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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.2 São Paulo abr. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000200012 

     

    Cefaleias

    Jose G. Speciali

     

     

    Um paciente com dor crônica procura o médico não só para alívio do sintoma, mas também porque a dor interfere nas suas atividades diárias, gerando restrições funcionais, sociais, familiares e emocionais. Independentemente de seu sítio anatômico, afeta a saúde psicológica, o desempenho de responsabilidades e, ainda, mina a confiança na própria saúde física (1;2). A cefaleia é um sintoma extremamente frequente na população geral, chegando a ser raro encontrar um indivíduo que nunca tenha experimentado uma crise sequer de cefaleia em toda sua vida. Segundo Rasmussen (3) a prevalência de cefaleia, ao longo da vida, chega a 93% nos homens e 99% nas mulheres e cerca de 40% das pessoas têm cefaleia com certa regularidade.

    Estima-se que 5% a 10% da população procuram médicos intermitentemente devido à cefaleia (3;4). Em nosso meio, alguns dados epidemiológicos nos parecem importantes: a) em ambulatório geral de clínica médica a cefaleia representa o terceiro diagnóstico mais comum (10,3%), sendo suplantado apenas por infecções de vias aéreas e problemas digestivos; b) em ambulatório de neurologia a cefaleia representa o mais importante motivo de encaminhamento, seguido de epilepsia e transtornos mentais; c) cerca de 9,3% dos pacientes não agendados, atendidos em postos de saúde em Ribeirão Preto (SP), vão por causa de cefaleia; d) 1% dos atendimentos na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto é devido à cefaleia (1).

    As cefaleias segundo sua etiologia podem ser classificadas em primárias e secundárias. As cefaleias primárias são as que ocorrem sem etiologia demonstrável pelos exames clínicos ou laboratoriais usuais. As principais são a enxaqueca, também conhecida como migrânea, a cefaleia do tipo tensional e a cefaleia em salvas. As cefaleias secundárias são as provocadas por doenças. Nestes casos, a dor seria consequência de uma doença clínica ou neurológica. Citam-se como exemplo, as cefaleias associadas às infecções sistêmicas, disfunções endócrinas, intoxicações, meningites, encefalites, hemorragia cerebral, lesões expansivas etc.

    É de extrema importância a distinção entre esses dois tipos de cefaleia — primária ou secundária —, pois enquanto as primeiras interferem na qualidade de vida, por serem crônicas, as segundas podem ter complicações graves e mesmo fatais, na dependência da etiologia da doença causadora da cefaleia (5;6).

    Alguns critérios são necessários para que uma cefaleia possa ser considerada secundária a alguma moléstia (6): que a moléstia em questão sabidamente seja capaz de causar cefaleia, que a cefaleia tenha surgido em estreita relação temporal com a moléstia ou que haja outra evidência de relação causal, que haja acentuada redução ou remissão da dor em três meses (ou menos para alguns distúrbios) após tratamento efetivo ou remissão espontânea do distúrbio causador. No Quadro 1 está colocado um algoritmo para condução de uma cefaleia que tenha probabilidade de ser secundária (7;8).

     

     

    A Sociedade Internacional de Cefaleias (IHS, na sigla em inglês) divulga as situações que indicam uma maior possibilidade de uma cefaleia ser secundária. São elas: a) Cefaleia com início após os 50 anos de idade; b) Cefaleia nova, intensa e de início súbito; c) Mudança inexplicável no padrão da cefaleia; d) Cefaleia que acorda o paciente durante a noite; e) Cefaleia refratária ao tratamento (com drogas e doses adequadas); f) Cefaleia relacionada ao esforço físico, tosse ou atividade sexual; g) Cefaleia associada ao câncer; h) Cefaleia de início recente em paciente imunocomprometido (ex: Aids, neoplasia, uso de imunossupressores); i) Cefaleia associada a sinais neurológicos focais (ex: papiledema, rigidez de nuca, paralisia); j) Cefaleia associadas à alteração do estado mental ou da consciência.

    A maneira como a cefaleia se inicia e como evolui no tempo pode ser útil na distinção entre uma cefaleia primária e secundária (2).

    Cefaleias explosivas que surgem abruptamente, em segundos ou minutos, atingindo a intensidade máxima instantaneamente sugere a ruptura de um aneurisma arterial intracraniano ou de outras malformações vasculares. No entanto, tipos benignos de cefaleia que podem ter início dessa forma: a cefaleia orgástica e a "enxaqueca explosiva".

    Cefaleias agudas que atingem sua máxima intensidade em minutos ou poucas horas, em geral, são secundárias às meningites, encefalites, hemorragias cerebrais não arteriais, sinusites agudas.

