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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.2 São Paulo abr. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000200014 

     

    Acupuntura e dor numa perspectiva translacional

    Ari Ojeda Ocampo Moré
    Li Shih Min
    Jéssica Maria Costi
    Adair Roberto Soares dos Santos

     

     

    A acupuntura é um método terapêutico utilizado na medicina tradicional chinesa há mais de 3000 anos (1). Há registros de que este é o procedimento mais antigo da história da medicina (2). Ao contrário de outros procedimentos utilizados na antiguidade que caíram em desuso, a acupuntura nunca deixou de ser praticada e atualmente é um dos tratamentos mais populares em todo mundo (2; 3).

    Até 1970, as evidências para o uso da acupuntura restringiam-se a uma enorme coleção de casos advindos de um quarto da população mundial (4) — a população da China. Havia poucos experimentos à luz do conhecimento científico ocidental para convencer os céticos (4; 5); porém, nos últimos 25 anos essa situação mudou consideravelmente. Estudos clínicos e pré-clínicos nos moldes atuais vêm demonstrando a eficácia e efetividade da acupuntura em diversas condições (5). Em 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou uma revisão indicando a terapia com acupuntura para uma relação de mais de cem doenças (6).

    Atualmente, o tratamento com acupuntura no Ocidente está deixando de ser considerado alternativo. Essa consolidação junto à chamada "prática convencional" da medicina se dá na medida em que o acupunturista, dentro do modelo biomédico vigente, realiza o diagnóstico médico de maneira convencional, e utiliza as agulhas para modular as respostas do organismo, ou seja, a fisiologia do corpo, para o tratamento de doenças, de acordo com a ótica biomédica. É importante salientar que a acupuntura pode ser utilizada como um tratamento convencional de maneira isolada ou em associação com fármacos, cirurgia ou outros procedimentos, de acordo com as necessidades do paciente (7).

    A acupuntura nesta última década vem se tornando uma opção terapêutica cada vez mais utilizada no tratamento da dor. Apesar do progresso no desenvolvimento de fármacos que auxiliam no manejo das condições álgicas, há uma crescente preocupação com os efeitos colaterais, principalmente dos analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) (8). Nesse sentido, a acupuntura, quando praticada por profissionais qualificados, tem se revelado uma medida não farmacológica efetiva para o tratamento da dor porque demonstra ser um método seguro, custo-efetivo e com baixos índices de efeitos colaterais (8; 9).

    Um dos desafios enfrentados pelos praticantes da acupuntura é o ceticismo por parte da comunidade científica em relação à presença de efeitos fisiológicos específicos que justifiquem a sua utilização (4). Assim, diferente de outros tratamentos que passaram por diversas fases de estudos pré-clínicos e clínicos até serem praticados em humanos, a acupuntura seguiu o caminho inverso, sendo utilizada primeiro no homem para depois ser estudada em animais (10). O resultado disso foi uma vasta compilação de dados empíricos sobre como utilizar os pontos de acupuntura e sua aplicação na prática clínica.

    Um fato curioso dentro da pesquisa em acupuntura é a trajetória percorrida pelos estudiosos da área (10). Alguns autores que aprenderam acupuntura segundo os princípios da medicina chinesa, um modelo empírico com fortes bases filosóficas que é aplicado com bons resultados há milênios, voltaram-se exclusivamente ao modelo biomédico cartesiano linear de causalidade e vivem em busca de medidas e explicações objetivas. Por outro lado, outros autores que originalmente foram treinados no modelo científico ocidental, ao invés de seguirem sua "trajetória biomédica natural" de pesquisa, resolveram explorar as antigamente chamadas "áreas marginais" da medicina e buscaram outros modelos explicativos dos fenômenos observados.

    A presença dos dois estilos de pesquisadores citados acima, no cenário atual, faz com que a acupuntura seja foco de grandes discussões. Entretanto, essas mesmas controvérsias proporcionam a oportunidade para que ciência, filosofia e pesquisa sejam abordadas em seus diferentes aspectos.

    Existem claras distinções filosófico-culturais entre o modelo da biomedicina ocidental e o modelo da medicina tradicional chinesa. A primeira tem uma abordagem reducionista, objetiva, tenta esclarecer mecanismos de ação, relacionar causa e efeito, e separar os aspectos relativos a corpo e mente. A segunda tem uma abordagem holística, subjetiva, tenta esclarecer inter-relações, e vê o corpo e a mente como sendo componentes interconectados e inseparáveis (10).

