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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.3 São Paulo jul. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000300007 

     

    AVES URBANAS

    Conciliando biodiversidade em meio à presença humana

    O Brasil abriga 1.825 espécies de aves, de acordo com o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), o que equivale a 20% do total estimado para o mundo. Parte desse montante corresponde às aves que utilizam também o espaço urbano para sua sobrevivência, além de seus habitats naturais. Apenas no Parque Ibirapuera, situado na capital de São Paulo, maior metrópole do país, já foram registradas 159 espécies. Embora esse valor seja baixo quando comparado com a riqueza de algumas reservas de Mata Atlântica, que podem chegar a 400 espécies, ele sugere que é possível garantir biodiversidade em ambientes marcados pela presença humana.

    Em pesquisa realizada na área metropolitana de Seattle, Jonh Marzluff, autor do livro Urban ecology: an international perspective on the interaction between humans and nature (2008), constatou que as paisagens urbanas com 50 a 60% de cobertura vegetal apresentam maior diversidade de aves do que aquelas com índices até superiores de áreas verdes. A aparente contradição é explicada pela presença não só de espécies florestais nativas, mas também de espécies sinantrópicas (etimologicamente, aquelas que são "amigas do homem"), cuja densidade populacional é maior em ambientes urbanos do que em seus ambientes naturais. Exemplos de aves brasileiras que são favorecidas com a urbanização são o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus) e a corruíra (Troglodytes musculus), espécies típicas de áreas abertas.

     

     

    INDICADOR AMBIENTAL Além da riqueza, outros aspectos devem ser considerados para uma melhor avaliação da biodiversidade urbana, como a composição e a abundância de cada espécie na área, diz Carla Fontana, pesquisadora do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Se estivermos falando de um ambiente originalmente florestal, como me parece o caso de Seattle, espécies campestres e sinantrópicas, apesar de contribuírem para o aumento da riqueza, podem ser indicadoras de alterações ambientais, principalmente. Assim, o conceito de diversidade com base no número de espécies talvez não seja o mais relevante nesse contexto", analisa.

    De fato, os poucos ornitólogos brasileiros que se dedicam ao estudo das aves urbanas tendem a focar suas pesquisas em apenas algumas poucas espécies e não na comunidade como um todo. Isso ocorre porque existem espécies que, por serem mais sensíveis ou específicas ou peculiares, tendem a desaparecer mais rápido nas cidades, sendo por isso utilizadas como bioindicadoras ambientais. Sua presença e abundância em ambiente urbano indicam, portanto, a qualidade das áreas remanescentes. Segundo pesquisa de Augusto Piratelli, professor da Universidade Federal de São Carlos, espécies com grande potencial para serem utilizadas como bioindicadores da fragmentação florestal da Mata Atlântica são o vira-folha (Sclerurus scansor), o tangará-dançarino (Chiroxiphia caudata), o tiê-do-mato-grosso (Habia rubica) e o abre-asa-de-cabeça-cinza (Mionectes rufiventris).

    Piratelli ainda argumenta que estudos ecológicos com aves urbanas não têm o mesmo glamour dos estudos com espécies endêmicas, ameaçadas e de comunidades de habitats mais preservados. Quando se fala em conservação, os pesquisadores normalmente sustentam um modelo em que a natureza deve estar separada do homem, o que acaba provocando a preferência por espécies nativas de floresta negligenciando espécies comuns de ambientes urbanos.

    Embora não haja um consenso sobre a contribuição das espécies sinantrópicas para a biodiversidade urbana, os pesquisadores parecem concordar que a heterogeneidade de habitat seja fundamental para o enriquecimento da avifauna nas cidades. "Árvores frutíferas, plantas que oferecem flores e troncos de árvores mortas são itens que certamente vão atrair mais aves para as cidades", diz Piratelli. "Corpos d'água também enriquecem bastante a avifauna urbana, trazendo elementos que não existiriam sem esses ambientes", completa, lembrando o caso das garças.

    MUDANÇAS DE HÁBITO Espécies de aves tidas como típicas de ambientes urbanos são o pombo-doméstico (Columba livia) e o pardal (Passer domesticus), ambas introduzidas no Brasil durante os século XVI e XX, respectivamente. Além dessas, outras espécies são favorecidas pelos adensamentos urbanos, como o urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), a rolinha-caldo-de-feijão (Columbina talpacoti), o beija-flor-tesoura (Eupetomena macroura), a andorinha-pequena-de-casa (Pygochelidon cyanoleuca), o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), a cambacica (Coereba flaveola) e o sanhaço-cinzento (Thraupis sayaca).

    A convivência com os seres humanos também pode levar a mudanças comportamentais de muitas dessas espécies, como a construção de ninhos com materiais manufaturados ou em locais artificiais. Elizabeth Höfling, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e uma das autoras do livro Aves no campus (2002), relata que já foi observado um ninho de cambacica forrado com algodão proveniente de um dos laboratórios do Departamento de Zoologia. Outras espécies, como o pardal e a andorinha-pequena-da-casa, costumam nidificar no beiral das casas.

    Não raramente os ninhos são construídos em postes elétricos, o que pode representar um prejuízo ao sistema de distribuição de energia. Estudos realizados em quatro municípios de Santa Catarina apontaram que mais de 50% dos postes analisados continham ninhos em alguma parte de sua estrutura, a maioria deles de joão-de-barro (Furnarius rufus). Problemas mais sérios são aqueles provocados por aves, como o urubu-de-cabeça-preta e o quero-quero (Vanellus chilensis), que ocupam o espaço aéreo e a pista de grandes aeroportos.

     

     

    OBSERVAÇÃO DE AVES Mesmo considerando os problemas, a presença de aves nas cidades tende a ser mais benéfica do que prejudicial para o homem. Além da educação ambiental, o contato com as aves pode incentivar uma prática pouco usual no cenário urbano: o birdwatching, termo utilizado para "observação de aves". "Há médicos, engenheiros, advogados, publicitários e artistas plásticos que são praticantes do birdwatching", afirma Luiz Fernando Figueiredo, secretário do Centro de Estudos Ornitológicos, grupo dedicado à observação de aves em São Paulo desde 1985.

     

    Daniela Ingui