    Cefaleias de instalação insidiosa e evolução progressiva, atingindo o ápice em dias ou poucos meses (até três meses) ocorrem, principalmente, nas cefaleias secundárias decorrentes de hematomas subdurais, tumores de crescimento rápido ou meningites crônicas (fungo, tuberculose).

    Cefaleias crônicas que persistem por meses ou anos e que não pioram com o tempo, em geral, são primárias e podem ser recorrentes como na enxaqueca, cefaleia em salvas, cefaleia do tipo tensional episódica; ou persistentes, aparecendo diariamente ou quase diariamente, como a enxaqueca crônica, uma das mais encontradas em consultórios médicos, especializados em cefaleia.

    Em 1988, a Sociedade Internacional de Cefaleia publicou a "Classificação e critérios diagnósticos das cefaleias, nevralgias cranianas e dor facial" (5). Nos quatro primeiros itens da classificação são definidas as cefaleias primárias e, nos demais itens, as secundárias. Em 2004 (6), foi publicada uma revisão da classificação de 1988. Segundo a IHS a cefaleias primárias mais frequentes são: enxaqueca que pode ter aura ou não, a Cefaleia do Tipo Tensional (CTT), que pode ser frequente, infrequente ou crônica, a Cefaleia em Salvas (cluster headache) e as Cefaleias Crônicas Diárias, um grupo constituído por dores de cabeça que aparecem diária ou quase diariamente.

    ENXAQUECA A prevalência populacional global da enxaqueca é estimada em 11%, sendo mais frequente no sexo feminino (entre 2,2:1 e 2,9:1) (9). As crises são mais frequentes, mais incapacitantes e mais duradouras nas mulheres. O pico de prevalência se situa em torno dos 30 aos 50 anos, sendo menor nas crianças e nos idosos. Nas crianças a relação menino/menina é de 1:1. A enxaqueca com aura é menos frequente que sem aura (1:5) (9).

    A enxaqueca é caracterizada por crises recorrentes constituídas por até 4 fases (figura 1). Nem sempre todas as fases estão presentes em todas as crises e/ou em todos os pacientes. A crise enxaquecosa pode ser constituída apenas por apenas uma dessas fases (10). A primeira fase chamada de pródromos ou sintomas premonitórios precede a cefaleia por horas ou até um dia. Nesta fase, o paciente fica mais irritadiço, com raciocínio e memorização mais lentos, desânimo, tem avidez por alguns tipos de alimentos e o sono é agitado e com pesadelos. Ocorrem em cerca de 60% das crises.

     

     

    A segunda fase chamada de aura ocorre em cerca de 20% das crises. São sintomas neurológicos inequivocamente atribuíveis ao córtex ou tronco cerebral. Geralmente, desenvolve-se gradualmente em 5 a 20 minutos e dura menos de 60 minutos. A aura típica é um distúrbio visual constituído por pontos luminosos, zig-zag brilhantes, perda ou distorção de um dos hemicampos visuais ou parte deles. Inicia-se na região central e vai caminhando para um dos lados até desaparecer no campo temporal. Muitas vezes se associa aos sintomas visuais, ao mesmo tempo ou em sequência, sensações anormais num hemicorpo e/ou difuculdade para falar (figura 2). Quando se associa diminuição da força muscular de face/membros a enxaqueca é denominada de enxaqueca hemiplégica (familiar ou esporádica).

     

     

    A terceira fase é a de cefaleia que é de forte intensidade, latejante/pulsátil, piorando com as atividades do dia-a-dia, atrapalhando ou mesmo impedindo o prosseguimento das atividades, necessitando ir para cama, em lugar escuro e silencioso, pois surge, ainda, náusea e/ou vômitos, sensibilidade à luz e a sons. A dor é unilateral em 2/3 das crises, geralmente mudando de lado, de uma crise para outra. Predomina nas regiões anteriores da cabeça (órbita ou região frontotemporal).

    A quarta fase chamada de pósdromo é o final da crise. Fase de exaustão. Os pacientes ficam horas ou até dias com uma sensação de cansaço, fraqueza, depressão, dificuldade de concentração, necessitando de um período de repouso para seu completo restabelecimento.

    Portanto, a crise de enxaqueca, quando tem suas 4 fases, pode durar dois ou mais dias e, durante esse período, o paciente fica total ou parcialmente incapacitado para exercer suas atividades normais no trabalho, na família ou no lazer.