    Após a apresentação dos dois modelos surge a seguinte pergunta: qual é o melhor modelo para tratar os pacientes? Em 1999, emergiu em diversas universidades norte-americanas uma proposta para tentar responder a esta pergunta. A proposta baseia-se na prática da medicina que reafirma a importância da relação médico-paciente, foca a abordagem da pessoa como um todo, apoia-se em ferramentas da medicina baseada em evidências, faz uso da abordagem interdisciplinar e busca tratar, curar ou confortar o paciente com o(s) modelo(s) terapêutico(s) que melhor se adeque(m) às características do indivíduo (11). Esta é a proposta da chamada medicina integrativa, e que já foi instituída no ensino e pesquisa em mais de 40 universidades nos Estados Unidos (11).

    Neste contexto, grupos de pesquisadores em acupuntura buscaram um novo enfoque em seus trabalhos, o qual nomearam de "Translational acupuncture research" (pesquisa translacional em acupuntura). Define-se pesquisa translacional como a pesquisa médica que se preocupa com a facilitação da aplicação prática das descobertas científicas para o desenvolvimento e implementação de novas formas de prevenção, diagnóstico e tratamento (12; 13).

    Utilizando os conceitos de medicina integrativa e pesquisa translacional, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), através da parceria entre o Ambulatório de Acupuntura do Hospital Universitário e o Laboratório de Neurobiologia da Dor e Inflamação (Landi) do Departamento de Ciências Fisiológicas, vem utilizando a experimentação animal para responder a algumas perguntas básicas da prática da acupuntura. Esses dados estão sendo compartilhados e discutidos visando contribuir, inclusive, na formação dos médicos residentes em acupuntura.

     

     

    No entanto, vários são os desafios a serem enfrentados por pesquisadores na área da acupuntura. Neste sentido, há várias perguntas sobre as formas de pesquisa aplicadas ao método, como por exemplo: como utilizar o método de pesquisa biomédico para investigar a medicina oriental? Como implementar nas pesquisas as experiências individuais, frequentemente difíceis de categorizar, relatadas pelos pacientes? Como desenhar estudos que consigam comparar acupuntura e o tratamento "usual"? Há diferença no desfecho clínico entre os diversos estilos e escolas de acupuntura? Existe algum método placebo que possa ser utilizado como controle? Até o momento não existem respostas definitivas para estas perguntas — há apenas pesquisadores engajados em discutir e buscar esclarecimentos (10).

    Outra questão repetidamente feita sobre acupuntura é: a acupuntura funciona? Como esta questão é muito ampla, ela pode ser fragmentada para seu melhor entendimento: Para quais condições clínicas há evidências da eficácia do tratamento com acupuntura? Os pacientes sentem-se satisfeitos com uso da acupuntura? O tratamento é custo-efetivo? Existem mecanismos neurobiológicos que expliquem a ação da acupuntura (4)?

    Dentro das pesquisas clínicas há várias evidências de que a acupuntura é eficaz para o tratamento de diversas condições. O nível de evidência desses dados varia desde o nível 5 (opinião de especialistas e resultado de pesquisa básica) até nível 1 (revisão sistemática com metanálise) (14). Com base nessa classificação, condições tais como náuseas e vômito, migrânea, cefaleia do tipo tensional, dor lombar crônica, depressão e cervicalgia, já têm nível de evidência 1 (15-19). Há várias outras condições que apresentaram resultados promissores, porém o número de estudos com boa qualidade metodológica é escasso para chegar a conclusões definitivas (20). Em relação a custo-efetividade há estudos que mostram o benefício do uso da acupuntura para osteoartrose de joelho, lombalgia, dismenorreia, rinite e cervicalgia (9; 21-24). Quanto aos mecanismos de ação da acupuntura, há uma extensa literatura sobre o assunto, principalmente em relação a seus efeitos analgésicos (25).

