SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.63 número3 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.3 São Paulo jul. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000300004 

     

    TOCANTINS

    A nova fronteira agrícola do Cerrado

     

     

    Boa parte dos mais caros abacaxis encontrados nos grandes supermercados brasileiros vêm de uma região do centro do país que até o início da década de 1990 mal produzia alimentos para a subsistência de sua própria população. Até então, era difícil associar a região do norte do estado de Goiás a qualquer tipo de atividade econômica. Há 22 anos a região tornou-se o estado do Tocantins que hoje possui enorme potencial econômico.

    "O Tocantins será nesta década o que o Mato Grosso foi na década passada: a maior e mais promissora fronteira agrícola do Brasil", afirmou Carlos Magno Campos da Rocha, chefe geral da unidade da Embrapa Pesca e Aquicultura, criada em 2009 e já considerada o maior centro nacional de pesquisa da área em número de cientistas.

    Conhecido pela extrema pobreza e por baixos índices de desenvolvimento, o norte de Goiás era formado basicamente por municípios com pouquíssima infraestrutura, alguns remanescentes quilombolas e comunidades indígenas além de propriedades rurais que, em sua maioria, sequer contavam com energia elétrica. A mudança teve início em 1988, com a Constituição Federal que transformou 277 mil km2 do norte de Goiás no estado do Tocantins. "Não é exagero dizer que a única estrada asfaltada por aqui naquela época era a Belém–Brasília", conta Ruiter de Pádua, secretário executivo da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Tocantins e que testemunhou o surgimento do estado.

     

     

    Ao completar 22 anos no último 1º de janeiro, o mais novo estado brasileiro foi colocado na berlinda com o movimento para a criação de duas unidades federativas, o Carajás e o Tapajós, fatias sul e oeste, respectivamente, do estado do Pará. Para justificar os vultosos gastos federais com a criação de novos estados há de se comprovar que os benefícios serão compensadores. Nesse aspecto, o Tocantins mostra que ganhou mais do que somente uma malha viária asfaltada.

    A única linha de transmissão que abastecia o Tocantins em 1989 vinha de Goiás e mal tinha capacidade para servir todas as cidades. Uma das primeiras tarefas do novo governo estadual foi aumentar o porte dessa linha e buscar a independência na produção de energia. Isso aconteceria somente em 2001, com a inauguração da Usina Hidrelétrica de Lajeado, entre os municípios de Lajeado e Miracema do Tocantins. Outro problema que teve de ser contornado foi a inexistência de um município com infraestrutura mínima capaz de abrigar o novo governo estadual. Como soluções, foram sugeridas a construção de um bairro administrativo em alguma cidade ou começar uma capital do zero. Optou-se pela segunda. O local escolhido para a empreitada foi a margem direita do rio Tocantins. "Era a região mais atrasada do estado", relembra Pádua, justificando que com isso pretendia-se desenvolver a área atraindo pessoas e investimentos. Hoje com cerca de 230 mil habitantes e localizada no centro geodésico do Brasil, a capital Palmas é a maior cidade do Tocantins concentrando por volta de 17% da população do estado e tem recebido investimentos principalmente nos setores agroindustrial e de serviços.

    RIQUEZAS NATURAIS FAVORÁVEIS O interesse dos investidores agrícolas é motivado pelas condições edafoclimáticas (do solo e do clima) favoráveis e pela posição geográfica estratégica do estado, ao centro do Brasil. Caracterizadas pela alta incidência solar, as terras tocantinenses recebem chuva de dezembro a maio e costumam sofrer uma longa estiagem nos demais meses. Para contornar o problema, os produtores têm de lançar mão de sistemas de irrigação os quais, apesar de encarecer a produção, têm se mostrado compensadores. "Aqui é comum o agricultor colher outra safra no período da entressafra como o milho, na entressafra da soja, por exemplo", contou Jarbas Manduca, superintendente federal de Agricultura do Tocantins, que representa o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no estado. O sol e a baixa umidade também são responsáveis pelo alto Brix encontrado nas frutas. A escala Brix é um indicador do teor de açúcar, quanto maior o índice mais doce é o fruto. Daí a valorização do abacaxi tocantinense além de outras frutas, como a melancia. A experiência com a soja no estado também tem sido exitosa. "Há baixa incidência de pragas e doenças e as sementes possuem um alto poder germinativo", ressalta Manduca. A produção também se beneficia da infraestrutura de escoamento, com a conclusão do trecho norte da ferrovia Norte-Sul, que já colocou o preço da soja tocantinense em pé de igualdade com a produzida em localidades privilegiadas como Rondonópolis (MT), atendida por uma linha férrea que transporta a produção até o porto de Paranaguá (PR).