    A enxaqueca se caracteriza por crises recorrentes e complexas nas quais a cefaleia é o sintoma predominante. Alguns fatores podem precipitar e outros aliviar uma crise (8). Os fatores mais frequentes relatados pelos pacientes que podem desencadear uma crise são o estresse, período menstrual, alguns alimentos, bebidas alcoólicas, luz forte, calor, viagens, odores, fome, alterações do ciclo vigília-sono, mudanças climáticas. As crises podem ser aliviadas com o repouso em local silencioso e de penumbra e resfriamento das têmporas.

    Os neurocientistas que estudam enxaqueca comprovaram que o encéfalo do enxaquecoso é hiperexcitável (10;11), sensível. Situações comuns do dia-dia (fatores desencadeante citados acima) podem desencadear uma cascata de eventos neuroquímicos que culminam com uma crise enxaquecosa. Essa hiperexcitabilidade é herdada, provavelmente herança poligênica com penetrância incompleta. A hiperexcitabilidade cortical pode ser consequência de diminuição do íon magnésio encefálico, aumento de aminoácidos excitatórios (aspartato e glutamato) e alterações dos canais de cálcio voltagem-dependentes (10).

    Estudos genéticos comprovaram que a enxaqueca é uma doença hereditária (12). Aproximadamente 70% dos enxaquecosos têm parentes de primeiro grau com história de enxaqueca. O risco de enxaqueca é 4 vezes maior em parentes de primeiro grau de pacientes com enxaqueca com aura. No entanto, nenhuma base genética foi identificada para as enxaquecas comuns. Um tipo específico de enxaqueca a genética está perfeitamente estabelecida — na enxaqueca hemiplégica familiar do tipo 1, que é um tipo de enxaqueca com aura durante a qual, associa-se hemiplegia aos outros sintomas de aura (fenômenos visuais, por ex). Nesse tipo de enxaqueca, em 50% das famílias afetadas pode-se demonstrar uma mutação no cromossoma 19p13 lócus 1q, correspondente ao gene CACNA1A4 associado aos canais de cálcio voltagem dependentes. Esse gene também está associado com ataxia cerebelar (doença caracterizada por incoordenação motora). A enxaqueca hemiplégica familiar do tipo 2 deve-se a mutação em genes associados a canais de sódio localizados no cromossoma 1 (12).

    Cada uma das fases da crise enxaquecosa é explicada por mecanismos fisiopatológicos diferentes.

    Os sintomas premonitórios seriam provocados por distúrbios límbico-hipotalâmicos, nos quais predominaria uma hipersensibilidade dopaminérgica (11).

    A aura por um fenômeno encefálico chamado depressão alastrante (DA), um achado neurofisiológico que ocorre no lobo occipital quando é estimulado por potássio ou por estímulos mecânicos ou elétricos. Após essa estimulação o ritmo alfa, normal dessa região, se dessincroniza e ocorre uma depressão da atividade neuronal que se propaga para frente sem respeitar as demarcações dos lobos cerebrais e dos territórios vasculares sendo, portanto, um fenômeno neuronal. Velocidade do deslocamento da depressão alastrante é de aproximadamente 3mm/mim. Mais recentemente, Hadjikihani e colegas (13), através de imagens sofisticadas obtidas por ressonância magnética nuclear encefálica funcional (brain oxygen level dependent) demonstrou que a DA poderia ser o fenômeno neurofisiológico relacionado com a aura enxaquecosa. Esta fase estaria relacionada à noradrenalina, distúrbios dos canais de cálcio, deficiência de magnésio ou aumento dos aminoácidos excitatórios. A DA foi descrita pela primeira vez em 1944 (14) por um pesquisador brasileiro — Aristides Leão — em cérebros de coelho. Esse autor é citado, atualmente, por todos os que estudam e pesquisam enxaqueca.

    A fase de dor é consequência da ativação do sistema trigêmino-vascular, resultando em reação inflamatória estéril no espaço perivascular ao nível das meninges (11). Após os sintomas premonitórios e a aura, que podem faltar numa crise de enxaqueca, há ativação do núcleo do trigêmeo, especialmente dos neurônios que darão origem ao primeiro ramo. Essa ativação resultará em estímulos que caminham para a periferia, especialmente para os vasos das meninges, local onde são liberados neurotransmissores (substância P, CGRP), que agindo nos vasos provocam vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. A abertura dos poros vasculares permitirá extravasamento de plasma e de substâncias endovasculares (bradicinina, peptídeos vasoativos, óxido nítrico ) que promoverão uma inflamação. A estimulação das aferências trigeminais, nesse nível, provocada pela inflamação, gerará estímulos dolorosos que serão levados ao núcleo trigeminal e, daí, para o tálamo e, finalmente, para o córtex, local em que a dor se tornará consciente. Em todo esse processo, desde a inflamação neurogênica até o carreamento dessas informações, a serotonina está envolvida, sendo ela o principal neurotransmissor da fase de dor da crise enxaquecosa. No enxaquecoso haveria também, distúrbios nos sistemas opióde, serotonérgico e noradrenérgico, centrais de controle da dor (11).