    Quando a acupuntura foi trazida para o Ocidente, causava surpresa o fato de que uma agulha introduzida na mão pudesse aliviar uma dor de dente, ou de que uma agulha introduzida na perna aliviasse o desconforto abdominal pós-apendicectomia (4; 26). Dado que esse fenômeno não era explicado pelos conceitos da fisiologia, os cientistas sentiram-se confusos e céticos. Muitos o explicaram pelo "conhecido" efeito placebo, que funciona por sugestão, distração ou até hipnose (4). Em 1945, Beecher mostrou que a morfina aliviava a dor em 70% dos pacientes com dor crônica, ao passo que injeções de açúcar (placebo) reduziam em 35% a dor dos pacientes que acreditavam estar recebendo morfina (27). Assim, muitos cientistas e médicos no início dos anos 1970 partiram do pressuposto de que a analgesia por acupuntura ocorria devido a esse efeito placebo. Entretanto, havia controvérsias acerca dessa suposição, pois como explicar que ao longo dos últimos 1000 anos na China e 100 anos na Europa a acupuntura foi utilizada na medicina veterinária com excelentes resultados? Os animais não são passíveis à sugestão e apenas poucas espécies têm uma reação de imobilidade ou catalepsia (chamada de hipnose animal) (4). Analogamente, crianças também respondem à analgesia por acupuntura (28; 29). Além disso, vários estudos em que pacientes são submetidos a testes psicológicos não apresentaram uma correlação evidente entre analgesia por acupuntura e sugestionabilidade (30).

    Após deparar-se com esses fatos, os cientistas suscitaram duas perguntas: a analgesia por acupuntura realmente funciona por algum efeito fisiológico específico que não seja placebo/efeito psicológico? E, em caso afirmativo, por meio de que mecanismo? Nesse sentido, vários estudos experimentais em modelos de dor aguda, tanto em humanos quanto em animais, permitiram concluir que a analgesia por acupuntura funciona melhor do que o "placebo" (4). Portanto, deve haver alguma base fisiológica para explicar essa ação analgésica, e o esclarecimento dessa questão poderia dissipar o ceticismo existente em relação à acupuntura (10).

    O tratamento por acupuntura baseia-se na inserção de agulhas em pontos específicos na superfície corporal. Os pontos de acupuntura são conhecidos em chinês como Shu Xue. A palavra Shu significa passagem ou comunicação, enquanto a palavra Xue significa cavidade ou buraco. Portanto, Shu Xue representa aberturas ou buracos na pele de comunicação ou transporte (31). Os pontos de acupuntura foram descobertos através do conhecimento empírico adquirido na prática clínica no decorrer dos séculos. Durante a era da Pedra Lascada, as pedras Bian (agulhas de pedra) eram utilizadas para puncionar, promover sangria ou drenar abscessos. Com o passar do tempo, percebeu-se que a manipulação em determinados locais do corpo aliviava os desconfortos e/ou curava determinadas doenças (32).

    Por meio de observação criteriosa e sistemática, os chineses notaram que havia uma sensação peculiar de entorpecimento, peso ou choque, relacionada com o estímulo dos pontos, a qual chamaram de De Qi. Também perceberam que havia um padrão comum do trajeto de irradiação dessa sensação para regiões distantes do corpo. A sensação de De Qi geralmente percorria pequenos trechos; assim, se o local onde terminava a sensação fosse agulhado havia a transmissão por mais um trecho. Dessa maneira novos pontos foram descobertos, e as linhas traçadas entre eles, acabaram delimitando o trajeto dos meridianos (33).

    Inicialmente, os pontos não possuíam localização bem definida nem nomes próprios. No terceiro século a.C., descobertas arqueológicas trouxeram os mais antigos registros escritos dos pontos de acupuntura e trajeto de meridianos (34). A compilação de conhecimentos sobre os pontos e meridianos encontram-se em capítulos de livros chineses como Nei Jing (Estados Combatentes, 475 a.C.) com registros de 160 pontos, Jia Yi Jing (dinastia Jin, 256 d.C.) com localização e indicação de 349 pontos, e no Zheng Jiu Feng Yuan (dinastia Qing, 1817 d.C.) com registros de 361 pontos localizados nos 14 meridianos, que são os aplicados até os dias atuais (32).

     

     

    Segundo a teoria da medicina tradicional chinesa, os meridianos, que foram traduzidos do termo Jing (que significa via de transporte), formam um sistema que abrange todo corpo e ligam-se uns aos outros em sequência. Eles estabelecem conexões e comunicações entre órgãos e vísceras (Zang-Fu), pele, membros e orifícios, e assim permitem a integração de diferentes partes do corpo de forma a manter uma condição harmoniosa no organismo (31).

