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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.63 no.3 São Paulo jul. 2011

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252011000300024 

    NAMING

    Processo que faz o produto ser identificado no mundo inteiro

     

    Dar nome a produtos e serviços é hoje uma especialização, um processo que também tem seu nome globalizado – o naming. Envolve equipes multidisciplinares e tem similaridades com a poesia.

    Batizar um novo produto não é uma tarefa fácil. Quando dá muito certo, o nome de batismo acaba virando sinônimo do produto – os casos mais famosos são a gillette, o danoninho, o bombril, entre outros. Porém, às vezes, ocorre erro de interpretação por parte dos consumidores, podendo comprometer o investimento em comunicação, principalmente com o segmento onde mais se gasta: a publicidade. O fabricante do furgão multiuso "Besta" que o diga: entrou no mercado praticamente sem concorrentes diretos, mas o nome acabou virando piada, desconforto e impressão negativa em vários tipos de público, em especial religiosos que associam a palavra ao demônio.

    "Os gastos com publicidade para reverter a antipatia inicial com o nome, e que enfatizou uma comunicação mais bem humorada, poderia ter sido evitada simplesmente mudando o nome do veículo", explica a publicitária Irene Carballido, que trabalha com naming, uma área que conheceu durante sua especialização na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), na Espanha.

     

     

    O naming se insere dentro do que os designers chamam de branding, um processo amplo que ajuda a construir a marca, que vai além da concepção do logotipo. É a criação do chamado "universo da marca", onde diversas pistas sensoriais – da paleta de cores, iluminação dos ambientes, associações imagéticas até a fonética do nome – comunicam a intenção da empresa, ou seja, mostram o diferencial em relação à concorrência.

    "Um produto como o sorvete Häagen Dazs já faz determinado tipo de consumidor ativar alguma conexão no inconsciente, que torna mais fácil a empatia. O nome tem algo de europeu, inicialmente pode soar alemão ou escandinavo – o que pode remeter à ideia de qualidade especial, exclusiva e diferenciada em relação a outros sorvetes. Ao se complementar tal impressão inicial com a parte visual, se induz a um processo de decisão mais fácil. Se a pessoa quer algo fora do cotidiano – e das marcas cotidianas – talvez opte por esse produto", diz Delano Rodrigues, designer e professor da Universidade Federal do Maranhão, ressaltando que a empresa em questão é americana e o nome é apenas um conjunto de fonemas, sem correspondência em nenhuma língua, assim como a palavra Kodak.

    MARCAS MUNDIAIS O naming vem se tornando cada vez mais importante à medida que a ação das empresas se internacionaliza. E, mesmo aquelas com produção focada no público local, com a internet, têm que planejar suas ações de forma global. "Um nome com muitos 'r'poderá ter dificuldade de ser comunicado ou lembrado no Japão. Então a fonética é importante para definir um produto global. Escritórios de disaster check fazem pesquisas mundiais atrás de possíveis problemas relacionados aos nomes dos produtos lançados em países diferentes. Também procuram nomes de outros produtos locais que já existam (o que pode indicar a necessidade de adaptações). Caso isso ocorra, os profissionais envolvidos na comunicação da marca passam por mais um teste de paciência: encontrar domínios na internet para um produto global que pode acabar concorrendo – em termos de atenção – com um produto local.

    Por isso não é incomum que os namers – profissionais de naming – partam de uma solução prática: criar nomes sonoros que não sejam, necessariamente, uma palavra com sentido conhecido, como o do sorvete já citado. São os chamados "nomes artificiais" (cuja dica, mas não regra geral, é alternar consoantes e vogais simples para serem universalmente aceitos).

    "Não existe nome sem sentido, afinal essa é uma das funções da linguagem, dar nomes às coisas. O nome é associado à empresa, então ele tem um sentido, representa aquela empresa, produto ou serviço. Para o linguista Ferdinand de Saussurre o nome tem significante e significado. E são os leitores – nesse caso os consumidores – que vão dar significado a esses nomes, com a facilitação de outras formas de comunicação envolvidas nesse processo (como o design ou a publicidade) que ajudam na resignificação do referente do discurso, ou seja, do objeto do qual se está falando", explica Anna Christina Bentes, pesquisadora da área de sociolinguística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    Anna Christina ressalta que esse processo é similar ao que fazem poetas, escritores e qualquer um que trabalhe com a linguagem. "Esse processo de resignificação dos nomes nós encontramos em Guimarães Rosa, nos escritores de cordéis e mesmo no rap. O que muda é a forma como se chega a essas resignificações – os métodos e objetivos – e, no caso dos namers, designers ou publicitários, na necessidade da originalidade e outras questões específicas da área", completa.

    "No processo de naming é preciso chegar à essência da empresa, do produto ou serviço que estamos nomeando. A metodologia vai variar, mas isso é talvez o menos importante. São as discussões sobre o que vai nomear – não somente entre os profissionais especialistas da área, mas também entre os indivíduos dentro da empresa – é que vão criando os significados e levando ao nome. O teste final é ver se o público reage bem a toda essa construção", explica Rodrigues, cuja pesquisa o levou a escrever um livro sobre o tema, recentemente lançado. "É esse conjunto que dá significado aos nomes", finaliza.

    ESTÓRIAS QUE OS NOMES CONTAM Alguns nomes são construções simbólicas que fazem sentido para os consumidores de um produto. No Brasil, assim como em vários países, uma marca de moda masculina pode fazer mais sucesso se tiver referências ou associações europeias – italiano ou francês, por exemplo – do que com um nome mais latino. "As pessoas associam determinadas imagens e sensações quando ouvem um nome como Maximo Gucci que não seriam ativadas com outros nomes", explica Carballido. Mesmo assim pertence ao grupo que os namers denominam "patronímicos", ou seja, nomes que remetem a uma pessoa. Nomes como Ferrari, Ford, Pinifarina, Channel, Hugo Boss e a brasileira Bauducco são desse grupo.

     

     

    Outro grupo de nomes bastante comum desde que as grandes empresas começaram a se consolidar são os chamados "descritivos". Pertencem a esta categoria nomes como Banco do Brasil, onde o nome diz tudo (é um banco e pertence ao Estado brasileiro).

    Já os nomes topomínicos indicam lugares de onde, teoricamente, os produtos vieram. Situada à beira do rio Nokia, na Finlândia, a empresa de celulares conhecida pelos brasileiros é um bom exemplo disso. Diversos modelos de carros também recorrem a essa família de nomes. E mesmo a região de Champagne tem seu nome associado diretamente a um tipo de bebida, mas com assinaturas de fabricantes diversos.

    No grupo de nomeações clássicas, mas com uma lógica um pouco mais sofisticada, estão aqueles chamados de "metafóricos". "São nomes que revelam a natureza dos negócios indiretamente. Referem-se a seu objeto através de uma qualidade comum, que provoca associações,", aponta Delano. É o que ocorre com a marca Quaker, por exemplo, que faz alusão a uma seita protestante que realmente existe e que alude ao que os fundadores da empresa – que não eram quakers – achavam ser a personificação de atitudes positivas.

     

    Enio Rodrigo Barbosa