     

     

    Um fenômeno recentemente descrito numa crise de enxaqueca é a alodinia cutânea. Burstein et al (15) demonstraram que a dor vinda das meninges durante uma crise de enxaqueca induz a uma sensibilização periférica e central das vias da sensibilidade dolorosa e esta clinicamente se manifesta como dor provocada por estímulos não dolorosos. Como exemplo cita-se o dolorimento do couro cabeludo ao passar a mão ou pentear os cabelos, sensação de uma corrente elétrica ou de um fio gelado relacionados à cefaleia da crise enxaquecosa. A presença da alodinia pode indicar maior dificuldade para a ação de analgésicos específicos durante a crise.

    Os mecanismos fisiopatológicos dos sintomas associados (náuseas, vômitos, fono e fotofobia) não estão suficientemente elucidados, mas a ativação dos núcleos vagais e dos sistemas sensoriais, com certeza, está envolvida nessa fase (9).

    TRATAMENTO DA ENXAQUECA (2) O tratamento da enxaqueca se divide em: tratamento da crise e tratamento profilático e, em geral, os dois são prescritos para os pacientes. Pode-se optar apenas pelo tratamento da crise quando elas forem esporádicas. Mas, quando as crises são frequentes (três ou mais por mês), incapacitantes e/ou muito prolongadas (dois a três dias de duração) o tratamento recomendado é o profilático.

    Se o paciente percebe a crise ainda na fase dos sintomas premonitórios e/ou da aura, o tratamento da crise pode ser feito nessas fases, com isso pode-se evitar as fases seguintes, de dor e sintomas autonômicos, que são as mais incapacitantes.

    Atualmente o tratamento da crise dolorosa é feito com medicações específicas modeladas em laboratório para essa finalidade denominadas triptanos. Os triptanos são os abortivos de crise enxaquecosa mais utilizados em todo mundo por serem mais eficazes com menores efeitos colaterais. Podem-se prescrever também anti-inflamatórios não esteroidais ou analgésicos comuns desde que sejam suficientes para abortar a cefaleia.

    O tratamento profilático está indicado quando as crises se tornam muito frequentes e/ou o uso de abortivos é maior que 8 doses por mês. O objetivo do tratamento profilático é diminuir a hiperexcitabilidade neuronal presente nos enxaquecosos. O tratamento profilático é diário e pode durar anos. Utilizam-se várias classes de drogas com essa finalidade: beta-bloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, anti-serotonínicos, antidepressivos tricíclicos, antiepiléticos ou neuromoduladores.

    O tratamento profilático deve ser mantido por, no mínimo, seis meses e a retirada dele deve ser lenta e gradual.

    CEFALEIA DO TIPO TENSIONAL (CTT) A cefaleia do tipo tensional episódica (CTTE) é a mais frequente das cefaleias primárias tendo prevalência global de 42% (9;16). O pico ocorre na quarta década. Na cefaleia do tipo tensional episódica 55% dos pacientes são mulheres.

    A CTT crônica (CTTC, 15 ou mais dias/mês) tem prevalência bem menor. Está presente em cerca de 2% dos homens e 3% das mulheres. Enquanto que a prevalência da CTTE diminui com a idade, a CTTC aumenta (14;16). Hormônios sexuais influenciam bem menos a CTT em comparação com a enxaqueca.

    O quadro clínico (2) da CTT se caracteriza por uma cefaleia fraca ou de moderada intensidade, não pulsátil, sendo em aperto ou pressão e, na maioria das vezes, bilateral. Pode ser frontal, occipital ou holocraniana. A dor pode melhorar com atividades físicas. Surge, em geral, no final da tarde, depois de um dia extenuante de trabalho, físico ou mental. Está relacionada ao estresse físico (cansaço, exagero de atividade física, especialmente no calor e sol), muscular (posicionamento do pescoço no sono ou no trabalho) ou emocional. Por vezes, há hiperestesia e hipertonia da musculatura pericrânica que pode ser percebida com a palpação cuidadosa.

