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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.1 São Paulo enero. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000100007 

    MUNDO
    DESENVOLVIMENTO

     

    Pobreza inviabiliza autodeterminação de nações

     

     

    Leonor Assad

     

     

    Nações são grupos culturalmente homogêneos de pessoas, que compartilham história, língua e instituições. Ao se organizarem politicamente, constituem um Estado que é considerado independente quando possui um território com fronteiras respeitadas internacionalmente. Considera-se que sua população vive em uma base territorial contínua; tem um governo que presta serviços públicos, inclusive de polícia, regula o comércio externo e interno e emite moeda; tem soberania, ou seja, nenhum outro Estado tem poder sobre o território do país; e é reconhecido internacionalmente.

    Atualmente, porém, a extrema pobreza de grande parte da população de alguns países acarreta crises que parecem arrastá-los para uma condição de falência. Ausência de instituições organizadas e endividamento elevado são alguns dos muitos problemas enfrentados por esses países. E mais, eles são também caracterizados pela sua alta fragilidade às crises econômicas, às catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, bem como a doenças.

    Atualmente, 48 nações são consideradas pela Organização das Nações Unidas (ONU) como países menos desenvolvidos. Juntas ocupam quase 21 milhões de quilômetros quadrados, ou cerca de duas vezes e meia o território brasileiro. Nelas vivem mais de 800 milhões habitantes, a grande maioria sobrevivendo com menos de um dólar americano por dia. O continente africano abriga quase 70% desses países (Quadro 1), enquanto que 14 se encontram na Ásia e na Oceania e apenas um no continente sul-americano: o Haiti que no século XVIII era considerada a mais próspera colônia da região e, há algumas décadas, é o país mais pobre das Américas.

     

     

    Para incluir um país na lista dos menos desenvolvidos, o Comitê de Políticas de Desenvolvimento da ONU utiliza como critérios ter uma renda média anual inferior a US$ 745 por pessoa; ter baixos índices de desenvolvimento humano (IDH), medidos por indicadores de nutrição, de mortalidade infantil entre crianças menores de cinco anos, de escolarização no ensino secundário e de alfabetização de adultos; ter alta vulnerabilidade econômica, medida pela densidade da população, diversidade de produtos exportados, porcentagem da agricultura no produto interno bruto (PIB), volatilidade da balança comercial e percentual de população sem-abrigo devido a catástrofes naturais.

    Segundo Luiz Albino Barbosa, bacharel em relações internacionais e consultor de comércio exterior, os fatores que mantêm uma nação sob condições de extrema pobreza estão relacionados ao crescimento demográfico desordenado, desenvolvimento econômico desigual, criminalização e perda da legitimidade do Estado, movimentos de refugiados e/ou deslocados internos, disputas internas entre grupos em busca de vingança por injustiças cometidas, intervenção de outros Estados ou atores políticos externos, e suspensão ou aplicação arbitrária do estado de direito, com violação generalizada dos direitos humanos.

    Ao ser incluído pela ONU na lista de nações menos desenvolvidas, um país passa a contar com preferências comerciais, na forma de financiamentos para seu desenvolvimento, ajuda pública, alívio da dívida externa, assistência técnica e, quando são membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), também recebem tratamento especial no âmbito do comércio internacional.

     

    MAIS POBRES, MAIS VULNERÁVEIS

    Os países menos desenvolvidos são fortemente dependentes de fontes de financiamento externo, incluindo a assistência oficial ao desenvolvimento e remessas de fundos para trabalhadores. Ficam portanto muito vulneráveis a crises globais, como a de 2009 que causou graves repercussões nas suas economias.

