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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.3 São Paulo jul. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000300012 

     

    Análise espacial da temperatura de superfície no cerrado: uma análise sazonal a partir de dados orbitais de resolução moderada, para o período de 2003 a 2008

    Nicali Bleyer Ferreira dos Santos
    Laerte Guimarães Ferreira Júnior
    Nilson Clementino Ferreira

     

    INTRODUÇÃO O Cerrado ocupa cerca de 23% da área do território brasileiro, sendo o segundo maior bioma do país. Assim como as demais savanas tropicais, está localizado na região conhecida como intertropical que, em função principalmente da quantidade de energia solar e da pluviosidade, permite que esses ecossistemas se desenvolvam, tendo como característica principal a presença de uma camada contínua de vegetação herbácea e um dossel descontínuo de arbustos e árvores(1).

    Embora o termo "bioma Cerrado" carregue em sua própria denominação a ideia de certa homogeneidade, a configuração espacial desse ecossistema apresenta diferenciações territoriais bastante expressivas. A configuração atual dos elementos biofísicos e socioeconômicos do Cerrado, tal qual conhecemos hoje, é fruto tanto do processo de ocupação de suas terras, quanto da intensidade de tal ocupação, que se configurou de diferentes maneiras ao longo dos anos e adentrou o bioma no sentido sul-norte, sentido este que coincide com a localização das bacias hidrográficas mais antropizadas do Cerrado, com baixos índices de remanescentes de vegetação e alta densidade populacional e urbanização.

    Desse modo, como as formas de apropriação da paisagem pelo homem variam no tempo e no espaço, também serão diversificados os impactos (positivos ou negativos) produzidos que, por sua vez, serão sentidos em maior ou menor escala pelos diferentes elementos que compõem a paisagem. Nesse contexto, dentre os elementos físicos que respondem sensivelmente à relação estabelecida entre o meio biofísico e antrópico, está a temperatura de superfície – TS. Isso porque essa variável biofísica é bastante sensível às mudanças de uso e cobertura da terra (2).

    Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo analisar a forma como se dá a distribuição espacial da temperatura de superfície e qual a sua relação com o recorte espacial hidrográfico do bioma Cerrado.

    MATERIAIS E MÉTODOS O presente estudo abrange toda a área core do bioma Cerrado, aproximadamente 2.046 milhões de km2. As informações utilizadas para a análise de temperatura de superfície – TS são provenientes do sensor Modis, produto MOD11A2 (Land Surface Temperature- LST), coleção 5, com resolução espacial de 1km.

    A informação de temperatura de superfície produzida pelo sensor Modis utiliza o algoritmo LST para o cálculo de TS, incluindo o Day/night LST algorithm (Wan e Li, 1997), desenvolvido especificamente para o Modis, que produz imagens termais diurnas e noturnas para toda a superfície da Terra, com periodicidade diária, validadas a partir de imagens MAS (Modis Airborne Simulator) e por mensurações de campo (3).

    O produto A2 é uma composição de oito dias, realizada a partir de dados diários gerados pelo produto A1 e a coleção 5 foi utilizada por apresentar melhorias metodológicas significativas quando comparada à coleção 4 (4).

    Dentre as duas plataformas disponíveis para a obtenção dos dados de temperatura de superfície (Terra e Água), optou-se pela utilização do satélite Terra, visto que análises preliminares mostraram que as informações obtidas através dessa plataforma apresentam menor contaminação das informações por nuvens, após a aplicação do Quality Control – QC, que acompanha cada imagem LST e é fornecido para cada pixel (3, 4).

    Como os dados originais do produto MOD11 são fornecidos em Kelvin, foi necessário utilizar um fator de conversão para que os dados da imagem fossem transformados para graus Celsius.

    Fator de conversão:

    PgC = (B1*0.02) – 273

    onde

    PgC é o valor do pixel em graus Celsius e

    B1 é o valor original do pixel em graus Kelvin.
    [1]

    As imagens Land Surface Temperature foram processadas para todo o Cerrado para os dias 129 e 257 – início e final da seca, respectivamente, no intervalo temporal de 2003 a 2008.

    A opção por utilizar como recorte espacial de análise as bacias hidrográficas se deu, dentre outros motivos, por essas serem consideradas importantes unidades de planejamento (5) e os limites hidrográficos utilizados foram referentes à divisão de bacias hidrográficas nível 4, adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (6). Os valores de TS de cada bacia hidrográfica foram calculados com base da média dos valores de TS de cada pixel.

    RESULTADOS E DISCUSSÕES De modo geral, a qualidade espacial dos dados orbitais adquiridos pelo sensor ficou comprometida nos meses de chuva em decorrência da presença de nuvens, o que dificultou a aquisição de informações em grande parte do bioma, principalmente nas áreas localizadas na porção norte e centro-oeste. No entanto, ressalta-se que o comprometimento de dados no período chuvoso não é restrito ao sensor Modis / produto MOD11, haja vista que a presença de nuvens dificulta a aquisição de informações para todos os sensores orbitais que operam na faixa do espectro refletido/emitido.