    A fisiopatologia é complexa (17) e menos compreendida que a da enxaqueca, mas há fatores encefálicos (semelhantes aos da enxaqueca sem aura) e periféricos (contração sustentada da musculatura pericrânica) envolvidos (18). É possível que a cefaleia do tipo tensional e a enxaqueca tenham muitos passos fisiopatogênicos em comum(18). A teoria do "continuum" coloca a cefaleia do tipo tensional numa extremidade e na outra estaria a enxaqueca com aura. Esta teoria está alicerçada pela clínica, com a presença de formas intermediárias de crises (19). Alguns pacientes apresentam ora crises enxaquecosas ora crise de cefaleia do tipo tensional, típicas. Outras teorias admitem que a CTT seja outra doença e privilegia fatores periféricos. Dor miofascial na musculatura cérvico-pericrânica, induzindo sensibilizações periféricas e centrais provocariam os sintomas das cefaleias tensional (17).

    O tratamento da CTT é predominantemente não medicamentoso. Raramente o paciente procura o médico por causa de uma CTTE, pois, para ele, é clara a relação entre o estresse físico/mental e a cefaleia. Medidas apropriadas são conhecidas por todos: um bom banho, relaxamento, uma boa conversa, alguns momentos de atividade física e mesmo uma dose de bebida alcoólica. O médico é procurado, quando a cefaleia se torna CTTC. Nesses casos o profissional aconselha tratamento profilático num modelo multidisciplinar: antidepressivos tricíclicos, mudança nos hábitos de vida e técnicas de relaxamento (17).

    CEFALEIA CRÔNICA DIÁRIA (CCD) O termo cefaleia crônica diária é um termo coletivo clínico e indica presença de cefaleia em 15 ou mais dias por mês, por mais de 3 meses e, cada episódio, durando mais de 4 horas. As cefaleias que têm essas características são: enxaqueca crônica (EC), cefaleia por uso excessivo de medicações sintomáticas (abortivos de cefaleia) (CEM) e cefaleia do tipo tensional crônica (CTTC) (20).

    A EC é a mais frequente, sendo uma evolução da enxaqueca com crises recorrentes para uma cefaleia diária ou quase diária (6;18). A história natural dessa situação é o gradual aumento de frequência das cefaleias com redução dos sintomas associados e da intensidade da dor. O quadro clínico da EC, além da frequência das cefaleias, é a alternância entre crises com características de CTT e crises com características de enxaqueca. Essas duas formas de cefaleia se alternam no decorrer do mês, ocorrendo cada uma delas com uma frequência muito variável, mas no mínimo 8 delas devem ser cefaleia enxaquecosa (6).

    Uma das causas de transformação da enxaqueca é o uso excessivo de medicação sintomática. Nesse caso a cefaleia é chamada de Cefaleia por Uso Excessivo de Medicação Sintomática. Outras causas podem facilitar essa transformação: obesidade, hipertensão arterial sistêmica, depressão, estresse, ansiedade, distúrbios do sono, hipotiroidismo e o tratamento inadequado da enxaqueca.

    O tratamento (2) das CCD não é simples e deve ser feito por uma equipe multidisciplinar com profundo conhecimento da situação. Visam-se os seguintes objetivos: interrupção das medicações sintomáticas, que algumas vezes exige internação hospitalar, tratamento da síndrome de abstinência dos sintomáticos, início do tratamento profilático da cefaleia de base e das comorbidades, atuação da enfermagem em vigiar e educar, pacientes e familiares, sobre a necessidade de abolir as medicações sintomáticas, abordagem psicológica cognitivo-comportamental e, abordagem psiquiátrica, quando necessária, para tratar a depressão e a ansiedade.

    A prescrição de profiláticos deve ser por politerapia racional e iniciada de imediato com a atuação de cefaliatra (médico com formação específica para tratamento de cefaleias).

    CONCLUSÕES As cefaleias de longa duração que se apresentam num consultório médico são, geralmente, cefaleias primárias. São doenças que interferem muito na qualidade de vida, mas também podem provocar problemas graves de saúde se vierem associadas a uso excessivo de medicações sintomáticas: problemas de estômago, fígado, rins, hematológicos, piora das cefaleias existentes entre outros tantos menos frequentes.

    A cefaleia aguda que leva o paciente a procurar por um atendimento emergencial ou uma cefaleia de aparecimento recente na vida do paciente deve ser sempre interpretada como sinal de alerta. A possibilidade de ser uma cefaleia secundária é grande e conforme a doença causadora da cefaleia as complicações podem ser graves e mesmo fatais.

    Jose G. Speciali é professor associado de neurologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do Serviço de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e orientador de mestrado e doutorado das áreas de neurologia e neurociências do curso de pós-graduação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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