    Por outro lado, não foi comprovada do ponto de vista anatômico a existência de meridianos, apesar de alguns autores conseguirem demonstrar parte de seu trajeto através do mapeamento de radioisótopos injetados no corpo e fotografias infravermelho (4). Do ponto de vista prático, a teoria básica dos meridianos é considerada importante para orientar o tratamento pela acupuntura (32; 33).

    Quanto aos pontos de acupuntura, estes foram avaliados por vários estudos histológicos que não demonstraram de forma consistente a presença de estruturas específicas relacionadas a eles (4). Contudo, alguns autores fizeram a observação de que a maioria dos pontos de acupuntura coincide com os trigger points (pontos gatilho: ponto localizado em uma área de tensão muscular. Este ponto é doloroso à pressão e desencadeia episódios de dor em regiões do corpo distantes do local do ponto gatilho). Por exemplo, Melzack et al. (35) descobriram que 71% dos pontos de acupuntura coincidiam com os pontos gatilho. O trabalho de Janet Travell e David Simon (36) sobre pontos gatilho, iniciado em 1952, e que resultou em um denso livro publicado em 1983, mostra que há locais hipersensíveis nas estruturas miofasciais que quando estimulados ampliam a área de dor para região adjacente ou distante (referida). Estes autores observaram que o "agulhamento seco" (sem injeção de fármacos) nesses pontos-gatilho produziu alívio da dor. De forma semelhante, livros clássicos chineses do Período dos Estados Combatentes (475-221 a.C.) descrevem que o princípio inicial da acupuntura baseou-se na escolha dos pontos e inserção das agulhas no local da dor (pontos Ah Shi) (32).

    Além da pesquisa sobre a "existência" dos pontos de acupuntura e do estudo de estruturas anatômicas específicas, outros trabalhos realizaram esta pesquisa de maneiras diversas: pelo estudo das propriedades elétricas da pele nos acupontos, pelo estudo das fibras nervosas que são ativadas pelo estímulo nos acupontos e pela comparação dos efeitos da inserção de agulhas nos pontos verdadeiros e falsos (4).

    Alguns relatos afirmam que a resistência elétrica da pele em pontos de acupuntura é mais baixa do que a da pele adjacente, mas este resultado tem sido atribuído a artefatos resultantes da pressão dos eletrodos (37). Dados curiosos advêm do uso de localizadores de pontos auriculares, que também localizam pontos de menor resistência elétrica na pele da orelha. Osleson et al (38) examinaram 40 pacientes em um estudo "cego", e compararam os diagnósticos topográficos feitos por um localizador de pontos auriculares com diagnósticos topográficos feitos nos mesmos pacientes por meio do exame médico nos moldes ocidentais. De forma surpreendente, a correlação entre o diagnóstico da orelha e o diagnóstico ocidental foi de 72,5%.

    Em relação aos tipos de fibras nervosas estimuladas, as evidências eletrofisiológicas indicam que o estímulo de fibras aferentes dos músculos (tipo II e III) produz as sensações chamadas de De Qi (25) que, por sua vez, enviam mensagens ao cérebro para liberar neurotransmissores (endorfinas, monoaminas, entre outros). Lu et al (39) mostraram que os tipos de fibra II e III foram importantes em coelhos e gatos para que obtivessem analgesia por acupuntura. Em seus experimentos o bloqueio de fibras do tipo IV não surtiu efeito sobre a analgesia por acupuntura, ao passo que o bloqueio isquêmico ou anódico de fibras dos tipos II e III suprimiu tal efeito analgésico. Assim, há evidências em estudos animais de que esses dois tipos de fibra medeiam a analgesia pela acupuntura.

    Sobre a questão do uso de pontos verdadeiros ou falsos na analgesia por acupuntura, como citado anteriormente, há evidências de que em modelos de dor aguda a acupuntura "falsa" não funciona, enquanto a verdadeira responde muito bem (4). Porém, na dor crônica há controvérsias, pois a analgesia por placebo funciona em média em 30 a 35% dos pacientes (27) e estudos que tentaram obter este efeito placebo com a introdução de agulhas em pontos sham (falsos) produziram analgesia em 33 a 50% dos pacientes, ao passo que pontos verdadeiros foram eficazes em 55 a 85% dos casos (40). Assim, estudos são necessários com número muito grande de pacientes para tentar detectar diferenças com significância estatística entre esses grupos (40). Recentemente, um grupo alemão de pesquisadores realizou e publicou estudos com metodologia rigorosa, e estes demonstraram superioridade da acupuntura quando comparada ao tratamento convencional em algumas situações clínicas comuns de dor crônica (41). Por outro lado, na maioria das vezes a "acupuntura verdadeira" não demonstrou resultados superiores quando comparada à "acupuntura falsa", ou sham acupuncture; porém, quando comparada ao tratamento "usual", a acupuntura falsa demonstrou resultados iguais ou superiores (42). Assim, questiona-se o uso da sham acupuncture com um controle inerte (43).