    Assim como comumente ocorre com a temperatura do ar no bioma Cerrado, a temperatura de superfície atingiu valores elevados no período considerado seco, no qual, os meses de setembro e outubro, apresentaram os maiores valores do universo amostral e, conforme o esperado, os meses de maio e junho os menores valores de temperatura de superfície. Dessa maneira, as médias termais de superfície, geradas para cada bacia hidrográfica, seguiram a sazonalidade climática típica do ambiente do Cerrado.

    Como pode ser observado nas figuras 1 e 2, a distribuição das temperaturas de superfície pelos limites hidrográficos, mostrou significativa variação termal sazonal (maio-setembro), com temperaturas oscilando entre 30ºC e 40ºC nos meses de setembro e entre 25ºC e 30ºC nos meses de maio. A distribuição espacial e os valores de temperatura de superfície registrados foram bem próximos aos valores de temperatura do ar registrados no trabalho de (7). As médias de temperatura do ar sofrem um aumento relativo no sentido sul-norte do bioma, onde os valores mais elevados são encontrados nas regiões sul dos estados do Maranhão e do Piauí e no sudoeste da Bahia (entre 23ºC e 27ºC) e os menores valores são observados na parte centro-sul do bioma, nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e São Paulo (18ºC e 22ºC).

     

     

     

     

    Apesar do padrão espacial de distribuição de temperaturas de superfície mais elevada ter seguido, ainda que com algumas ressalvas, a localização geográfica de áreas conhecidas por desenvolver atividades agropecuárias intensivas e, consequentemente, possuírem baixas taxas de remanescentes de vegetação (oeste da Bahia, oeste de Mato Grosso, oeste e sudoeste de Goiás e região central do Tocantins), não seguiu a localização geográfica das bacias hidrográficas que possuem ocupação urbana consolidada, como é o caso da região do estado de São Paulo e do Triângulo Mineiro.

    Apesar de acreditarmos haver uma estreita relação entre as bacias hidrográficas mais antropizadas localizadas na porção centro sul do bioma, mais especificamente na Bacia do Paraná e parte da Bacia do Tocantins (áreas urbanas e de ocupação consolidada), com o registro de médias termais de superfície mais elevadas (uma vez que a variabilidade termal da superfície depende do tipo de cobertura existente) essa suposição não se confirmou completamente. O que observamos foram temperaturas de superfícies mais amenas em bacias hidrográficas com baixo percentual de remanescente de vegetação e alta densidade populacional e elevada taxa de urbanização, como no caso das bacias hidrográficas localizadas nos estados de São Paulo e Minas Gerais (Bacia do Paraná e São Francisco).

    Dessa maneira, o que se percebe é que ainda que as temperaturas de superfície mais elevadas tenham ocorrido em consonância espacial com a localização de bacias hidrográficas que desenvolvem atividades de agricultura e pecuária, como é o caso do oeste do estado do Goiás e o oeste da Bahia, os valores de temperatura de superfície tendeu a seguir a localização geográfica dos locais onde as temperaturas do ar tendem a ser mais elevadas naturalmente, devido à diversidade dos elementos do clima, tais como a incidência e quantidade da radiação solar e os regimes pluviométricos. Situação semelhante pode ser observada com relação à localização das temperaturas de superfícies mais baixas: ainda que com algumas ressalvas, os menores valores de TS coincidiram com a localização geográfica de alguns estados brasileiros de clima mais ameno, como é o caso de São Paulo e Minas Gerais, apesar de esses locais, abrigarem bacias hidrográficas com alto grau de antropismo (pouca cobertura natural e alta taxa de urbanização e adensamento populacional).

     

     

    CONSIDERAÇÕES E DISCUSSÕES FINAIS O produto MOD11 A2, proveniente do sensor Modis, mostrou-se adequado ao monitoramento da TS em âmbito regional, confirmando a possibilidade de uso de sensores orbitais (com cobertura espacial e temporal variada), como instrumentos auxiliares na coleta de dados termais.

    A influência sazonal, assim como ocorre com outros componentes físicos da paisagem do Cerrado como a vegetação, mostrou-se evidente na variável biofísica temperatura de superfície, quando analisada no recorte espacial de bacias hidrográficas a partir do cálculo das médias.

    Embora tenha ocorrido contaminação dos pixels por nuvens em algumas cenas da área de estudo, este fato não impossibilitou a análise dos dados. Na verdade, se lembrarmos que a presença de nuvens é um importante elemento a ser considerado na análise climatológica, o uso das imagens termais, associados ao estudo da presença de nuvens, pode ser um importante instrumento para melhor compreender a dinâmica climática do Cerrado.