    Alguns países, como São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Tuvalu e Vanuatu, são pequenos estados insulares e estão ameaçados de extinção. Possuem poucos recursos naturais, o que os priva dos benefícios da economia de escala. Possuem forte dependência de poucos mercados externos e remotos e enfrentam os altos custos de infraestrutura, energia, transporte, comunicação e manutenção. Outro agravante é a suscetibilidade a desastres naturais, em particular ao risco de desaparecimento em função do aumento do nível do mar, provocado pelo derretimento de calotas polares. Outros países, como Chade, Níger e Zâmbia, estão a mais de dois mil quilômetros dos principais centros econômicos, o que eleva os custos de transporte de mercadorias e impõe sérias restrições ao desenvolvimento socioeconômico. Muitas vezes, para exportar mercadorias, precisam atravessar territórios vizinhos, igualmente pobres, e enfrentar inúmeras dificuldades no trajeto. É o caso da Etiópia, um dos países mais antigos do mundo, que por não ter acesso ao mar exporta mercadorias via Somália, único país no mundo que não possui, no momento, um sistema de governo efetivo.

    Os países menos desenvolvidos possuem IDH baixos ou muito baixos, como o pequeno Burundi, cuja elevada densidade demográfica - mais de 300 habitantes por cada quilômetro quadrado - é treze vezes maior do que a do Brasil. Seu IDH de 0,202 - reflete a precariedade das condições de vida de sua população, que tem acesso precário à comida, remédios e eletricidade. Em Burundi, apenas uma em cada duas crianças vai à escola e aproximadamente um em cada 15 adultos está infectado pelo vírus HIV (causador da Aids).- Esses números, porém, em geral não são precisos, pois alguns países não possuem dados censitários atualizados e o intenso fluxo migratório, de populações em fuga, dificultam as estimativas.

    As mulheres são também muito vulneráveis nesses territórios, onde têm uma chance em 16 de morrer durante o parto, enquanto que em países da América do Norte essa chance é uma em 3500.

    Como, em sua maioria, têm uma economia fortemente baseada na agricultura e na pesca (quando possuem acesso ao mar), as populações de países menos desenvolvidos são muito vulneráveis em relação ao meio ambiente. Embora contribuam menos para as alterações climáticas, geralmente estão entre os territórios mais afetados por esses fenômenos, em comparação com populações de países desenvolvidos. Essa forte vulnerabilidade se deve às condições precárias de moradia, à excessiva dependência de recursos naturais e à falta de acesso a novas tecnologias e técnicas de manejo do ambiente.

    Outro grande problema são os inúmeros conflitos tribais e o grande fluxo de migração. Grande parte dos países menos desenvolvidos tornaram-se independentes na segunda metade do século XX (Quadro 1), após períodos longos de colonização, principalmente europeia. Países como Sudão, Somália, Chade, República Democrática do Congo e República Centro-Africana continuam a enfrentar graves conflitos internos que afetam a estabilidade regional.

     

    AJUDA INTERNACIONAL

    Wagner Costa Ribeiro, professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, defende que "os países menos desenvolvidos devem definir caminhos próprios, baseados na sua vocação geográfica". Ribeiro aponta que as condições ambientais não são o principal fator limitante para o desenvolvimento das nações. Longos períodos de colonialismo, conflitos tribais e religiosos causam inúmeros problemas sociais que afetam muito mais o desenvolvimento de um país do que limitações ambientais. "Terremotos existem no Haiti, mas também nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. O clima é inóspito no Nepal e também no Canadá", salienta o geógrafo. Já Luiz Barbosa defende que os conhecimentos científicos e tecnológicos que temos hoje nos permitem dominar qualquer ambiente e, com isso, manter populações vivendo em condições apropriadas dentro de valores humanitários. Segundo ele, a história e a experiência internacional têm mostrado que nações que receberam ajuda externa conseguiram retornar ao sistema internacional como nações soberanas e independentes. Namíbia, Eslovênia Oriental, El Salvador, Kosovo e Moçambique são exemplos de países que conseguiram sair do estado de falência.

    Mestre em agroenergia pela Fundação Getúlio Vargas, Barbosa afirma que países como Sudão, República Democrática do Congo, Uganda e República Centro Africana apresentam boas condições agroclimáticas para o plantio de cana, o que propiciaria a produção de etanol e de açúcar, além da geração de bioeletricidade através do bagaço.

    "É necessário democratizar a matriz energética das nações. Considerar os países menos desenvolvidos como inviáveis é desconsiderar as alternativas que são possíveis, respeitando seus valores culturais e suas condições ambientais", salienta Ribeiro.