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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.1 São Paulo enero. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000100005 

    BRASIL
    CIÊNCIA NO BRASIL

     

    Otto Gottlieb impulsionou a química de produtos naturais

     

     

    Celira Caparica

     

     

    Pioneiro nos estudos da fitoquímica no país, Otto Richard Gottlieb foi responsável por inúmeros avanços na química de produtos naturais, na pesquisa de evolução botânica e na ecologia química. Contribuiu também para o desenvolvimento de fármacos a partir de seu trabalho com as neolignanas. Falecido em 20 de junho de 2011, aos 90 anos, esse membro da Academia Brasileira de Ciências atuou nas maiores universidades e instituições de pesquisa do país, e sabia da necessidade de esforços multidisciplinares para entender o funcionamento da natureza. Segundo Vanderlan Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e orientanda de Gottlieb no mestrado e doutorado, ele já se preocupava com a extinção das espécies antes mesmo que se mapeassem e se entendessem os seus mecanismos de funcionamento.

    Gottlieb nasceu em Brno, República Tcheca, em 31 de agosto de 1920, mas optou pela cidadania brasileira aos 21 anos. Iniciou o trabalho acadêmico no Instituto de Química Agrícola no Rio de Janeiro, em 1955. Em 1962, deixou o instituto e foi fazer um pós-doutorado no Instituto Weizmann, em Israel, interessado nos equipamentos de ressonância magnética nuclear e de espectrometria de massas. Na volta ao Brasil, publicou dois livros: Aplicação de espectrometria de massa à química orgânica (1968), prefaciado pelo químico austríaco Carl Djerassi, e Aplicação da ressonância magnética nuclear à química orgânica (1968), prefaciado por Ricardo Ferreira. "Mesmo depois de 40 anos de sua publicação, o livro de espectrometria de massas continua atual e único", afirma Jorge M. David, especialista em plantas do semiárido baiano da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

     

    INTERDISCIPLINARIDADE

    Gottlieb tornou-se professor titular da Universidade de Brasília (UnB), em 1964, mas deixou a instituição no ano seguinte, junto com outros docentes, em protesto contra a perseguição do regime militar a acadêmicos. Nos anos seguintes, dedicou-se à criação de grupos de pesquisas em produtos naturais em Minas Gerais (UFMG), Rio de Janeiro (UFRRJ), São Paulo (USP), e Pernambuco (UFPE). Mudou-se para a USP, em 1967, e, a convite de Paschoal Senise, primeiro diretor do Instituto de Química (1970-1974), criou o Laboratório de Produtos Naturais. Nessa universidade, ele permaneceu até aposentar-se, aos 70 anos, desenvolvendo praticamente toda a sua vida acadêmico-científica.

    "Nos tempos áureos de sua carreira, feita na sua maior parte no Instituto de Química da USP, Gottlieb era muito conhecido internacionalmente, seus trabalhos tiveram grande projeção: 70% dos artigos sobre lignanas e neolignanas publicados na revista científica Phytochemistry nessa ocasião, eram de sua autoria", afirma Bolzani. Gottlieb também chamava atenção para a falta de profissionais qualificados no país "tais como botânicos, micólogos [que estudam fungos] e sistemáticos". Maria de Fátima Fernandes, química de produtos naturais da USP de São Carlos, concorda com a sua afirmação: "O químico não consegue um especialista (em botânica) para identificação correta da planta." Em entrevista ao jornal Ciência Hoje, em 1988, Gottlieb disse que o problema é que "o biólogo é treinado na observação - quase sempre visual - de fenômenos naturais ao nível de organismo; o químico na experimentação, quase sempre por instrumento - ao nível molecular. Unir essas duas tendências num esforço interdisciplinar coordenado é difícil, mas é preciso que se tente".

     

    INOVAÇÃO

    Em artigo publicado na revista Natural Products Letters, em 1993, em coautoria com Maria Auxiliadora Kaplan, da UFRJ, Gottlieb propôs a teoria redox, pela qual as espécies precisam se adaptar a processos antagônicos de luta por e contra a água e o oxigênio para sobreviver. Isto é, tanto a água como o oxigênio podem ser benéficos ou maléficos se estiverem em excesso ou falta. O químico Raimundo Braz Filho, da UFRRJ, diz que Gottlieb usou filosofia básica de biogeoquímico para criar conceitos novos, "tais como a teoria redox em substituição à teoria da defesa, interdependência de metabolismo macro e micromolecular, e função do metabolismo em sinalização celular".

    Em seu livro Biodiversidade: um enfoque químico biológico (1996), escrito em coautoria com Kaplan e com Maria Renata Borin, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Gottlieb disse que, através do estudo da evolução, é possível elaborar uma "sistemática vegetal capaz de levar a uma ecologia mais exata". A partir dessa constatação, ele se dedicou à reflexão de conceitos sobre questões fundamentais referentes ao funcionamento da natureza.

     

    NOVAS DISCIPLINAS

    A chamada biologia química quantitativa ou biogeografia de plantas é uma de suas contribuições mais conhecidas. Uma metodologia que usa indicadores numéricos para relacionar as formas das plantas às substâncias químicas. "Essas abordagens abriram um novo campo de estudos em ecologia e propiciaram o estabelecimento de critérios para a introdução e o monitoramento de projetos na região muito antes dessas preocupações alcançaram a visibilidade atual", lembra Peter Ruldolf Seidl, coautor do livro de 1995, Chemistry of the Amazon.

     

     

    Outro desdobramento importante do trabalho de Gottlieb foi a criação de disciplinas como química de produtos naturais, ecologia química e biossíntese de plantas. Além disso, ao preconizar a importância de saber em que condições a planta produz determinada substância, ele deu as bases do que hoje se chama metabolômica, disciplina que visa identificar o gene que codifica uma proteína e permite modificações para que a planta produza a substância desejada em larga quantidade, para a indústria de fármacos ou de inseticidas, por exemplo.

    Após ter se aposentado na USP, aos 70 anos, Gottlieb atuou como pesquisador visitante na Fiocruz, até dezembro de 2001 e, em seguida, como professor visitante na Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele trabalhava em sua biblioteca particular instalada em um apartamento anexo à sua residência no Rio de Janeiro, que foi criada e organizada basicamente com verbas e esforços pessoais durante toda a sua vida, e cujo acervo é formado por cerca de 1.500 livros, diversas obras de referências (catálogos e dicionários especializados), periódicos científicos (cerca de 110 títulos), teses, separatas de artigos científicos (próprios e de outros), além de slides, fitas de vídeos e fichários especializados de famílias vegetais e substâncias naturais. "Penso que deva ser a maior biblioteca da área de química de produtos naturais", disse Maria Renata Borin. A ideia é manter esse acervo reunido e, para isso, a família está discutindo uma possível doação para uma instituição de ensino e pesquisa.