica", afirma. Ele cita como o mais promissor, até agora, um estudo realizado na Tailândia, cujos resultados foram anunciados em 2009, com eficácia de 31%. "Algumas análises estatísticas, todavia, questionam até mesmo esse precário resultado", lamenta.

    OBSTÁCULOS De acordo com Chequer, alguns fatores são essenciais para o desenvolvimento da vacina, como o baixo investimento financeiro em pesquisas. "Os recursos destinados a esse fim estão muito aquém do necessário e quase em sua totalidade têm sido investimento estatal, principalmente do governo norte-americano. As promessas de importante aporte por parte do G-8 (grupo de países desenvolvidos altamente industrializados), há alguns anos, não se concretizaram", explica. Em 2009, os investimentos para a pesquisa em prevenção anti-HIV somaram mais de US$ 1,165 bilhão, dos quais a maior parte foi investida em estudos de vacinas — US$ 868 milhões. As cifras, porém, são estáveis em comparação a uma queda de 10% nos aportes em 2008.

    A estabilidade no financiamento só foi garantida em 2009 graças, principalmente, a investimentos do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e à Fundação Bill & Melinda Gates, que somaram 79% da verba total para esse fim. Para Chequer o financiamento pela iniciativa privada também é importante na pesquisa relacionada à Aids, mas geralmente se volta para a produção de drogas mais potentes e com menores efeitos colaterais no tratamento.

     

     

    A existência de poucos modelos animais que se mostraram adequados, a mutabilidade do vírus e a própria dificuldade do organismo humano em desenvolver uma imunidade natural à reinfecção prejudicam os avanços. Segundo a Avert, organização britânica que atua desde os anos 1980 em prevenção e combate à Aids, o HIV tem as variedades 1 – predominante no mundo – e 2 – raramente encontrada fora da África Ocidental. De acordo com o mais recente Boletim Vacinas, publicação do Grupo de Incentivo à Vida (GIV) dedicada à pesquisa anti-HIV, há três tipos principais de HIV-1: M, N e O, sendo que o primeiro contém ainda diversos subtipos. Existem, também, variações conhecidas como "vírus-mosaico", formadas por diferentes partes de subtipos do HIV.

    FALTAM VOLUNTÁRIOS Outro desafio está em localizar voluntários adequados nos testes clínicos. De acordo com Gabriela Calazans, do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (CRT DST/Aids) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, a proporção pode chegar a cerca de 200 candidatos para cada voluntário aprovado, devido aos estritos critérios de segurança. Desde o início deste ano, o centro está em busca de voluntários para testes clínicos de competição antigênica, que visam entender qual a melhor estratégia a ser adotada na produção de uma vacina preventiva contra o HIV. O estudo está sendo feito simultaneamente no Brasil, no Peru e na Suíça e é realizado pelo CRT DST/Aids e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Rede de Pesquisas de Vacinas Anti-HIV dos Estados Unidos.

    A obtenção de voluntários nesse estudo depende do recrutamento de candidatos circuncidados, raros entre brasileiros. Outro empecilho poderia ser o caso de haver candidatos com alta resposta imune ao adenovírus, o vírus da gripe, que é modificado de modo a não se reproduzir — para não causar gripes — e também recebe partes sintéticas do HIV. Para o voluntário Daniel Gervásio da Silva, é fundamental que as pessoas se informem sobre os testes clínicos para que haja aumento no número de candidatos. "O que atrapalha muito esse processo de seleção é a falta de informação", afirma. Ele foi voluntário em pesquisa realizada em 2006 no CRT DST/Aids, mas interrompida em 2007 por falta de eficácia.

     

    AIDS HOJE

    Segundo o relatório global de 2010 do UnAids, desde o início da epidemia, mais de 60 milhões de pessoas se infectaram com o HIV e quase 30 milhões morreram de causas ligadas ao vírus. Atualmente, mais de 33 milhões de pessoas no mundo são soropositivas e 52% delas são mulheres. Esse número inclui, ainda, 2,5 milhões de crianças. Desde 1999, ano que pode ser considerado o pico da epidemia, o número de novas infecções caiu 19% e o de pessoas vivendo com HIV cresceu 27%, o que representa uma redução considerável nos casos de mortes relacionadas à Aids.

    A África Subsaariana ainda tem a maioria dos casos — 68% — mas a taxa de infecção em boa parte dos países da região diminuiu até 25% de 2001 a 2009. Em contrapartida, sete países da Europa Oriental e Ásia Central apresentaram crescimento na incidência de HIV de até 25% no mesmo período. Nas Américas Central e do Sul, o acesso aos antirretrovirais tem mostrado resultados. Os dois continentes somavam 1,4 milhão de pessoas vivendo com HIV em 2009, em comparação a 1,1 milhão em 2001. O Brasil representa um terço dos casos.

     

    VACINA PREVENTIVA Com os avanços em prevenção ainda insuficientes, houve aproximadamente 2,6 milhões de novos casos de infecção pelo HIV em 2009, segundo relatório do UnAids. Um estudo epidemiológico do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz) mostrou que, somente no Brasil, o impacto de uma vacina preventiva já seria notável. Se fosse iniciada no país em 2015, a imunização poderia reduzir em 73% as novas infecções e em 30% o número de mortes relacionadas à Aids até 2050, quando 80% da população adulta brasileira estaria imunizada por uma vacina com 40% de eficácia.

    O efeito estimado pelos pesquisadores, porém, dificilmente poderia ser medido nos mesmos moldes em escala global devido ao nível de detalhamento necessário. "São informações difíceis de ser homogeneizadas e mesmo obtidas globalmente", explica a pesquisadora Maria Goretti Fonseca, do Ipec. O instituto realizou o trabalho em parceria com o Futures Institute, dos Estados Unidos, e a International Aids Vaccine Initiative (Iavi). "O Futures Institute e a Iavi vêm trabalhando em outros países, mas sempre individualmente, porque as epidemias são diferentes", explica Fonseca.

     

    Cassius Guimarães