    Embora a hipótese inicial fosse a de que um aumento da TS seria observado junto às áreas das bacias hidrográficas mais antropizadas (alta urbanização e grande adensamento populacional), este fato não se mostrou evidente. A TS monitorada pelo sensor Modis tendeu a seguir, em sua maioria, os mesmos padrões de distribuição espacial da TA (variação positiva no sentido sul-norte). Salvo alguns casos, os valores mais elevados de TS seguiram a localização geográfica de estados brasileiros com temperaturas do ar mais elevadas, como Bahia e Goiás e os valores mais baixos de TS, em sua maioria, tenderam a seguir à localização geográfica de estados com temperatura mais amena como São Paulo e Minas Gerais. Em alguns casos os maiores valores de temperaturas de superfície seguiram a localização geográfica de áreas com forte influência de pastagens e agricultura, mas não seguiram a localização das áreas fortemente urbanizadas e de adensamento populacional consolidado, como acontece nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Uma possível justificativa para tal fato está relacionada à resolução espacial utilizada na pesquisa (1km), que impede que fenômenos como a ilha de calor urbano e a inversão térmica sejam captados pelo sensor.

    Assim, a avaliação da variável TS mostrou-se altamente complexa, pois embora essa variável seja altamente sensível às mudanças de uso e cobertura da terra, as limitações referentes à resolução espacial do sensor, somada aos diversos fatores extrínsecos e intrínsecos à superfície e que provocam alterações na TS, dificultaram a correlação dessa variável biofísica com o uso e cobertura referente a espaços urbanos fortemente adensados, necessitando, assim, de um maior refinamento na escala de análise.

     

    Nicali Bleyer Ferreira dos Santos é geógrafa, com doutorado multidisciplinar em ciências ambientais pela Universidade Federal de Goiás(UFG). Atua como pesquisadora sobre o uso e ocupação do solo e a variabilidade termal de superfície no bioma Cerrado no Laboratório de Processamento e Imagens e Geoprocessamento - Lapig da UFG. É membro do Grupo de Pesquisa em Educação e Geografia sobre Ensino de Climatologia com a elaberação de materiais paradidáticos. É membro da Rede de Pesquisa em Ensino de Cidade - Repec, vinculada ao Laboratório de Ensino e Pesquisa em Educação Geográfica (Lepeg), do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa), da UFG.

    Laerte Guimarães Ferreira Júnior é geólogo, especialista em sensoriamento remoto pela Universidade Estadual Paulista (Unesp / Rio Claro), mestre em geologia econômica pela Universidade de Brasília e doutor em ciência do solo / sensoriamento remoto pela University of Arizona. É professor associado da UFG, onde coordena o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig). É membro dos comitês científicos da Rede de Cooperação em Ciência e Tecnologia para a Conservação e o Uso Sustentável do Cerrado (ComCerrado / MCT) e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (MCT - MMA).

    Nilson Clementino Ferreira é engenheiro, com mestrado em engenharia de transportes pela Universidade de São Paulo e doutorado em ciências ambientais pela UFG. Atualmente é professor da Escola de Engenharia Civil da UFG. É professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia do Meio Ambiente - PPGEMA/UFG e do Programa de Pós-Graduação em Geografia (Iesa)/UF.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Goert, J. W.; Wagner, E.; Barcellos, O, de. A."Savanas tropicais: dimensão, histórico e perspectiva" In: Savanas desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade, agronegócio e recursos naturais. Editores técnicos: Fábio Gelape Faleiro e Austeclinio Lopes de Farias Neto. Embrapa Cerrados. Planaltina, D.F., 2008.

    2. Ricklefs. E. Robert. A economia da natureza. Tradução: Cecília Bueno Pedro P. de Lima e Silva. Colaboração: Rogério Ribeiro de Oliveira. Terceira edição, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro-RJ, 1996.

    3. Wan, Z; Feng, Y; Zhang, J; King, D. Land-surface temperature and emissivity retrieval from Modis Airborne Simulator (MAS) data. Summaries of the Seventh JPL Airborne Earth Science Workshop, January 12-16, v. 3, p.57-66, 1998.

    4. Wan, Z. Modis Land-surface temperature products users'guide collection-5. Icess, University of California, Santa Barbara, 2007.

    5. Brasil. Política Nacional de Recursos Hídricos. Lei Nº 9433 de 8 de janeiro de 1997. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm

    6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Divisão de bacias hidrográficas Nível 4 – Ottobacias, 2006.

    7. Silva. M, A. F; Assad, D. E; Evangelista, A. B. "Caracterização climática do bioma Cerrado". In: Cerrado ecologia e fauna. Org: Sueli Matiko Sano, Semíramis Pedrosa de Almeida, José Felipe Ribeiro. Embrapa Informação Tecnológica, Brasília, 2008.