    O Tocantins tem ainda a vantagem de se utilizar de portos localizados ao norte do país como o de Belém (PA) e de Itaqui (MA), mais próximos dos mercados europeu e norte-americano, barateando o frete marítimo. Para completar, está em construção um sistema de eclusas que tornará o rio Tocantins navegável em toda a sua extensão e permitindo que as embarcações cheguem até Belém.

    Com cerca de cinco milhões de hectares de pastagens degradadas, o estado apresenta uma área nada desprezível para a expansão da sua atividade agropecuária. Esse potencial colocou o Tocantins entre as regiões prioritárias escolhidas pelo Ministério da Agricultura para a implantação do Projeto Agricultura de Baixo Carbono (ABC), como informou Manduca. O projeto ABC visa reduzir as emissões de carbono na atividade agrícola brasileira e conferir ao país uma garantia de sustentabilidade capaz de contornar barreiras não tarifárias que os países estrangeiros deverão impor visando mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Detentor da segunda maior bacia hidrográfica do Brasil, a do Araguaia-Tocantins, o estado viu sua produção de pescado saltar de 360 toneladas para mais de sete mil toneladas anuais durante a última década e tem potencial para crescer ainda mais especialmente com os peixes nativos. Esse foi um dos impulsionadores da instalação de uma unidade de pesquisa em pesca e aquicultura da Embrapa. As condições favoráveis naturais atraem também turistas.

    O Parque Estadual do Jalapão, a leste, e a maior ilha fluvial do mundo, a do Bananal, a oeste, já são centros de atração turística e exibem uma característica rara, a transição de quatro diferentes biomas, o Cerrado, o Pantanal, a Amazônia e a Caatinga. Essas zonas de transição, ou ecótonos, proporcionam paisagens únicas além de uma ampla biodiversidade.

    RIQUEZA E DESIGUALDADE Apesar de ter se desenvolvido em várias áreas, o Tocantins ainda não conseguiu responder ao maior problema existente desde sua criação, a pobreza da população. Um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início de 2011 revelou que 163 mil tocantinenses vivem em estado de extrema pobreza, quase 12% da população.

    O índice supera a média nacional de 8,5% dos brasileiros em condição de miséria. De acordo com o economista Waldecy Ribeiro, coordenador do curso de mestrado em desenvolvimento regional da Universidade Federal do Tocantins, o modelo tocantinense de crescimento está alicerçado em atividades que geram pouca agregação de valor. "Isso tem produzido uma concentração fortíssima de renda", colocou. Outro fator relevante apontado pelo economista é a pequena participação da iniciativa privada no desenvolvimento do estado. Ribeiro mostra que o Tocantins ainda encontra-se numa curva ascendente de crescimento galgada nos investimentos públicos. "Ainda há muita infraestrutura a ser financiada pelo Estado aqui no Tocantins, mas quando esses investimentos relacionados à instalação diminuírem, serão necessários recursos privados para alimentar a economia", explicou.

    Para que o Tocantins cresça no agronegócio, Ribeiro aponta a necessidade de se fazer um levantamento detalhado dos solos. "Não há nada sistematizado nesse sentido e será preciso conhecer bem cada área para apontar as vocações econômicas", afirma.

     

     

    Ademais, o estado tem enfrentado casos sérios de corrupção nos últimos anos. Em 2009, o então governador Marcelo Miranda foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a acusação de utilizar os recursos públicos para se reeleger. Em dezembro de 2010, a Polícia Federal prendeu três desembargadores do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO) acusados de vender decisões judiciais e de fraudar precatórios. Os episódios pesam sobre o jovem estado que procura atrair a iniciativa privada para manter o ritmo de crescimento. A despeito desses problemas, grandes corporações do ramo agropecuário já estão se estabelecendo no Tocantins e desenvolvendo diferentes culturas o que deve torná-lo conhecido por muito mais do que os abacaxis nas prateleiras dos grandes centros.

     

    Fábio Reynol