    No momento, há um extenso debate entre os acupunturistas sobre as formas de acupuntura falsa, se as intervenções sham podem ser consideradas placebo e se há necessidade de utilizar essas intervenções como controle em estudos clínicos (44).

    Enquanto isso, no campo da ciência básica, apesar das muitas descobertas realizadas nas últimas décadas, os mecanismos fisiológicos da analgesia por acupuntura não foram completamente elucidados (4). A maioria dos pesquisadores concentrou-se em estudar a analgesia produzida pela eletroacupuntura em suas diferentes formas de estímulo (25).

    As séries de experimentos mais abrangentes realizadas sobre mecanismos de ação da analgesia por acupuntura foram realizadas pelos professores Chifuyu Takeshige no Japão e Ji Sheng Han na China. O primeiro, através do estímulo elétrico de baixa frequência em pontos de acupuntura, não apenas descobriu que os pontos falsos de acupuntura (sham) falharam em produzir analgesia, como também apresentou uma explicação plausível para essa falha (45). O segundo descobriu que a eletrocupuntura, além liberar endorfinas, era capaz de induzir a produção de opióides endógenos específicos através da variação da frequência do estímulo (46).

    Os segmentos das ciências básicas como a biologia molecular, farmacologia, embriologia e fisiologia passaram por situação semelhante à que a acupuntura passa no momento, em que se buscam respostas para formação de um conhecimento científico sólido. Já no contexto da pesquisa translacional, duas linhas podem ser seguidas: uma linha "horizontal" que identifique quais condições/patologias são potencialmente tratáveis por acupuntura, e uma linha "'vertical" que identifique qual é a melhor técnica de acupuntura que se aplica a cada condição. Com o crescimento da popularidade da acupuntura no Ocidente e com a formação de profissionais técnica e cientificamente qualificados para sua prática, há uma tendência ao aumento na quantidade e qualidade da pesquisa nesta área.

    Em relação a recursos humanos, no Brasil, assim como na China e em alguns países no mundo, a acupuntura é uma especialidade médica que é ensinada tanto na graduação quanto na pós-graduação (47). Em 2002, foi criado o programa de residência médica em acupuntura e, da mesma forma que em outros programas de residência, o médico pode optar por realizar um treinamento intensivo de 5800 horas para tornar-se especialista em acupuntura (47).

    A proposta da medicina translacional, partindo das pesquisas de bancada de laboratório até a clínica de beira de leito, visa utilizar os melhores resultados a fim de proporcionar o melhor cuidado dos pacientes e, indo além dos indivíduos, alcançar também a comunidade contribuindo com soluções sustentáveis. A universidade com seus objetivos de ensino, pesquisa e extensão, deve desempenhar esse papel, desenvolvendo pesquisas com visão translacional para prestar assistência à população e, ao final, formando recursos humanos, tanto na graduação quanto na pós-graduação, voltados para a comunidade. A acupuntura no Brasil deve se desenvolver dessa forma, contribuindo no estudo e tratamento da dor.

    Ari Ojeda Ocampo Moré é médico acupunturista, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Email: darimore@hotmail.com
    Li Shih Min é professor adjunto III do Departamento de Clínica Médica, do Centro de Ciências da Saúde, da UFSC, supervisor do Programa de Residência Médica em Acupuntura do Hospital Universitário da UFSC.
    Jéssica Maria Costi é médica acupunturista, supervisora do Programa de Residência Médica em Acupuntura do Hospital Regional de São José, da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina.
    Adair Roberto Soares dos Santos é professor adjunto IV do Departamento de Ciências Fisiológicas, do Centro de Ciências Biológicas da UFSC e coordenador do Laboratório de Neurobiologia da Dor e Inflamação.

     

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